Fernando Brito: Uma foto que não era para capa


 Por Fernando Brito - no Tijolaço  - 

 

A foto de capa da Folha de S. Paulo, que mostra um Lula alvejado à altura do coração pode ter lá seus “méritos” como domínio da técnica fotográfica, a da dupla exposição, embora o recurso esteja hoje disponível no menu de muitas das câmeras digitais modernas.

Como não corresponde a uma angulação, efeito de luz, traço de movimento de uma cena real, mas da sobreposição de duas imagens distintas, registradas em posição e momentos diferentes é, ainda que feita no mesmo “negativo”, a uma fotomontagem.

Diferente de uma ilustração ou charge, o realismo da montagem é seu diferencial, porque ele passa a ter a carga de retrato e não de metáfora.

É, evidente, uma manipulação e, talvez por isso, tenha sido recebida pela Folha com o privilégio de ir para a capa, por traduzir visualmente aquilo que é, afinal, o que passa pela cabeça do jornal: colocar Lula como alvo, o que vem, há tempos, sendo o principal traço de sua linha editorial.

Não se deve crucificar uma fotógrafa Gabriela Biló – aliás, talentosa – por fazer o que, afinal, fazem também alguns redatores, editores e articulistas: o bizarro sempre atrai mais atenção que a reflexão.

Ela, aliás, pode ter sido levada por uma inspiração de momento, como alega em sua desnecessária defesa.

Mas não o jornal, que o fez com intenção editorial, como a revista Época, anos atrás, usou uma foto da Time em que Dilma Rousseff aparecia de olhos fechados para insinuar a sua morte, numa capa sobre a saúde da então Presidenta.

No momento em que o país está sob o impacto de uma tentativa de golpe de estado que tem justamente nas vidraças partidas a sua imagem mais forte, é, definitivamente, como no verso de Chico Buarque, “uma foto que não era para capa”.

Agora, ao lado da manchete, sugere mais que uma reação militar ao presidente eleito. À gente que usa o celular para pedir apoio de extraterrestres para derrubar o governo eleito, o tiro certeiro é quase um convite a seus delírios violentos.

O editor da Folha, é claro, o percebeu e não recusou a sugestão. Ao contrário, festejou-a com a manchete.

Comporta-se como um daqueles alucinados que se exibem na internet com o retrato de Lula servindo como alvos de suas armas, mesmo tendo visto até onde isso nos levou.

Não se sabe o que isso tem a ver com a definição que o jornal diz sustentar ao lado de seu nome: “um jornal a serviço do Brasil”. A serviço do golpismo seria mais adequado.

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