Thierry Meyssan: Deve, ou não, condenar-se a glorificação do nazismo ?

 

Deutsch ελληνικά Español français italiano Nederlands русский
Monumento à glória de Stepan Bandera em Ternopil (Ucrânia). Segundo a «Tribune Juive» (Tribuna Judaica-ndT), haveria uma centena de monumentos à glória dos colaboracionistas nazis na Ucrânia. A Rússia exige a sua destruição imediata, enquanto a OTAN finge que eles não têm importância.

Aquando da Libertação (quer dizer, no fim da Segunda Guerra mundial), os Ocidentais estavam conscientes dos sofrimentos ocasionados pelas ideologias segundo as quais a Humanidade estava dividida em raças distintas hierarquizadas entre si. Todos compreendiam que a afirmação segundo a qual estas « raças » não podiam misturar-se e ter descendência fecunda era desmentida pelos factos e só pode impor-se graças a uma intensa propaganda.
Desde a criação das Nações Unidas e durante toda a Guerra Fria, a União Soviética e a França asseguraram em fazer adoptar pela Assembleia Geral, todos os anos, uma Resolução proibindo a propaganda nazi e a glorificação desta ideologia. Este ritual foi esquecido com a dissolução da URSS. De modo surpreendente, a partir de 2020, não foi possível reformar o consenso em torno desta questão. Assim, em 17 de Dezembro de 2024, opuseram-se à última Resolução nesse sentido 53 Estados, e 10 abstiveram-se.

Com efeito, se durante a Guerra Mundial, os Aliados, tanto americanos (Canadianos, Norte-Americanos), como europeus (Britânicos, Franceses, Gregos, Polacos, Jugoslavos, Escandinavos, Soviéticos etc.) estavam unidos contra um adversário comum, este conjunto foi quebrado mesmo antes do fim do conflito por uma vontade anglo-saxónica (isto é, em simultâneo de alguns Norte-Americanos e de alguns Britânicos) de prosseguir o conflito contra a União Soviética. Foi assim que Alan Dulles, então responsável dos Serviços Secretos norte-americanos na Suíça, e o seu adjunto, Lyman Lemnitzer, negociaram com o General SS Karl Wolff, em 1945, a rendição das forças nazis em Itália para que elas combatessem os Soviéticos ao lado dos Estados Unidos (Operação Sunrise). Esta paz separada não foi posta em prática porque Joseph Stalin se opôs imediatamente a isso e Franklin D. Roosevelt não ratificou o acordo já concluído.

No entanto, Roosevelt, gravemente doente, morreu pouco depois, enquanto Dulles se tornou o Chefe dos Serviços Secretos norte-americanos do pós-guerra, a CIA, e o General Lemnitzer se tornou, mais tarde, o Chefe do Estado-Maior Conjunto do Exército norte-americano. Seguiu-se que a CIA e, em menor escala o Departamento de Defesa, se tornaram abrigos para os antigos nazis. Durante toda a Guerra Fria, eles foram colocados pelos Anglo-Saxões em postos de responsabilidade em numerosos países do «mundo livre» (sic), do Chile ao Irão. Chegaram ao ponto de criar uma internacional do crime, a Liga Anti-comunista Mundial, a fim de coordenar os seus esforços contra todos os movimentos de esquerda do Terceiro Mundo. [1].

Foi preciso esperar por 1977, após as revelações da Comissão parlamentar do Senador Frank Church sobre os crimes da CIA, para que o Presidente Jimmy Carter e o Almirante Stansfield Turner pudessem trazer a CIA à ordem e derrubar as ditaduras no Chile, no Irão e em todo a parte.

Contudo, para lutar contra o rival soviético, o Presidente Ronald Reagan e a Primeiro-Ministro Magareth Tatcher, apoiaram numa nova ideologia, o islamismo, e não hesitaram em desenvolvê-la, primeiro no Afeganistão, depois em todo o Médio-Oriente. Para eles, era o único meio de mobilizar a Confraria dos Irmãos Muçulmanos e os povos árabes.
Finalmente, com a dissolução da União Soviética, em 1991, movimentos racistas anteriormente aliados dos nazis ressurgiram. O Presidente Bill Clinton e o Primeiro Ministro Tony Blair não hesitaram em apoiar-se neles. Foi assim que os « nacionalistas integralistas » [2], adeptos de Dmytro Dontsov e de Stepan Bandera, chegaram ao Poder na Ucrânia.

