Thierry Meyssan: Washington recusa ouvir a Rússia e a China
Wendy Sherman e Serguei Riabkov constataram que os EUA não queriam debater com a Rússia |
REDE VOLTAIRE | PARIS (FRANÇA) | 18 DE JANEIRO DE 2022
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Este artigo dá sequência a :
1. « A Rússia quer obrigar os EUA a respeitar a Carta das Nações Unidas », 5 de Janeiro de 2022.
2. « Washington prossegue o plano da RAND no Cazaquistão, a seguir na Transnístria », 11 de Janeiro de 2022.
A imprensa ocidental não consegue abarcar as relações entre os três grandes (jChina, Estados Unidos e Rússia) porque as segmenta. Ela considera cada problema separadamente e ignora as ligações entre eles. Acima de tudo, ela ignora a diferença entre o Direito anglo-saxónico e o das Nações Unidas o que a leva a inúmeros erros de interpretação.
Os Estados Unidos e a Rússia encontraram-se três vezes esta semana para debater garantias de paz :
em Genebra ao nível de ministros adjuntos dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) ;
em Bruxelas na Comissão Otan-Rússia ;
e por fim em Viena, na OSCE.
Os Estados Unidos reiteraram a sua advertência contra o estacionamento de 100. 000 soldados russos na fronteira russo-ucraniana enquanto a Rússia se indignou pela recusa dos EUA em discutir a sua proposta de paz.
Simultaneamente, o Congresso dos EUA debateu sanções contra a Rússia, enquanto o Departamento de Estado estendeu à China a atitude que assumira face à Rússia, e o Departamento da Defesa encara o aumento do seu arsenal nuclear.
Nos bastidores, Washington levou a cabo uma operação de desestabilização do Cazaquistão e levou a União Europeia a esboçar um bloqueio económico total da Transnístria.
Uma vez que os Estados Unidos recusam mais do que antes levar em conta as críticas que lhe são feitas e responder aos argumentos russos, Moscovo ameaça agora colocar tropas na Bacia das Caraíbas.
O único avanço positivo respeita a um possível relançamento das negociações russo-americanas sobre o controlo de misseis nucleares de alcance intermédio, um Tratado antes recusado pelo Presidente Donald Trump.
O CONTEÚDO DAS NEGOCIAÇÕES
Quando a delegação norte-americana chegou a Genebra, primeiro jantou amigavelmente com os seus homólogos russos, depois, na manhã seguinte, ao iniciar as conversações, informou-os que o seu mandato se limitava a discutir a instalação de tropas americanas e russas na Ucrânia.
« Outras prioridades são mais importantes para nós: não alargamento da OTAN, eliminação da infra-estrutura criada, recusa de certas medidas, e não de uma forma recíproca, mas numa base unilateral por parte do Ocidente » declarara Serguei Riabkov ao chegar a Genebra [1].
Os Russos, portanto, responderam que o mandato da delegação dos EUA só incidentalmente respondia apenas ao objectivo oficial da reunião: as garantias que assegurem a paz mundial. Depois Wendy Sherman e Serguei Riabkov passaram em revista os assuntos que poderiam ulteriormente discutir e só encontraram um: um novo Tratado de Redução de Mísseis Nucleares de alcance Intermédio ; o Tratado INF que fora denunciado pelo Presidente Donald Trump.
No dia seguinte, Wendy Sherman participou na reunião da Comissão OTAN-Rússia em Bruxelas. Os embaixadores aliados avaliavam com dificuldade as intenções de Washington após o seu abandono do Afeganistão para os Talibã e a sua traição à França com o acordo AUKUS. A Sra. Sherman deixou-os exprimirem-se primeiro, depois declarou aquilo que em substância dissera à delegação russa : « Claro, somos trinta aqui frente a vocês, mas temos apenas uma posição ». Depois, ela traçou a paisagem do que seria a Europa se Washington cedesse a Moscovo : um continente de novo dividido em duas zonas de influência, uma atlantista e a outra russa, como durante a Guerra Fria.
Esta apresentação despertou terríveis lembranças de tal modo que os embaixadores aliados não ouviram mais do que isto. As negativas da delegação russa, lembrando que não era soviética e não queria dividir o continente, não foram mais do que ruído de fundo. Talvez os Russos tenham de novo apresentado as suas exigências de respeito pela Carta da ONU e pela palavra dada, mas ninguém se lembra.
