Thierry Meyssan: O fim do domínio ocidental
Rede Voltaire | Paris (França) | 19 de Abril de 2022
1. « A Rússia quer obrigar os EUA a respeitar a Carta das Nações Unidas », 5 de Janeiro de 2022.
2. « Washington prossegue o plano da RAND no Cazaquistão, a seguir na Transnístria », 11 de Janeiro de 2022.
3. « Washington recusa ouvir a Rússia e a China », 18 de Janeiro de 2022.
4. « Washington e Londres, atingidos de surdez », 1 de Fevereiro de 2022.
5. « Washington e Londres tentam preservar a sua dominação sobre a Europa », 8 de Fevereiro de 2022.
6. “Duas interpretações do processo ucraniano”, 16 de Fevereiro de 2022.
7. «Washington canta vitória, enquanto seus aliados se retiram », 22 de Fevereiro de 2022.
8. «A Rússia declara guerra aos Straussianos», 3 de Março de 2022.
9. «Um bando de drogados e de neo-nazis», 5 de Março de 2022.
10. «Israel aturdido pelos neo-nazis ucranianos», 8 de Março de 2022.
11 « Ucrânia : a grande manipulação », 22 de Março de 2022.
12. « A Nova Ordem Mundial que preparam a pretexto da guerra na Ucrânia », 29 de Março de 2022.
13. « A propaganda de guerra muda de forma », 5 de Abril de 2022.
14. « A Aliança do MI6, da CIA e dos banderistas », 12 de Abril de 2022.
Os Estados Unidos, que só tardiamente participaram nas Guerras Mundiais e não sofreram quaisquer danos no seu território, saíram vitoriosos dos conflitos mundiais. Herdeiros dos impérios europeus, elaboraram um sistema de dominação que os tornou os « gendarmes do mundo ». No entanto, a sua hegemonia era frágil e não podia resistir ao desenvolvimento de grandes nações. Desde 2012, politólogos começaram a descrever a « armadilha de Tucídides » por analogia com a explicação que o estratega grego havia dado das guerras que opuseram Esparta a Atenas. Segundo eles, o aumento de poderio da China tornava assim inevitável o confronto com os Estados Unidos. Constatando que, se a China se tornara a primeira potência económica mundial, a Rússia se tornou a primeira potência militar, Washington decidiu combatê-las uma a seguir à outra.
É neste contexto que surge a guerra na Ucrânia. Washington apresenta-a como « agressão russa », adopta sanções e força os seus aliados a adoptá-las também. A primeira ideia que salta ao espírito, é que os Estados Unidos achando-se inferiores militarmente, mas superiores economicamente, decidiram escolher o seu campo de batalha. No entanto, a análise de forças em presença e das medidas tomadas desmente esta leitura dos acontecimentos.
O sistema económico mundial
O sistema económico mundial foi criado pelos Acordos de Bretton Woods, em 1944. Eles visavam estabelecer um quadro do capitalismo para além da crise de 1929, para a qual o nazismo não havia sido a solução. Os Estados Unidos impuseram a sua moeda como referência convertível em ouro. Nem a União Soviética, nem a República Popular da China participaram nesta Conferência.
Em 1971, o Presidente Richard Nixon decidiu acabar oficiosamente com a paridade dólar-ouro. Pôde assim financiar a guerra do Vietname (Vietnã-br). Concretamente, já não havia mais taxas de câmbio fixas. A medida só foi oficializada uma vez a guerra terminada, em 1976. Foi também nesse momento que a China fez aliança com as multinacionais anglo-saxónicas. A Comunidade Europeia (precursora da União) adaptou-se enquadrando as taxas de câmbio, agora flutuantes, em 1972 (a chamada « serpente monetária »), e depois criando o euro.
A partir de 1981, os Estados Unidos começaram a deixar engrossar a sua dívida. Ela passou de 40% do seu PIB para os 130% hoje em dia. Eles tentaram globalizar a economia mundial, quer dizer, impor as suas regras aos países solventes e destruir as estruturas estatais dos países restantes (a estratégia Rumsfeld/Cebrowski). Para pagar a sua dívida imprimiram dólares, espiaram as empresas dos aliados e roubaram todas as reservas de dois grandes Estados petrolíferos, o Iraque e a Líbia. Ninguém ousou dizer nada, mas a partir de 2003, o sistema económico dos Estados Unidos já não era mais o que pretendia ser. Oficialmente continuavam a dizer-se liberais, mas todos podiam constatar que já não produziam mais nem a sua alimentação, nem suas mercadorias de primeira necessidade, e que não se forneciam mais senão de rapinas.