Tudo começou na Letónia em Janeiro de 2005, enquanto o país se tornava membro da União Europeia, o governo, com o apoio financeiro da embaixada dos Estados Unidos, publicava um livro, História da Letónia : Século XX. Aí, ele garantia, entre outras coisas, que o campo de Salaspils, onde os nazis realizaram experiências médicas em crianças e onde 90. 000 pessoas foram assassinadas, não passava de um um « campo de trabalho de reeducação » e que os Waffen SS haviam sido heróis da luta contra os ocupantes soviéticos. Alguns meses mais tarde, organizou um desfile de Waffen SS no coração de Riga, tal como havia feito durante os quatro anos precedentes, quando ainda não era ainda membro da UE [3].
Em condições normais, toda a União Europeia deveria ter protestado. Mas nada disso se passou. Apenas Israel e a Rússia exprimiram a sua indignação.

Em 2016, a Polaca (Polonesa-br) Anna Fotyga, que era então deputada europeia e se tornará a seguir directora da Administração presidencial polaca, depois um dos pilares da OTAN, apresentou em Estrasburgo uma Resolução tratando das comunicações estratégicas [4]. Tratava-se de fazer entrar a UE na guerra de Informação contra a Rússia e, na aparência pelo menos, contra os islamistas, instituindo um dispositivo montado em torno do Centro de comunicação estratégica da OTAN [5].

Foi nesse contexto que, em 19 de Setembro de 2019, o Parlamento Europeu adoptou uma Resolução « sobre a importância da memória europeia para o futuro da Europa » [6]. Este texto afirma que ao assinar o Pacto Molotov-Ribbentrop, a URSS partilhou os objectivos funestos do Reich nazi e desencadeou a Segunda Guerra mundial. É, evidentemente, completamente errado [7].
Hoje em dia, os neo-nazis, os «nacionalistas integralistas» [8] podem exercer o Poder na Ucrânia sem levantar a menor objecção dos Ocidentais. Não se quer notar que a sua Constituição é a única no mundo a especificar, no seu Artigo 16, que « preservar o património genético do povo ucraniano releva da responsabilidade do Estado » [9]. Não se salienta que Volodymyr Zelensky terminou o seu mandato há oito meses e que ele se mantêm ilegitimamente no Poder sem eleições. Interpreta-se a interdição dos partidos políticos da Oposição e da Igreja ortodoxa [10] como disposições que reprimem a infiltração russa. Ignora-se a “limpeza” das bibliotecas (de livros russos-ndT) [11]. Apenas a custo se começa a tomar consciência do êxodo da população ucraniana e das deserções maciças no seu exército.

Tudo isso não deve espantar-nos no momento em que as mesmas autoridades ocidentais nos explicam com um sorriso que os jiadistas da Alcaida e do Daesh (E. I.), que acabam de ser colocados no Poder em Damasco pelos Anglo-Saxões, não são mais do que « islamistas iluminados » [12].

Tradução
Alva

***

 

[1«La Liga Anticomunista Mundial, internacional del crimen», por Thierry Meyssan, Red Voltaire , 20 de enero de 2005.

[2Quem são os nacionalistas integralistas ucranianos ?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Novembro de 2022.

[3A Presidente da Letónia reabilita o nazismo”, Thierry Meyssan, Tradução Maria Luísa de Vasconcellos, Rede Voltaire, 16 de Março de 2005.

[5A campanha da Otan contra a liberdade de expressão”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 5 de Dezembro de 2016.

[6«El Parlamento Europeo atribuye la Segunda Guerra Mundial a la Unión Soviética‎», Red Voltaire , 19 de septiembre de 2019.

[7«El día que Occidente prefiere olvidar», por Michael Jabara Carley, Traducción Sophia Vackimes, Strategic Culture Foundation (Rusia) , Red Voltaire , 1ro de octubre de 2015.

[8Ibid.

[9Este artigo é muitas vezes interpretado, de forma errada, como tratando das consequências da catástrofe de Chernobyl. No entanto, ele não se refere ao património genético da Humanidade, mas apenas ao que se refere ao « povo ucraniano ». Esquecem-se que Adolf Hitler era vegetariano e ecologista.

[10Washington pronto a fazer explodir a Igreja Ortodoxa”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 26 de Setembro de 2018. «Kiev prohíbe la iglesia ortodoxa», Red Voltaire , 6 de diciembre de 2022.

[11Removidos já 19 milhões de livros de bibliotecas ucranianas”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 11 de Fevereiro de 2023.

[12Como Washington e Ancara mudaram o regime em Damasco”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 19 de Dezembro de 2024.

***

 

Thierry Meyssan

Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II.
Manipulación y desinformación en los medios de comunicación
(Monte Ávila Editores, 2008).

Comentários