Thierry Meyssan: A UE posta de joelhos pelos Straussianos
Para o Professor Leo Strauss, valia mais “agir” como Hitler do que cair nas suas mãos. |
REDE VOLTAIRE | PARIS (FRANÇA) | 14 DE SETEMBRO DE 2022
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A partir de 1949, o filósofo judeu alemão Leo Strauss ensinou na Universidade de Chicago. Cedo, formou um pequeno grupo de discípulos judeus, escolhidos entre os seus alunos. Transmitiu-lhes um ensino oral, muito diferente do dos seus escritos. Segundo ele, as democracias haviam mostrado a sua incapacidade para proteger os judeus da solução final nazi. Para evitar que esse drama se repetisse e que o “martelo” não se abatesse de novo sobre eles, os seus discípulos deviam pois colocar-se do outro lado, do lado dos comandos. Ele aconselhou-os a edificar a sua própria ditadura.
Organizando os seus discípulos, Leo Strauss denominava-os os seus « hoplitas » (os soldados de Esparta). Ele instruiu-os a ir dar cabo das aulas de alguns dos seus colegas professores.
Vários membros desta seita acabaram ocupando importantíssimas funções nos Estados Unidos e em Israel. O funcionamento e a ideologia deste grupúsculo foram alvo de controvérsias após os atentados do 11 de Setembro de 2001. Há uma abundante literatura do confronto entre os partidários e os adversários do filósofo. No entanto, os factos são indiscutíveis [1].
Autores “anti-semitas” misturaram, erradamente, os Straussianos, as comunidades judias da diáspora e o Estado de Israel. Ora, a ideologia de Leo Strauss jamais foi debatida no mundo judaico antes do 11-de-Setembro. De um ponto de vista sociológico, trata-se de um fenómeno sectário, de forma alguma representativo da cultura judaica. Todavia, em 2003, os « sionistas revisionistas » de Benjamin Netanyahu concluíram um pacto com os Straussianos dos EUA, na presença de outros dirigentes israelitas (israelenses-br) [2]. Esta aliança nunca foi tornada pública.
Uma das características deste grupúsculo é a de estar pronto a tudo. Por exemplo, queriam fazer o Iraque voltar à idade da pedra. Foi efectivamente o que fizeram. Para eles todos os sacrifícios são possíveis, incluindo para si próprios, desde que acabem na frente ; não os melhores, mas sempre os primeiros [3] !
Em 1992, um conselheiro do Secretário da Defesa, o Straussiano Paul Wolfowitz, redigiu o Defense Planning Guidance (Guia de Planeamento de Defesa-ndT). Foi o primeiro documento oficial dos EUA que reflectia o pensamento de Leo Strauss [4]. Wolfowitz fora iniciado nas ideias de Strauss pelo filósofo norte-americano Allan Bloom (amigo do Francês Raymond Aron), o qual, aliás, apenas de forma breve conheceu o mestre no final do seu ensino em Chicago. No entanto, a embaixatriz dos EUA na ONU, Jeane Kirkpatrick, enalteceu-o como « uma das grandes figuras Straussiannas » [5].
No contexto da dissolução da União Soviética, Wolfowitz desenvolve uma estratégia para manter a hegemonia dos Estados Unidos sobre todo o resto do mundo.
O Defense Planning Guidance deveria ter ficado confidencial, mas o New York Times revelou as suas principais linhas e publicou extractos dele - [ ] [6]. Três dias mais tarde, o Washington Post revelou outros detalhes [7]. Em resumo, o texto original jamais foi tornado público, mas uma versão retocada pelo Secretário da Defesa (e futuro vice-presidente), Dick Cheney, circulou.
Sabe-se que o documento original se baseia numa série de reuniões nas quais outras pessoas, três delas Straussianas, participaram : Andrew Marshall, o « pensador » do Pentágono (substituído três anos após a sua morte por Arthur Cebrowski), Albert Wohlstetter, o pensador da estratégia de dissuasão atómica, e o seu genro Richard Perle, futuro director do Defense Policy Board. O Defense Planning Guidance foi redigido por um aluno de Wohlstetter, Zalmay Khalilzad (futuro embaixador na ONU).