A economia norte-americana, que representava um terço da economia mundial aquando da dissolução da URSS, não representa hoje mais do que um décimo disso.
Muitos Estados antecipam o fim das regras de Bretton Woods e pensam já em novos modelos. Em 2009, o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, depois acompanhados pela África do Sul, pela África, criaram os BRICS. Estes países dotaram-se de instituições financeiras que, ao contrário do FMI e do Banco Mundial, não condicionam os seus empréstimos a reformas estruturais ou compromissos políticos tal como o alinhamento com Washington. Preferem investir em leasing, tornando-se o país anfitrião proprietário do investimento assim que este é rentabilizado.
Em 2010, a Bielorrússia, o Cazaquistão e a Rússia, logo seguidos pela Arménia, fundaram a União Económica Eurasiática. Estes países fronteiriços instauraram uma zona de livre comércio com o Egipto, a China, o Irão, a Sérvia, Singapura e o Vietname. Eles poderão vir a ser acompanhados pela Coreia do Sul, a Índia, a Turquia e a Síria.
Em 2013, a China iniciou um vasto projecto de « Novas Rotas da Seda ». No ano seguinte, quando o seu PIB ultrapassou o dos Estados Unidos em paridade de poder de compra, Beijing criou o Banco Asiático de Investimento para as Infraestruturas (AIIB), depois em 2020, ela enquadrou os capitais estrangeiros.
Em 2021, a União Europeia idealizou a sua Passarela Mundial (Global Gateway) para competir com a China e impor o seu modelo político. Mas esta exigência foi sentida por muitos países como uma retoma colonial e foi objecto de uma rejeição maciça.
Progressivamente, o bloco russo e o bloco chinês aproximaram-se graças ao projecto comum da Grande Parceria Eurasiática Global (2016), no âmbito da Organização de Cooperação de Xangai. Trata-se de desenvolver todo esse espaço criando vias de comunicação equilibradas sobre as bases ideológicas definidas pelo Sultão cazaque Nazerbayev: a inclusão, a igualdade soberana, o respeito da identidade cultural e sócio-política, a abertura e a disponibilidade para integrar outros conjuntos .
A tentativa de Washington de destruir este conjunto em formação não tem possibilidade de êxito. É impressionante constatar que:
o ataque económico começou não
com a invasão da Ucrânia, mas dois dias antes. - ele dirige-se, antes de
mais, contra os bancos russos, os bilionários russos e a indústria
russa de gás e de modo algum contra o novo sistema de comunicação
eurasiático.
por fim, ele visa excluir a
Rússia das organizações internacionais, mas não envolve os Estados que
recusam condenar a Rússia. Por conseguinte, ela irá crescer nos braços
de Pequim.
Por outras palavras, os Estados Unidos não isolam a Rússia, mas isolam o Ocidente (10 % da humanidade) do resto do mundo (90 % da humanidade).
O processo de separação do Ocidente do resto do mundo
0. Logo no dia seguinte ao reconhecimento por Moscovo da independência das Repúblicas populares de Donestsk e de Lugansk (21 de Fevereiro de 2022), os Estados Unidos atacavam economicamente a Rússia (22 de Fevereiro). A União Europeia seguia-lhes o passo no dia imediato (23 de Fevereiro). O Vnesheconombank e o Promsvyazbank eram excluídos do sistema financeiro mundial.
O Vnesheconombank (VEB.RF) é um banco de desenvolvimento regional. Ele poderia ajudar o do Donbass. O Promsvyazbank (PSB) investe principalmente no sector da Defesa. Este poderia jogar um papel na aplicação do Tratado de Assistência Mútua.
1. Tendo a Rússia iniciado uma operação militar especial na Ucrânia (24 de Fevereiro), os Estados Unidos estenderam a exclusão dos dois primeiros bancos do sistema financeiro mundial, a todos os bancos russos (25 de Fevereiro). A União Europeia imitou-lhe o passo (25 de Fevereiro).
2. A fim de prevenir que o máximo de Estados se juntassem à Rússia, Washington estendeu as interdições comerciais à Bielorússia. A União Europeia começou a privar os bancos russos de aceder ao sistema SWIFT, de acordo com as instruções norte-americanas precedentes estendeu, por sua vez, as sanções à Bielorússia e censurou os média públicos russos, o Russia Today e o Sputnik (2 de Março).
