Como os britânicos mataram 750.000 animais de estimação por ordem da propaganda
9 fev 2025- Por RT

No verão de 1939, pouco antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido enfrentou tarefas desafiadoras para garantir a sobrevivência da população, inclusive como garantir o fornecimento de alimentos. Assim, o racionamento de alimentos tornou-se uma prioridade, pois o conflito com a Alemanha nazista tornou-se inevitável.
Nesse contexto, e em um país tradicionalmente rico em animais de estimação, surgiram preocupações de que, devido à inevitável escassez em tempos de guerra, os donos de animais de estimação teriam que dividir as rações com seus animais ou deixá-los morrer de fome. O governo formou o National Air Raid Precautions Animals Committee (NARPAC) para decidir o que fazer com esses animais.
O órgão concluiu que ter um animal de estimação em casa em um contexto de guerra era um luxo insustentável. Uma extensa campanha de propaganda foi lançada para convencer os donos de animais de estimação de que a eutanásia seria a melhor opção, e um panfleto, publicado em jornais nacionais e anunciado na rádio BBC, foi distribuído com o título "Advice to Pet Owners" (Conselhos aos donos de animais de estimação).

O panfleto recomendava a transferência dos animais de estimação para áreas rurais o mais rápido possível, pois a situação alimentar poderia ser melhor administrada lá. Entretanto, aqueles que não pudessem fazer isso deveriam se desfazer deles da forma mais humana e compassiva possível, pois a fome seria muito pior. "Se possível, envie ou leve seus animais domésticos para o campo antes que ocorra uma emergência [...] Se não puder deixá-los aos cuidados de vizinhos, seria melhor abatê-los", dizia o documento, incluindo um anúncio de uma arma de abate que poderia ser usada em casa para esse fim.
Histeria em massa
O impacto do folheto foi enorme e a sugestão drástica surtiu efeito. Após a declaração de guerra em 3 de setembro de 1939, o pânico se espalhou entre os britânicos, fazendo com que muitos abandonassem seus gatos, cães e outros animais de estimação ou os abatessem. Enormes filas se formaram em clínicas veterinárias e abrigos de animais, e os suprimentos de clorofórmio se esgotaram. Devido à histeria em massa, estima-se que entre 400.000 e 750.000 animais de estimação foram mortos somente em Londres durante a primeira semana da declaração de guerra, informa o Independent.

A morte de animais de estimação que antes eram amados foi repentina e generalizada. A National Canine Defence League (Liga Nacional de Defesa Canina), bem como muitas outras instituições de caridade para animais, tomaram uma posição e tentaram ajudar. A Battersea Dogs and Cats Home, com apenas quatro funcionários, conseguiu alimentar e cuidar de 145.000 cães durante a guerra, enquanto a Duquesa de Hamilton, uma mulher rica e amante de gatos, criou um santuário para animais em um antigo campo de aviação, lembra a BBC.
A historiadora britânica Hilda Kean, que estudou esse episódio e tentou entender seu legado e por que ele foi tão esquecido, ressalta que alguns dos "assassinatos" foram cometidos por donos de animais de estimação que acreditaram no pior cenário possível, temendo a escassez de rações e compelidos por um senso equivocado de "dever nacional", reforçado pela propaganda do governo. Outros simplesmente entraram em pânico e se juntaram ao rebanho, e até mesmo alguns agiram com a sensação de que seus amigos peludos estariam "melhor" mortos do que expostos à possibilidade de uma chuva de bombas.
"Por favor, nos perdoe"
Mais tarde, o próprio governo tentou voltar atrás quando percebeu o que suas palavras descuidadas haviam iniciado, mas já era tarde demais e a semente havia sido plantada.
Após o primeiro bombardeio de Londres em setembro de 1940, seguiu-se outra onda de eutanásias. A essa altura, essa era simplesmente outra forma de sinalizar que a guerra havia começado. "Era uma das coisas que as pessoas tinham que fazer quando a notícia chegava: evacuar as crianças, colocar as cortinas opacas, matar o gato", diz Kean.

Quando a guerra terminou, muitos se arrependeram do massacre e perceberam que havia sido um "gesto de amor" desnecessário, e sem um bom motivo, como foi demonstrado mais tarde.
Alguns donos de animais de estimação expressaram mais tarde arrependimento por suas ações. A dor das pessoas por seus atos de matança foi tão grande que muitas lápides de animais foram gravadas com as palavras "por favor, nos perdoe", conta Clare Campbell em seu livro Bonzo's War: Animals Under Fire. Apesar do remorso, muitos culparam o governo por iniciar o frenesi.
Esse capítulo pouco conhecido da história britânica foi esquecido na memória coletiva, possivelmente por causa da vergonha e da tristeza que o ato de se desfazer de um ente querido ao primeiro sinal de adversidade evoca para muitos.
Kein acredita que o fato foi relegado ao esquecimento porque "não é uma história bonita" e "não se encaixa na ideia que nós [britânicos] temos de ser uma nação que ama os animais". "As pessoas não gostam de lembrar que, ao primeiro sinal de guerra, saímos e matamos o gatinho", afirma.
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