O documento evoca uma nova « ordem mundial [...] apoiada em última instância pelos Estados Unidos », na qual a única super-potência teria apenas alianças conjunturais, dependendo dos conflitos. A ONU e mesmo a OTAN seriam cada vez mais marginalizadas. De forma mais ampla, a Doutrina Wolfowitz teoriza a necessidade de os Estados Unidos bloquearem a emergência de quaisquer potenciais concorrentes à hegemonia norte-americana, nomeadamente as « nações industriais avançadas », tais como a Alemanha e o Japão. Particularmente visada, a União Europeia :
« Muito embora os Estados Unidos apoiem o projecto de integração europeia, devemos velar para prevenir a emergência de um sistema de segurança puramente europeu que minaria a OTAN e, particularmente, a sua estrutura de comando militar integrado ».
Assim, os Europeus serão convidados a incluir no Tratado de Maastricht uma cláusula subordinando a sua política de defesa à da OTAN, enquanto o relatório do Pentágono preconiza a integração dos novos Estados da Europa Central e Oriental na União Europeia, fazendo-os beneficiar ainda de um acordo militar com os Estados Unidos para os proteger contra um possível ataque russo [8].
Ora, desde há trinta anos, este documento é pacientemente posto em prática.
O Tratado de Maastricht inclui efectivamente no título V, artigo J4, um paragrafo 4 que estipula :
« A política da União no sentido do presente artigo não afecta o carácter especifico da política de segurança e de defesa de certos Estados membros, ela respeita as obrigações decorrentes para certos Estados membros do Tratado do Atlântico Norte e é compatível com a política comum de segurança e de defesa definida neste quadro ».
Estas disposições foram retomadas nos vários textos até ao artigo 42.º do Tratado da União Europeia.
Os Estados, anteriormente membros do Pacto de Varsóvia, aderiram quase todos à União Europeia. Esta decisão foi uma escolha imposta por Washington e anunciada pelo Secretário de Estado James Baker precisamente antes da reunião do Conselho Europeu que a apoiou.
Em 2000, Paul Wolfowitz foi, com Zbignew Brzezinki, o orador principal de um grande colóquio ucrânio-americano em Washington, organizado pelos « nacionalistas integralistas » ucranianos refugiados nos EUA. Aí, ele assumiu o compromisso de apoiar a Ucrânia independente, de provocar uma entrada em guerra da Rússia contra ela, e, no fim, de financiar a destruição do rival dos Estados Unidos que renascia [9].
Estes compromissos foram postos em prática com a adopção, em 28 de Abril de 2022, da Ukraine Democracy Defense Lend-Lease Act of 2022 (Lei de Empréstimo- Arrendamento para Defesa da Democracia da Ucrânia de 2022- ndT) [10]. A Ucrânia está agora dispensada de todos os procedimentos de controle de armamentos, nomeadamente dos certificados de destino final. Armas muito caras são cedidas sob empréstimo-arrendamento pelos EUA à UE para defender a Ucrânia. Quando a guerra acabar, os Europeus terão que pagar o que consumiram. E a conta será astronómica.
Muito embora as elites europeias tenham até agora beneficiado com a aliança com os Estados Unidos, não devem espantar-se, tendo em vista o Defense Planning Guidance, que estes últimos os tentem destruir hoje. Eles já viram do que Washington foi capaz após os atentados do 11-de-Setembro: Paul Wolfowitz interditou aos países que tinham exprimido reservas sobre essa guerra, como a Alemanha e a França, selar contratos para a reconstrução do Iraque [11].
De momento, o aumento dos preços das fontes de energia ao qual se soma agora a sua escassez ameaçam não só o aquecimento e o transporte dos particulares, mas sobretudo a sobrevivência de todas as suas indústrias. Se este fenómeno se prolongar, é a economia da União Europeia no seu conjunto que afundará brutalmente levando a sua população para trás pelo menos um século.
Este fenómeno é difícil de analisar porque os preços e a disponibilidade das fontes de energia variam em função de inúmeros factores.
