Thierry Meyssan: Como falhou a instalação de ditaduras no Extremo-Oriente pró-EUA
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As Forças Especiais impedem o acesso ao Parlamento sul-coreano, incluindo aos parlamentares, em 3 de Dezembro de 2024. |
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Rede Voltaire | Paris (França)
Em 21 de Agosto de 2024, um deputado sul-coreano, Kim Min-seok, presidente do Partido Democrata (centro-esquerda) anunciava que membros do governo preparavam a instauração da lei marcial. Dado que este homem tinha um percurso político sinuoso e fora condenado por corrupção, o público interpretou as suas pretensas revelações como um meio de fazer barulho. Ele foi, pois, qualificado de «conspirador», enquanto os seus amigos lamentavam que tivesse caído tão baixo.
A acusação era, com efeito, um pouco grosseira. A democracia só surgiu na Coreia do Sul em 1980, após o massacre de Gwangju, no decurso do qual, durante nove dias, milhares de pessoas foram assassinadas pela ditadura. Além disso, evocar a «Lei marcial» despertava lembranças terríveis.
Ora, no dia 3 de Dezembro, cerca das 22 horas, todos os media (mídia-br) audiovisuais foram informados que o Presidente da República, Yoon Suk Yeol, excepcionalmente, ia falar à nação. Às 22h25, todos os canais de rádio e televisão transmitiram a sua alocução em directo. Ele afirmava que a Oposição trabalhava com os comunistas norte-coreanos. Ao quarto minuto, declarou : «Caros cidadãos, proclamo a Lei marcial para proteger a República da Coreia das ameaças comunistas da Coreia do Norte e das facções anti-estatais pró-Norte que minam a nossa liberdade e a nossa ordem constitucional».
Segundo Kim Min-seok, o complô fora urdido por quatro militares, antigos alunos da Escola de Altos Estudos de Chungam : o Presidente da República, Yoon Suk Yeol ; o Chefe de sua guarda pessoal, promovido em Agosto a Ministro da Defesa, o General Kim Yong-hyun ; Lee Sang-min, Ministro do Interior ; e Yeo-hyung, o Director de contra-espionagem. Por fim, alunos da 11ª turma da Academia Militar coreana teriam formado um segundo círculo deste complô.
A Lei marcial foi posta em prática pelo General Kim Yong-hyun (Ministro da Defesa), Comandante do 38º Exército ; pelo General Park Ann-soo (Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas), Comandante do 46º Exército ; pelo General Kwak Jong-geun (Chefe das Forças Especiais) Comandante do 47º Exército ; e finalmente pelo General Lee Jin-woo (Governador militar da capital) Comandante do 48º Exército. Os elementos das forças marciais mobilizados foram a 707ª Brigada das Forças Especiais, a 1ª Brigada de Forças Especiais Aerotransportadas e a Polícia Militar sob a direcção das Forças Especiais.
Os Sul-Coreanos compreenderam imediatamente que se tratava do
regresso da ditadura. Eles tomaram de assalto os comércios abertos à
noite e as lojas emlinha a fim de acumular provisões alimentares.
Às 23horas, o Presidente da Assembleia Nacional, Woo Won-shik, convocou
de urgência os deputados, declarando nas redes sociais : «Todos os
membros da Assembleia Nacional devem reunir-se imediatamente na sala do
plenário». A Constituição dá com efeito à Assembleia o poder de revogar a
Lei marcial. Mas as Forças Especiais já haviam invadido o edifício e
fechado as portas, enquanto uma interdição geral das actividades
políticas, incluindo manifestações e actividades dos partidos políticos,
tinha sido decretada. Simultaneamente, uma outra unidade das Forças
Especiais invadira os gabinetes da Comissão Eleitoral, apreendera os
telemóveis (celulares-br) do pessoal e fechara as saídas.
Enquanto uma multidão se juntava diante do Parlamento, os deputados escalavam os portões para revogar a Lei marcial. Por volta da 1h da manhã, votavam por unanimidade a revogação da Lei marcial 190 dos 300 deputados. As Forças Especiais deixavam o edifício. No entanto, foi preciso esperar pelas 4h20 para que o governo se reunisse pela noite dentro e suspendesse a lei. A ditadura não durara mais do que seis horas.
Para compreender o que se passou em Seul, é preciso lembrar que o Presidente da República, Yoon Suk Yeol, não é apenas um antigo Procurador que lutou contra a corrupção, mas também um nostálgico do militarismo imperial nipónico. No fim de Novembro, ele não apoiou o seu embaixador em Tóquio quando esse celebrou, sozinho, a memória dos escravos coreanos explorados durante a Segunda Guerra Mundial pela Mitsubishi nas minas de ouro e de prata da ilha de Sado [1].
Deve-se, pois, traçar um paralelo com os acontecimentos ocorridos em Maio passado em Taiwan. Durante a tomada de posse do novo Presidente da República, Lai Ching-te, o Yuan Legislativo (Parlamento) tentou modificar a Constituição a fim aí evitar aquilo que acaba de suceder na Coreia do Sul. Mas os oito deputados do Partido presidencial opuseram-se agredindo fisicamente os seus colegas, ferindo cinco deles.
