'Conto da Carochinha'? Por que a versão ucraniana sobre 'massacre' em Bucha é inconsistente

© REUTERS / Zohra Bensemra

 Por Sputnik Brasil - Lucas Baldez

Especialistas consultados pela Sputnik Brasil afirmam que "peças não se encaixam" na versão de Kiev sobre situação na cidade de Bucha. Eles questionam veracidade dos fatos e criticam cobertura ocidental enviesada sobre o conflito.
É cada vez maior a campanha de Kiev para taxar a Rússia como vilã em uma história muito mal contada. Com a reprodução – e a conivência – da mídia ocidental, o capítulo deste domingo (3) pela versão ucraniana relata que forças russas promoveram um "massacre" na cidade de Bucha, a 25 km da capital.
A suposta denúncia foi feita por meio de diversos vídeos divulgados pelas autoridades e mídia ucranianas, onde aparecem centenas de corpos jogados ao chão pela cidade, alguns com sinais de tortura. Porém, algumas imagens mostram vítimas com um pano branco amarrado ao braço, um símbolo de identificação de não agressão entre russos.
Em um dos vídeos, usuários também notaram que um dos "cadáveres" retira o braço para não ser esmagado por rodas de veículos militares ucranianos.
Militares das Forças Armada ucranianas na região de Lugansk, em 11 de março de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 03.04.2022
Militares das Forças Armada ucranianas na região de Lugansk, em 11 de março de 2022
Além disso, as tropas russas deixaram Bucha na última quarta-feira (30), um dia após a rodada de negociações entre Moscou e Kiev na Turquia.
Em 31 de março, o prefeito de Bucha, Anatoly Fedoruk, confirmou em discurso de vídeo que não havia mais nenhum militar russo na cidade, sem mencionar civis assassinados pelas ruas e com mãos atadas.
Ministério da Defesa da Rússia afirmou, neste domingo (3), que fotografias e vídeos publicados por Kiev na cidade são mais uma provocação e encenação.

"Durante o tempo em que esta localidade esteve controlada pelas Forças Armadas russas, nenhum morador sofreu alguma ação violenta", disse o ministério.

Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil sobre a situação questionaram a versão apresentada por Kiev e criticaram a postura da mídia ocidental na cobertura do conflito.
A professora Isabela Gama, especialista em teoria das relações internacionais e em segurança e pesquisadora pós-doutoranda da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), afirma que "muitas peças não se encaixam na história".

"Por que os militares russos deixariam corpos de vítimas de tortura à mostra de todos em um cenário que não está nem um pouco favorável à Rússia? E não faz sentido isso vir a público hoje, e ninguém ter visto antes [os corpos nas ruas]", avaliou Gama.

A pesquisadora levanta a hipótese de que a Ucrânia pode estar buscando "forçar uma intervenção internacional" no país.
Neste caso, as negociações diplomáticas que correm em paralelo poderiam apenas servir como forma de ganhar tempo enquanto se tenta criar um clima de terror para viabilizar apoio militar mais amplo.

"Me parece mais uma guerra de narrativa, não é a primeira e, possivelmente, não será a última", alertou.

O capítulo mais famoso desde o início da operação militar, anunciado como verdade por Kiev, foi o caso da "grávida de Mariupol", alçado ao posto de símbolo da crueldade russa na Ucrânia pela mídia ocidental.
Na realidade, Marianna Vyshemirskaya, uma blogueira de moda da cidade de Mariupol, contou à Sputnik (na versão em inglês) que não houve ataque aéreo à maternidade onde ela e outras grávidas estavam. O que se ouviu, segundo seu relato, foram explosões, antes de o prédio ser atingido.
Na ocasião, os russos ainda tentavam entrar na cidade e a mídia divulgou que o prédio havia sido alvo de ataque aéreo.
Detritos são vistos na zona de hospital de maternidade de Mariupol destruído enquanto a operação especial da Rússia na Ucrânia continua, Mariupol, Ucrânia, 9 de março de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 03.04.2022
Detritos são vistos na zona de hospital de maternidade de Mariupol destruído enquanto a operação especial da Rússia na Ucrânia continua, Mariupol, Ucrânia, 9 de março de 2022

'Mídia ocidental escolheu lado e vai manipular'

O jornalista Pedro Paulo Rezende, especialista em assuntos militares e em relações internacionais, afirma que a situação em Bucha é mais "uma história mal contada" em meio a diversos casos sérios que não apareceram na mídia ocidental.

