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Thierry Meyssan: Os Ocidentais e o conflito na Ucrânia

| Paris (França) |

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Os Presidentes Donald Trump e Vladimir Putin (foto de 2018).

Os Presidentes norte-americano, Donald Trump, e russo, Vladimir Putin, iniciaram oficialmente negociações para por fim à guerra na Ucrânia. Quaisquer que sejam as soluções territoriais, elas não irão resolver o conjunto do contencioso. Este irá persistir provavelmente para lá da paz.

Nesta questão, há três problemas que se sobrepõem :

1— A expansão da OTAN para o Leste e a doutrina Brzeziński

Quando os Alemães do Leste derrubaram o Muro de Berlim ( 9 de Novembro de 1989), os Ocidentais, apanhados de surpresa, negociaram o fim das duas Alemanhas. Durante o ano de 1990 colocou-se a questão de saber se a reunificação alemã significaria que a Alemanha Oriental, juntando-se à Ocidental, entraria ou não na OTAN.

Ora, quando o Tratado de Aliança Atlântica foi assinado, em 1949, ele não incluía certos territórios de alguns signatários. Por exemplo, não faziam parte os territórios franceses do Pacífico ( a Reunião, a Mayotte, Wallis e Futuna, a Polinésia e a Nova Caledónia ). Portanto, teria sido possível que, numa Alemanha unificada, a OTAN não tivesse permissão para se estabelecer na Alemanha de Leste.

Esta questão é muito importante para os Países da Europa Central e Oriental, que foram atacados pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Aos olhos das suas populações, ver armas sofisticadas a ser instaladas na sua fronteira era preocupante. Muito mais para a Rússia, cujas imensas fronteiras ( 6.600 quilómetros ) são indefensáveis.

Durante a Cimeira (Cúpula-br) de Malta (2 e 3 de Dezembro de 1989) entre os Presidentes norte-americano e russo, George Bush (o pai) e Mikhail Gorbachev, os Estados Unidos argumentaram que não tinham agido para levar à queda do Muro de Berlim e que não tinham então nenhuma intenção de actuar contra a URSS [1].

O Ministro alemão-ocidental dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br), Hans-Dietrich Genscher, declarou : « que as mudanças na Europa de Leste e o processo de unificação da Alemanha não deviam levar a um ataque aos interesses de segurança soviéticos ». Por conseguinte, a OTAN deveria excluir uma «expansão do seu território para o Leste, quer dizer, uma aproximação às fronteiras soviéticas».

As três potências ocupantes da Alemanha, os Estados Unidos, a França e o Reino Unido, multiplicaram portanto os compromissos de não expandir a OTAN para Leste. O Tratado de Moscovo (12 de Setembro de 1990) implica que a Alemanha reunida não reivindicará território na Polónia (linha Oder-Neisse) e que nenhuma base da OTAN será colocada na Alemanha de Leste [2].

Durante uma conferência de imprensa conjunta na Casa Branca, em 1995, o Presidente Boris Ieltsin qualifica a reunião que acabavam de ter como « desastrosa », provocando a hilariedade do Presidente Bill Clinton. Realmente, vale mais rir do que chorar.