É que Lai Ching-te não foi eleito pelos seus compromissos em matéria de política externa, mas pelas suas concepções económicas [2]. Também é um nostálgico da Segunda Guerra Mundial : enquanto o Kuomintang, o Partido de Chiang Kai-shek, faz oficialmente campanha pela reunificação da China, ele deseja, pelo contrário, retomar a guerra civil. Ele representa a ínfima fracção de Taiwaneses que continuam a recusar aceitar a vitória de Mao Zedong (1893-1976). Na sua tomada de posse, declarou : « Espero que a China enfrente a realidade da existência [de Taiwan] [e] respeite as escolhas do povo de Taiwan. Face às numerosas ameaças e tentativas de infiltração provindas da China, nós devemos demonstrar a nossa determinação em defender a nossa nação »; uma posição que viola o Acordo sobre a unidade da China.
Os Serviços Secretos taiwaneses continuam a acolher a secretíssima «Liga Anti-comunista Mundial», renomeada em 1990 como «Liga Mundial para a Liberdade e a Democracia», criada durante a Guerra Fria pelo Generalíssimo Chiang Kai-shek e pelo Chefe dos “nacionalistas integralistas” ucranianos Yaroslav Stetsko (antigo Primeiro-Ministro nazi). Hoje, ela é presidida por um antigo secretário-geral do Kuomintang, Tseng Yung-chuan, e continua a ser financiada pelo Gabinete da Segurança Nacional. A Liga Asiática é presidida pelo diplomata Zeng Yongquan, antigo Secretário-Geral do governo de Taiwan.
Ninguém sabe como este sistema funciona hoje em dia. No entanto, uma ponta do véu foi levantada durante o assassinato do Primeiro-Ministro japonês, Shinzo Abe, em Julho de 2022. Apesar da tentativa de abafar o escândalo, a imprensa japonesa revelava que ele tinha sido morto por um homem arruinado que o acusava de ter encaixado somas astronómicas da Igreja da Unificação (dita «seita Moon»). Seis meses mais tarde, descobria-se que um grupo de parlamentares do Partido Liberal Democrata havia encaixado mais de um bilião e meio de dólares em subornos [3].
A maioria dos deputados liberais democratas são oriundos de dinastias hereditárias. Eles funcionam por facção e não em torno de programas. Este Partido foi criado pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial para reciclar criminosos de guerra que não haviam sido julgados pelo Tribunal de Tóquio. Durante 67 anos ele governou o Japão(à excepção de dois curtos períodos que não excederam no total 4 anos).
Desde 1 de Outubro, Shigeru Ishiba tornou-se o Primeiro-Ministro japonês. É um militarista fanático [4]. Ele reviu as obras históricas que tratam do Santuário Yasukuni, onde repousam os principais criminosos de guerra japoneses. Ele tratou de conciliar a “honra” destes militaristas com a história da China e da Coreia. Parece, no entanto, que ele jamais visitou este controverso santuário. É um gunji otaku, quer dizer, colecionador de lembranças militares e ele próprio um militarista, embora tendo o cuidado de não ofender os seus interlocutores estrangeiros. Segundo ele, a última guerra foi travada pela « causa justa » de libertar a Ásia do domínio branco, e a maior parte dos crimes de guerra relatados na China, na Coreia do Sul e no Sudeste Asiático são «complôs visando denegrir o Japão ». Além disso, declarou que o Governo e o Exército da época deveriam ser tidos como os estritos responsáveis pelo desencadear de uma guerra impossível de ganhar.

Estamos portanto face a um regresso da facção extremo-oriental do Eixo Roma-Berlim-Tóquio.
Não fizemos nada quando os “nacionalistas integralistas” regressaram ao Poder na Ucrânia. Assim, temos lá hoje uma guerra.
Nada fizemos quando os “sionistas revisionistas” regressaram ao Poder em
Israel. Temos hoje uma guerra em Gaza, na Cisjordânia, no Líbano, na
Síria, no Iraque e no Iémene.
Será que reagiremos ao regresso dos militaristas japoneses ao Poder em Taiwan, na Coreia do Sul e no Japão?
Tradução
Alva
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[1] Breve 2522 – «El gobierno militarista del primer ministro japonés Ishiba reactiva la polémica con Corea», Voltaire, Actualidad Internacional – boletín Nº 110 – 29 de noviembre de 2024.
[2] Breve 1308 – «Investidura en Taiwán del presidente separatista Lai Ching-te», Voltaire, Actualidad Internacional – boletín Nº 88 – 24 de mayo de 2024.
[3] «Gigantesque scandale de corruption systémique du Parti libéral-démocrate japonais», Voltaire, Actualidad Internacional – Nº 66 – 15 de diciembre de 2023.
[4] Breve 2057 «Le militariste et révisionniste Shigeru Ishiba désigné Premier ministre japonais», Voltaire, Actualidad Internacional – Nº 102 – 4 de octubre de 2024.
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