Em primeiro lugar, os preços dependem da oferta e da procura. Portanto, eles voltaram a subir com a recuperação económica global do fim da epidemia de Covid-19.
Em segundo lugar, as fontes de energia são os principais alvos dos especuladores. Mais ainda do que as moedas. Só pelo efeito da especulação o preço mundial do petróleo pode ser multiplicado por 2,5.
Até aqui, tudo é habitual e conhecido. Mas as sanções ocidentais contra a Rússia, no seguimento da aplicação do Acordo de Minsk II de que ela se havia dado como garante perante o Conselho de Segurança, quebraram o mercado mundial. Agora, já não há preço global, mas preços diferentes de acordo com os países vendedores e clientes. Continuam a existir preços cotados na bolsa em Wall Street e na City, mas eles não têm nenhuma relação com os praticados em Pequim e em Nova Deli.
O que importa é que o petróleo e o gás, que eram abundantes na União Europeia, começam a faltar, enquanto no plano global continuam superabundantes.
Todas as nossas referências são alteradas. As nossas ferramentas estatísticas, concebidas para o mercado global, já não estão adaptadas em absoluto ao período actual. Apenas podemos, portanto, fazer suposições, sem qualquer meio de as verificar. Esta situação permite a muitos contar seja o que for com um ar doutoral ; a realidade é que todos nós evoluímos por palpites.
Um dos factores actuais é o refluxo de dólares que serviam para as trocas comerciais, e a especulação, e que já não são utilizados para essas transações em certos países. Esta divisa, praticamente virtual, deixa a Rússia e seus Aliados para ir ou voltar aos países onde ainda tem valor. Trata-se de um fenómeno gigantesco que a Reserva Federal e as Forças Armadas dos EUA sempre quiseram evitar, mas que os Straussianos da Administração Biden (o Secretário de Estado, Antony Blinken, e a sua adjunta, Victoria Nuland) deliberadamente provocaram.
Erradamente persuadidos que a Rússia invadiu a Ucrânia e está a tentar anexá-la, os Europeus interditam-se de comerciar com Moscovo. Na prática, ainda consomem gás russo, mas convencem-se que a Gazprom vai fechar-lhes as torneiras. A sua imprensa, por exemplo, anunciou que a companhia russa estava a fechar o gasoduto Nord Stream, quando ela anunciou uma interrupção técnica de três dias. Habitualmente, os fornecimentos dos gasodutos são interrompidos para uma manutenção durante dois dias, a cada dois meses. Aqui, a Gazprom foi entravada na sua manutenção da pelo bloqueio ocidental que impediu que lhe devolvessem as turbinas que tinha enviado para reparação no Canadá. Pouco importa, as populações foram levadas a acreditar que os “malvados” Russos lhes cortaram o gás nas vésperas do inverno.
A propaganda europeia visa preparar a opinião pública para um fecho permanente do gasoduto e atirar a responsabilidade sobre a Rússia.
Neste caso, os dirigentes da União não fazem mais do que aplicar as directivas dos Straussianos. Ao fazê-lo, afundam a indústria europeia em detrimento dos seus cidadãos. Alguma fábricas (usinas-br) com grande consumo de energia reduziram já a sua produção, ou fecharam mesmo.
O processo de decrepitude da União Europeia continuará enquanto ninguém se atrever a opor-se a ele. Para surpresa geral, uma primeira manifestação favorável à Rússia realizou-se, em 3 de Setembro, em Praga. A polícia admitiu a presença de 70. 000 pessoas (para um país de 10 milhões de habitantes), mas eram provavelmente muitas mais. Os comentadores políticos desprezam-nos e consideram-nos como « os idiotas úteis de Putin ». Mas estes insultos mascaram mal o mal-estar das elites europeias.
Os peritos em matéria de energia consideram inevitáveis os cortes de corrente em toda a UE. Só a Hungria, que obteve previamente isenções, poderá escapar às regras do mercado único de energia. Aqueles que podem produzir electricidade deverão partilhá-la com os que são incapazes disso. Não importa que esta incapacidade seja fruto de má sorte ou de imprevidência.