No entanto, os Russos ficaram a saber que o Secretário de Estado adjunto Richard Holbrooke dava a volta às capitais para preparar a adesão dos antigos Estados do Pacto de Varsóvia à OTAN. O Presidente Boris Ieltsin deu, pois, um sermão ao seu homólogo, Bill Clinton, aquando da Cimeira de Budapeste (5 de Dezembro de 1994) da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE). Declarou : « a nossa atitude face aos planos de alargamento da OTAN e, nomeadamente, da possibilidade que as infraestruturas progridam para Leste, é e irá continuar a ser invariavelmente negativa. Os argumentos do tipo : o alargamento não é dirigido contra nenhum Estado e constitui um passo para a criação de uma Europa unificada, não resistem à crítica. Trata-se de uma decisão cujas consequências determinarão a configuração europeia para os próximos anos. Ela pode conduzir a um deslizar para a deterioração da confiança entre a Rússia e os países Ocidentais. […] A OTAN foi criada no tempo da Guerra Fria. Hoje, não sem dificuldades, procura o seu lugar na Nova Europa. É importante que essa abordagem não crie duas zonas de demarcação, mas que, pelo contrário, ela consolide a unidade europeia. Este objectivo, para nós, está em contradição com os planos de expansão da OTAN. Porquê lançar as sementes da desconfiança ? Afinal de contas, já não somos mais inimigos ; agora somos todos parceiros. O ano de 1995 marca o quinquagésimo aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial. Meio século depois, estamos cada vez mais conscientes do verdadeiro significado da Grande Vitória e da necessidade de uma reconciliação histórica na Europa. Não deveria aqui haver mais inimigos, vencedores e derrotados. Pela primeira vez na sua história, o nosso continente tem uma hipótese real de chegar à unidade. Falhar isso, é esquecer as lições do passado e pôr em questão o próprio futuro».

Bill Clinton respondeu-lhe : « A OTAN não excluirá automaticamente nenhuma nação da adesão. […] Simultaneamente, nenhum país exterior será autorizado a colocar o seu veto à expansão» [3].

Durante esta cimeira, três memorandos foram assinados, entre os quais um com a Ucrânia independente. Em troca da sua desnuclearização, a Rússia, o Reino Unido e os Estados Unidos comprometiam-se a abster-se de recorrer à ameaça ou ao emprego da força contra a integridade territorial ou a independência política da Ucrânia.

No entanto, durante as guerras da Jugoslávia, a Alemanha interveio, como membro da OTAN. Ela treinou os combatentes kosovares numa base da Aliança em Incirlik (Turquia) e, depois, colocou os seus homens no terreno.

Também, na Cimeira da OTAN de Madrid (8 e 9 de Julho de 1997), os Chefes de Estado e de Governo da Aliança anunciaram estarem a preparar-se para a adesão da República Checa, da Hungria e da Polónia. Além disso, encaram também as da Eslovénia e da Roménia.
Consciente que não pode impedir Estados soberanos de subscrever alianças, mas inquieta pelas consequências para sua própria segurança daquilo que se prepara, a Rússia intervém na Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), durante a Cimeira de Istambul (18 e 19 de Novembro de 1999). Ela faz adoptar uma declaração estabelecendo o princípio da livre adesão de qualquer estado soberano à aliança da sua escolha e a este de não tomar medidas de segurança em detrimento da dos seus vizinhos.

No entanto, em 2014, os Estados Unidos organizaram uma revolução colorida na Ucrânia, derrubando o presidente democraticamente eleito (que queria manter o país a meio caminho entre os Estados Unidos e a Rússia) e instalando um regime neo-nazi publicamente agressivo à Rússia.

Em 2004, a Bulgária, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Roménia, a Eslováquia e a Eslovénia aderem à OTAN. Em 2009, foram a Albânia e a Croácia. Em 2017, o Montenegro. Em 2020 a Macedónia do Norte. Em 2023, a Finlândia, e em 2024, a Suécia. Ou seja, todas promessas foram violadas.

Para compreender muito bem como se chegou a isto, é preciso saber o que pensavam os Estados Unidos.

Em 1997, o antigo Conselheiro de Segurança Nacional do Presidente Jimmy Carter, o polaco-americano, Zbigniew Brzeziński, publica O Grande Tabuleiro (no sentido de xadrez mundial-ndT). Nele, ele disserta sobre «geopolítica» no senso original, quer dizer, não da possível influência dos dados geográficos sobre a política internacional, mas de um plano de dominação do mundo.