"Em Mariupol, as forças russas descobriram uma série de escravos e escravas sexuais, em que uma das vítimas teve a suástica pintada no peito. Ou seja, a mídia ocidental escolheu um lado e vai manipular a opinião pública", criticou.

Ele lembra ainda que as organizações humanitárias ocidentais que acompanham de perto o conflito, principalmente na região de Donbass, são unânimes em dizer que "não houve nenhuma violação das leis internacionais por parte dos russos".

"Os russo não romperam com leis de guerra, ao contrário dos ucranianos, que já atiraram na perna de pessoas, o que pode causar morte lenta e dolorosa", relatou.


Nas imagens em Bucha, é possível notar que nenhum dos "cadáveres" que apareceram nas imagens publicadas por Kiev enrijeceu após os supostos quatro dias da morte. Não havia "manchas cadavéricas características" e o sangue das feridas não estava coagulado, indicaram análises.
Segundo o Ministério da Defesa da Rússia, "tudo isso confirma, irrefutavelmente, que as fotografias e imagens de vídeo de Bucha são mais uma encenação de Kiev para a mídia ocidental, como ocorreu em Mariupol com a maternidade, e também em outras cidades".
O órgão denunciou ainda que "as 'provas de crimes' em Bucha surgiram apenas no quarto dia, quando agentes do serviço de inteligência da Ucrânia e representantes da televisão ucraniana chegaram à cidade".
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Espetacularização como base para mais sanções

Em crítica à cobertura ocidental do conflito, o especialista em relações internacionais Charles Pennaforte, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), diz que divulgar somente uma versão da história "cerceia a população de tirar as próprias conclusões de qualquer tema, especialmente em um conflito regional que se transformou em evento de envergadura mundial no aspecto econômico".

"A UE e os EUA jogaram por terra o discurso de defesa da liberdade de informação e dos direitos humanos. No primeiro caso, por obrigar a população em geral a possuir só uma visão do conflito e, no segundo, por desprezar violações históricas dos direitos humanos contra palestinos, iraquianos afegãos e iêmitas, por exemplo", lembrou.

O especialista lamenta a "espetacularização de episódios", sem qualquer comprovação de autoria.
Morador da cidade junto de poço perto do Teatro de Drama de Mariupol - Sputnik Brasil, 1920, 03.04.2022
Morador da cidade junto de poço perto do Teatro de Drama de Mariupol
"Ganham divulgação mundial e, sem dúvida alguma, podem servir de base para mais represálias econômicas ou políticas. Além de acirrar os ânimos", apontou.
A escalada de sanções impostas pelo Ocidente transformou a Rússia, de forma disparada, na nação mais sancionada do mundosegundo a plataforma Castellum.ai, serviço de rastreamento de restrições econômicas no mundo.
No total, estão em vigor 8,068 medidas restritivas contra a Rússia, segundo os cálculos do site. A quantidade é quase o dobro das 3.616 sanções impostas pelo Ocidente ao Irã. Na sequência, aparecem a Síria (2.608), a Coreia do Norte (2.077), a Venezuela (651), Mianmar (510) e Cuba (208).
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'Pluralidade informativa é antídoto para fake news'

O pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp), Chico Sant'Anna, afirma que, em situações de conflitos armados, "além das balas, o que mais correm são as informações, nem sempre verdadeiras". Segundo ele, "os grupos de mídia, grandes conglomerados econômicos, têm interesse político e econômico nesses conflitos".
"A pluralidade informativa seria o antídoto para as fake news, mas as sanções econômicas do Ocidente rapidamente bloquearam canais de TV e sites informativos que não estão sob a tutela desse modelo informativo", disse.
Os canais da Russia Today (RT) e da Sputnik Brasil foram derrubados pelo YouTube em todo o mundo, inclusive no Brasil no dia 11 de março. Antes, no dia 1º, o Google já havia decidido bloquear os canais do RT e Sputnik na plataforma de vídeos na Europa.
Facebook, Instagram e Twitter também restringiram o acesso a páginas e links de mídias estatais russas.

"Infelizmente, há muito tempo, organizações como a Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] deixaram de lado a pauta da liberdade de informar e de ser informado, do combate ao oligopólio informativo. Hoje em dia, a quase totalidade das informações consumidas no mundo é coletada, produzida e difundida por uma meia dúzia de empresas", afirmou.

Pessoa segura smartphone, que exibe o logotipo do YouTube (imagem ilustrativa). - Sputnik Brasil, 1920, 11.03.2022
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