Bruxelas deverá começar por baixas de tensão, depois decretar apagões à noite e, finalmente, durante o dia. Os particulares terão dificuldade em manter elevadores, aquecer as suas moradas no inverno, em cozinhar se usarem placas elétricas e, aqueles que usam comboios (trens-br), autocarros (ônibus-br) ou carros elétricos, deverão ter dificuldade para se deslocar. As empresas que consomem muita energia, como a siderurgia, deverão fechar. Certas infraestruturas tais como os túneis longos que não mais poderão ser ventilados, deverão tornar-se impraticáveis. Em especial, as instalações electrónicas concebidas para funcionar continuamente não suportarão cortes repetidos. Será o caso, por exemplo, das antenas indispensáveis às redes de telefone móvel que serão boas para deitar fora após três meses desse mau funcionamento.
Nos países do Terceiro Mundo onde a electricidade é rara,usam-se LEDs alimentados por bateria para iluminação e UPS para alimentar máquinas de baixo consumo, como computadores ou televisores. Mas estes materiais estão de momento ausentes das lojas na União.
O PIB da UE já baixou perto de 1%. Esta recessão prosseguirá tal como a planearam os Straussianos ou os cidadãos da União irão interrompê-la como tenta fazer uma parte do povo checo ?
Os Straussianos irão até ao fim. Eles aproveitaram a decadência norte-americana para se arrogar do verdadeiro Poder. Uma vez que um drogado, que nunca foi eleito, pode utilizar aviões oficiais à toa para fazer negócios em todo o mundo [12], eles instalaram-se discretamente à sombra do Presidente Biden e governam em seu lugar. Os dirigentes europeus, esses, estão cegos ou comprometidos demais para parar, reconhecer os seus trinta anos de erros e dar meia-volta.
O que é preciso lembrar :
– Os Straussianos formam uma seita fanática pronta a tudo para manter a supremacia dos Estados Unidos sobre o mundo. Eles orquestraram as guerras que enlutam o mundo desde há trinta anos e a da Ucrânia hoje em dia.
– Eles persuadiram a União Europeia que Moscovo queria anexar primeiro a Ucrânia e depois toda a Europa Central. Com isto, convenceram Bruxelas a parar todo o comércio com a Rússia.
– A crise energética que se inicia conduz a União Europeia para cortes de electricidade e de corrente que causarão destruição da sua economia e do modo de vida dos seus cidadãos.
Alva
[3] Para uma breve História dos Straussianos, ver : “A Rússia declara guerra aos Straussianos”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 5 de Março de 2022.
[4] O relatório de 1976 da « Equipa B » acusando a URSS de querer dominar o mundo não era um resumo da doutrina, mas um argumento de propaganda para a justificar.
[5] Entrevista com James Mann, citada em Rise of the Vulcans : The History of Bush’s War Cabinet, James Mann, Viking (2004).
[6] « US Strategy Plan Calls For Insuring No Rivals Develop » Patrick E. Tyler, New York Times, March 8, 1992. Le quotidien publie également de larges extraits en page 14 : « Excerpts from Pentagon’s Plan : "Prevent the Re-Emergence of a New Rival" ».
[7] « Keeping the US First, Pentagon Would preclude a Rival Superpower » Barton Gellman, The Washington Post, March 11, 1992.
[8] « Paul Wolfowitz, l’âme du Pentagone », par Paul Labarique, Réseau Voltaire, 4 octobre 2004.
[9] Cf. “Ucrânia : a Segunda Guerra mundial continua”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 26 de Abril de 2022.
[10] Ukraine Democracy Defense Lend-Lease Act of 2022, US Congress.
[11] « Instructions et conclusions sur les marchés de reconstruction et d’aide en Irak », par Paul Wolfowitz, Réseau Voltaire, 10 décembre 2003.
[12] “A decadência do Império norte-americano”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 7 de Setembro de 2022.
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Thierry Meyssan
Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II.
Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
https://www.voltairenet.org/article217989.html#nh1:~:text=Apoiem%20a%20Rede%20Voltaire
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