Segundo ele, os Estados Unidos podem permanecer a primeira potência mundial aliando-se aos Europeus e isolando a Rússia. Então aposentado, este democrata oferece aos seguidores de Leo Strauss — “straussianos” (vulgo neo-cons, ndT) — uma estratégia para manter a Rússia em baixo, sem no entanto lhes dar razão. Com efeito, ele apoia a cooperação com a União Europeia, enquanto os “straussianos” desejam, pelo contrário, frenar o seu desenvolvimento (Doutrina Wolfowitz). Seja com for, Brzeziński tornar-se-á Conselheiro do Presidente Barack Obama.

Monumento à glória de Stepan Bandera, criminoso contra a Humanidade, em Lviv.

2- Nazificação da Ucrânia

No início da “Operação Especial” do Exército russo na Ucrânia, o Presidente Vladimir Putin declarou que seu primeiro objectivo era desnazificar o país. Os Ocidentais fingiram então ignorar o problema. Eles acusaram a Rússia de salientar alguns factos marginais muito embora estes tenham sido observados em larga escala durante uma década.

É que os dois geopolíticos norte-americanos rivais, Paul Wolfowitz e Zbigniew Brzeziński, haviam feito aliança com os « nacionalistas integralistas » (ou seja com os discípulos do filósofo Dmytro Dontsov e do chefe da milícia Stepan Bandera) [4], durante uma conferência organizada por estes últimos em Washington, em 2000. Foi nesta aliança que o Departamento da Defesa apostou, em 2001, quando deslocalizou as suas pesquisas de guerra biológica para a Ucrânia, sob a autoridade de Antony Fauci, então conselheiro de Saúde do Secretário Donald Rumsfeld. Continuou a ser nesta aliança que o Departamento de Estado apostou, em 2014, com a revolução colorida do Euromaidan.

Os dois Presidentes ucranianos, Petro Poroshenko e Volodymyr Zelensky, de origem judaica, deixaram desenvolver por todo o lado no seu país memoriais prestando homenagem aos colaboracionistas dos nazis, particularmente na Galícia (junto à Polónia-ndT). Eles deixaram a ideologia do Dmytro Dontsov tornar-se a referência histórica. Por exemplo, hoje, a população ucraniana atribui a grande fome de 1932-1933, que provocou entre 2,5 e 5 milhões de mortos, a uma imaginária vontade da Rússia em exterminar os Ucranianos ; um mito fundador que não resiste à análise histórica [5], com efeito, esta fome atingiu em cheio outras regiões da União Soviética. Além disso, foi com base nesta mentira que Kiev conseguiu fazer crer à sua população que o Exército russo queria invadir a Ucrânia. Actualmente várias dezenas de países, entre os quais a França [6] e a Alemanha [7], adoptaram, por esmagadoras maiorias, leis ou resoluções a validar esta propaganda.

A nazificação é mais complexa do que se crê : com a implicação da OTAN nesta guerra por procuração, a Ordem da Centuria, quer dizer, a Sociedade Secreta dos “nacionalistas integralistas” ucranianos, infiltrou as forças da Aliança. Em França, ela estaria já presente na gendarmaria (que, diga-se de passagem, nunca tornou público o seu relatório sobre o massacre de Butcha).

O Ocidente contemporâneo vê, erradamente, os nazis como criminosos que massacraram principalmente judeus. É absolutamente falso. Os seus principais inimigos eram os eslavos. Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazis assassinaram muita gente, primeiro a tiro e depois, a partir de 1942, em campos. As vítimas civis eslavas da ideologia racial nazi foram muito mais numerosas do que as vítimas judias (cerca de 6 milhões se adicionarmos as pessoas mortas por balas e as mortas nos campos). Além disso, algumas vítimas eram eslavas e judias, sendo contabilizadas em cada uma das duas contagens. Após os massacres de 1940 e 1941, cerca de 18 milhões de pessoas, de todas as origens, foram internadas nos campos de concentração, das quais 11 milhões, no total, foram aí assassinadas (1.100.000 só no campo de Auschwitz-Birkenau) [8].