3. Washington começou a atirar-se aos cidadãos russos ricos (erradamente chamados « oligarcas ») com más relações com o Kremlin (3 de Março), e a proibir a importação de fontes de energia russas (8 de Março). A União Europeia seguiu-lhe o passo, mas resistiu em relação à proibição de importar gás russo que lhe é indispensável (9 de Março).
4. Washington estende as sanções financeiras ao seio do FMI e do Banco Mundial, além disso, alarga a lista dos oligarcas e interdita a exportação de produtos de luxo para a Rússia (11de Março). A União Europeia segue-lhe o passo (15 de Março).
5. Washington assegura-se que os membros da Duma e os oligarcas não tenham mais quaisquer direitos no Ocidente; que a Rússia não possa mais usar seus activos nos EUA para pagar as suas dívidas aos EUA; e que ela não mais possa utilizar o seu ouro para pagar as suas dívidas ao estrangeiro (24 de Março). A União Europeia segue-a nestas proibições. Ela expressa interdição de importar carvão e petróleo russos, mas continua sem nenhuma proibição de gás.
A tabela abaixo resume as comunicações da Casa Branca e de Bruxelas.
A resposta do resto do mundo
É um fenómeno extremamente surpreendente a observar: os Estados Unidos conseguiram fazer virar uma maioria dos Estados para o seu lado, mas esses Estados são os menos povoados do mundo. Tudo se passa como se eles não tivessem meios para pressionar os países capazes de afirmar independência.
Devido às acções unilaterais dos Anglo-Saxónicos e da União Europeia, o mundo está em vias de se dividir em dois espaços heterogéneos. A era da globalização económica terminou. As pontes económicas e financeiras estão a ser quebradas uma a uma.
Reagindo com rapidez, a Rússia convenceu os seus parceiros do BRICS a parar as trocas comerciais em dólares e a criar, a termo, uma moeda virtual comum para o seu comércio. Daqui até lá, continuarão em ouro. Esta moeda deverá ser baseada num cabaz de moedas dos BRICS, ponderada em função do PIB de cada Estado membro, e numa cesta de matérias primas cotadas em bolsa. Este sistema deverá ser muito mais estável do que o actual.
Acima de tudo, a Rússia e a China aparecem como muito mais respeitadoras dos seus parceiros do que os Ocidentais. Elas jamais exigem reformas estruturais, quer económicas, quer políticas. O caso ucraniano mostra aos olhos de todos que Moscovo não busca tomar o Poder em Kiev ou em ocupar a Ucrânia, mas em afastar a OTAN e em combater os banderistas (os « neo-nazis » na terminologia do Kremlin). Nada mais legítimo, mesmo se o método é brutal.
Na prática, assiste-se ao fim de quatro séculos de domínio dos
Ocidentais e dos seus Impérios. É um confronto entre maneiras de pensar
diferentes. - Os Ocidentais já só pensam em termos de semanas. Com esta
miopia, podem ter a impressão que os Estados Unidos estão certos e os
Russos errados. Pelo contrário, o resto do mundo pensa em décadas, ou
até mesmo em séculos. Neste caso, não há dúvida de que os Russos estão
certos e os Ocidentais, no seu conjunto, estão errados.
Além disso, os Ocidentais
rejeitam o Direito Internacional. Atacaram a Jugoslávia e a Líbia sem
autorização do Conselho de Segurança e mentiram para atacar o
Afeganistão e o Iraque. Eles só aceitam as regras que eles próprios
estabelecem. Pelo contrário, os outros Estados aspiram a um mundo
multipolar em que cada actor pensaria em função da sua própria cultura.
Estão cientes que só o Direito Internacional permitirá preservar a paz
no mundo tal como eles o sonham.
Talvez mais do que confrontar a Rússia e a China, os Estados Unidos tenham escolhido recuar para dentro do seu império : isolar o Ocidente, para assim manter aí a sua hegemonia.
Desde 2001, todos os dirigentes mundiais consideram os Ocidentais, e particularmente os Estados Unidos, como predadores feridos. Não ousando enfrentá-los, buscam a maneira de os acompanhar gentilmente até à última morada. Mas, ninguém havia imaginado que eles iriam isolar-se para morrer.
TraduçãoAlva
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