As nuances políticas por trás da indicação de Dilma à presidência do Banco do BRICS
Recentemente,
o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) – popularmente conhecido como
Banco do BRICS – iniciou um processo de transição de sua liderança.
Seu atual presidente desde julho de 2020, o brasileiro Marcos Troyjo, deixará o cargo até 24 de março, dando espaço à indicação de um novo nome pelo Brasil, que deverá assumir a posição até o ano de 2025.
Durante
o mandato de Troyjo, o NBD atingiu alguns marcos políticos importantes.
Nesse quesito, pode-se citar por exemplo a primeira expansão oficial de
seu quadro de membros, que passou a incluir Bangladesh, Uruguai, Egito e Emirados Árabes Unidos, ampliando o alcance global da instituição na América Latina, Oriente Médio, África e Ásia. Também em 2021 ocorreu a abertura do escritório regional do NBD na Índia.
Contudo, a era Marcos Troyjo chega ao fim e já vêm ocorrendo movimentações para a sua substituição na instituição, que poderá ser chefiada pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff.
No começo do mês, Dilma – nome endossado pelo governo Lula – chegou a
se reunir virtualmente com os ministros das Finanças dos países do BRICS
no intuito justamente de movimentar sua candidatura à presidência da
instituição.
Muito embora Dilma precise aguardar pela aprovação do Conselho de
Governadores (composto pelos ministros das Finanças do BRICS) para
assumir o cargo, seu nome já tem sido praticamente dado como certo para a presidência do NBD em função de alguns fatores.
Primeiro, porque a representação brasileira no Conselho de Governadores do Banco do BRICS é do atual ministro da Fazenda Fernando Haddad, também indicado pelo atual governo Lula.
Segundo, porque Dilma deverá fazer parte da comitiva que acompanhará Lula em sua visita à China (principal potência do BRICS) programada para este mês,
angariando o apoio dos chineses ao nome da ex-presidente que, em
assumindo a função, deverá se mudar para Xangai, onde fica a sede do
Banco.
Lula também deverá contar com os apoios de Rússia, África do Sul e Índia
para a indicação de Dilma ao NBD, sobretudo por seu histórico de
cooperação política com estes países no âmbito de seus dois primeiros
mandatos.
Dado esse contexto, o que podemos esperar de
uma eventual presidência de Dilma Rousseff no Novo Banco de
Desenvolvimento? A princípio, a resposta a essa pergunta pode ser divida
em termos práticos e em termos político-simbólicos.
Do ponto de vista prático, não compete esperar grandes mudanças no funcionamento do Banco
sob a presidência de Dilma. Primeiro, porque ela deverá assumir o cargo
praticamente na metade do mandato brasileiro, com término previsto para
2025 e sem possibilidade de renovação.
Aqui vale lembrar que a presidência do NBD é alternada a cada cinco anos entre os representantes dos países do BRICS. O primeiro presidente do NBD foi Vaman Kamath da Índia, que esteve à frente da instituição entre os anos de 2015 e 2020.
Segundo,
porque dentro da estrutura organizacional do NBD o presidente possui
uma atuação relativamente limitada à condução de atividades mais
rotineiras da instituição, além da organização de seus negócios por meio
de atuação conjunta com o Conselho de Diretores.
Ademais,
a maior parte dos poderes do Banco reside no Conselho de Governadores,
órgão responsável por elaborar as principais estratégias de alocação de
recursos e de investimento da instituição. Hoje, cabe ressaltar, o NBD conta com quase 100 projetos nos cinco países-membros dos BRICS
– em setores como energia limpa, infraestrutura de transporte,
irrigação, gestão de recursos hídricos e saneamento, desenvolvimento
urbano, infraestrutura social, eficiência ambiental, entre outros.
Outro fator que pode limitar mudanças práticas na administração do Banco sob a presidência de Dilma diz respeito à já aprovada Estratégia Geral do NBD para os anos de 2022-2026,
documento que determina as principais diretrizes de atuação do Banco
para os próximos anos e que não deverá sofrer modificações até o final
do período.
Contudo, se em termos práticos a escolha de Dilma para a presidência
do NBD – em tese – não deve trazer grandes alterações, é no campo
político e dos "símbolos" que a presença da ex-presidente brasileira à
frente da instituição pode desempenhar papel de importância.
Compete ressaltar que foi justamente na Cúpula do BRICS de 2014 em Fortaleza,
sob a presidência de Dilma Rousseff, que a criação do NBD foi
anunciada, o que por si só a investe de um capital simbólico
significativo para a história da instituição.
Em verdade, a iniciativa de criação do Banco representou um movimento político único no aprimoramento da cooperação entre os países do BRICS,
fornecendo uma estrutura alternativa – liderada por economias de
mercado emergentes – dentro da governança financeira mundial.
Não
sem razão, a primeira estratégia geral do NBD já mencionava que o Banco
era uma expressão do crescente papel do BRICS e dos países em desenvolvimento na economia global,
representando sua maior disposição em agir de forma independente dos
tradicionais grandes centros de poder do sistema (leia-se aqui o G7).
Por sua vez, apesar de não pretender substituir propriamente os organismos de Bretton Woods, uma vez que cumpre funções distintas das do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, o NBD é um símbolo da insatisfação do BRICS com
a lentidão nas reformas destas instituições e com o fato de que a
tomada de decisão econômica internacional continua nas mãos de um grupo
seleto de potências ocidentais.
Em discurso na ONU no ano de 2014, por exemplo, a então presidente Dilma Rousseff já chamava a atenção para
o imperativo de eliminar “a disparidade entre a crescente importância
dos países em desenvolvimento na economia global e sua insuficiente
representação e participação nos processos decisórios das instituições
financeiras internacionais”.
Tal
posicionamento era reflexo de uma era da política externa brasileira em
que o país, juntamente dos demais países do BRICS, empreendeu esforços
no sentido de melhorar sua posição no FMI e no Banco Mundial, indicando a intenção do Brasil em desempenhar papel mais ativo no mundo.
Sim, por mais que sob um olhar imediato a mudança de Marcos Troyjo por Dilma manifeste o simples desejo do governo Lula de se desfazer dos quadros políticos anteriores da administração Jair Bolsonaro e
por mais que ela não venha a trazer grandes consequências para o
funcionamento do NBD, há que se admitir que ela possui um significado
político e simbólico não negligenciável.
Significado esse que tem relação com a personagem de uma época em que o Brasil e o BRICS moviam-se em uníssono no sentido de ganhar cada vez mais voz dentro do sistema.
Se olharmos para o passado recente, portanto, seria possível dizer que a principal nuance política por trás da indicação de Dilma
à presidência do NBD representa justamente isso: o símbolo da posição
anti-hegemônica do Brasil nas relações internacionais e, por que não
dizer, do próprio BRICS.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação
Por Valdir da Siva Bezerra
No Sputnik Brasil
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