A União Soviética, que se dilacerou durante a Revolução bolchevique, só refez a sua unidade em 1941 quando Joseph Staline fez aliança com a Igreja Ortodoxa e pôs fim aos massacres e aos internamentos políticos (os «gulags») para lutar contra a invasão nazi. A vitória contra a ideologia racial fundou a Rússia actual. O povo russo vê-se como exterminador do racismo.

3— O rejeitar da Rússia para fora da Europa

O terceiro pomo de discórdia entre o Ocidente e a Rússia foi criado, não antes, mas durante a guerra da Ucrânia. Os Ocidentais adoptaram várias medidas contra aquilo que simbolizava a Rússia. Tomaram-se, é certo, medidas coercivas unilaterais (qualificadas abusivamente de «sanções») ao nível de Estado, mas também se tomaram medidas discriminatórias a nível da cidadania. Muitos restaurantes foram proibidos aos Russos nos Estados Unidos ou espectáculos russos foram anulados na Europa.

Simbolicamente, aceitou-se a ideia segundo a qual a Rússia não é europeia, mas asiática (o que ela também é parcialmente). Redesenhou-se a dicotomia da Guerra Fria, que opunha o mundo livre (capitalista e crente) ao espectro totalitário (socialista e ateu), para uma oposição entre os valores ocidentais (individualistas) e os da Ásia (comunitários).

Por trás desta derrapagem, ressurgem as ideologias raciais. Há três anos, salientei que o 1619 Project do New York Times e a retórica woke (iluminada-ndT) do Presidente Joe Biden era na realidade, talvez à sua revelia, uma reformulação invertida do racismo [9]. Observo que hoje o Presidente Donald Trump partilha a mesma análise que eu e revogou sistematicamente todas as inovações woke do seu predecessor. Mas o mal está feito : no mês passado, os Ocidentais reagiram ao aparecimento do Deepseek chinês, negando que os Asiáticos tenham podido inventar, e não copiar, um tal software. Certas agências governamentais proibiram-no mesmo aos seus empregados naquilo que não é mais do que uma sugestão de denuncia do « perigo amarelo ».

Será preciso censurar Léon Tolstoi (1828-1910), o autor de « Guerra e Paz », como faz a Ucrânia, e onde se queimam os seus livros só porque era russo ?

4- Conclusão

As negociações actuais focam-se naquilo que é directamente visível pelas opiniões públicas : as fronteiras. Ora, o mais importante está noutro lado. Para viver juntos, precisamos de não ameaçar a segurança dos outros e temos de os reconhecer como nossos iguais. É muito mais difícil e não envolve apenas os nossos governos.

De um ponto de vista russo, a origem intelectual dos três problemas examinados acima reside na recusa anglo-saxónica do Direito Internacional [10]. Com efeito, durante a Segunda Guerra mundial, o Presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, e o Primeiro-Ministro britânico, Winston Churchill, durante a Cimeira do Atlântico, acordaram que, após a sua vitória comum, eles imporiam a sua lei ao resto do mundo. Só sob pressão da URSS e da França é que aceitaram os estatutos da ONU, mas não cessaram de os desprezar, forçando a Rússia a boicotar a organização quando recusaram à China popular o direito de aí ter assento. Mas, o exemplo que grita a duplicidade ocidental é dado pelo Estado de Israel, o qual pisa com os dois pés uma centena de Resoluções do Conselho de Segurança, da Assembleia Geral e de ditames do Tribunal Internacional de Justiça. Foi por isso que, em 17 de Dezembro de 2021, quando a guerra da Ucrânia se aproximava, Moscovo propôs a Washington [11] de a evitar subscrevendo um Tratado bilateral que estabelecesse garantias para a paz [12].

A ideia deste texto era, nem mais, nem menos, que os Estados Unidos renunciassem a um «mundo baseado em regras» e se colocassem ao lado do Direito Internacional. Esse Direito, imaginado pelos Russos e pelos Franceses justamente antes da Primeira Guerra Mundial, consiste unicamente em manter a sua palavra perante o escrutínio das opiniões públicas.

Tradução
Alva

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