A imprensa norte-americana comentou esta reunião afirmando que tinha dado à OTAN, condenada pelos Presidentes Donald Trump e Emmanuel Macron, uma nova razão de existir: combater a Rússia.
Nestas condições, a terceira reunião, a da OSCE em Viena, foi apenas —nas palavras de Serguei Lavrov— «dilatória». A OSCE não tem nenhum poder de decisão, é apenas um fórum criado durante a Guerra Fria para avaliar posições. A presidência sueca do seu Conselho Permanente foi feita à imagem desse país, oficialmente neutro, mas debatendo internamente a sua próxima adesão à OTAN. Os aliados ficaram na defensiva, enquanto os Estados Unidos, esses, procuravam ganhar tempo. A reunião nem sequer deu lugar a um comunicado final.
Moscovo esperava uma rejeição em bloco das suas propostas por parte de Washington, mas ficou espantada pela maneira como os diplomatas norte-americanos conseguiram manipular os membros da OTAN e da OSCE. É a segunda vez que Vladimir Putin se choca com o comportamento irracional dos Europeus da União. Lembram-se que, em 2007, ele havia acreditado poder afastar os Europeus Ocidentais do seu suserano norte-americano indo à Conferência de Segurança de Munique e pedindo-lhes que se interrogassem sobre os seus interesses [2]. Tinha acreditado, erradamente, que captaria a sua atenção, particularmente a dos Alemães. Ora, o mesmo fenómeno repete-se hoje.
Tem de se constatar que a maior parte dos dirigentes europeus, com a notável excepção dos Russos, não deseja ser independente. Renunciam às suas próprias responsabilidades e preferem curvar-se a uma ordem mundial ilegítima e cruel.
HISTERIA EM WASHINGTON
Em Washington, a Casa Branca está ciente de já não ter os meios decisivos para a sua política global, mas não a classe dirigente. O Congresso foi teatro de tomadas de posição grandiloquentes denunciando a insolência russa e particularmente a do seu Presidente, Vladimir Putin. Os parlamentares chegaram até a discutir a possibilidade de o sancionar pessoalmente, o que implicaria romper as relações diplomáticas com o país. Nenhum parece ciente de que os Estados Unidos já não são a primeira potência militar do mundo e que foram substituídos pela Rússia e pela China.
Menos estupidamente do que as sanções contra o Presidente Putin, o Congresso tem-se sobretudo dilacerado sobre o possível restabelecimento de sanções contra o gasoduto russo Nord Stream 2. O Senador republicano Marco Rubio defendeu a ideia segundo a qual era preciso sancionar os Alemães que pactuem com « o diabo », incluindo o antigo Chanceler social-democrata Gerhard Schröder, que dirigiu a construção do oleoduto, para que não tenham escolha [3]. Pelo contrário, os Democratas, a conselho da Casa Branca, argumentaram que seria mais sensato levar os Alemães a escolher o lado certo por si mesmos, em vez de os forçar a isso. O governo ucraniano veio em apoio desta abordagem de bom senso, lembrando que os Alemães tinham negociado com a Rússia garantias para que ela não usasse seus fornecimentos de gás como uma arma [4].
Este debate grotesco só foi possível porque todos esqueceram a razão que levara o Presidente Joe Biden a levantar as sanções contra o Nord Stream 2, pouco antes da Cimeira (Cúpula-br) russo-americana de Genebra [5] : era um meio de passar aos Europeus a factura dos prejuízos de guerra na Síria. Eles pagarão o gás russo barato, mas um pouco menos barato do que o previsto. Ninguém se lembra sequer que os Estados Unidos perderam essa guerra.
TUDO CONTINUA COMO SE NADA SE PASSASSE
Longe de ceder quanto ao essencial, o Departamento de Estado estendeu a sua narrativa russa à China, a qual apoia a Rússia. Não só a Rússia iria invadir a Ucrânia e estender o seu domínio a toda a Europa Oriental e Central, mas também a China gostaria de dominar todo o Mar da China.
Se o litígio com a Rússia é posterior à dissolução da União Soviética, com a China remonta muito mais atrás, ao trágico período colonial.
O Departamento de Estado apoia-se numa decisão do Tribunal de Arbitragem de Haia, de 2016, condenando a China num litígio territorial com as Filipinas, para rejeitar os argumentos de Pequim [6]. Ora, um tribunal de arbitragem não é um tribunal e a China ao não reconhecer este Tribunal significa que ele não arbitrou absolutamente nada, mas apenas endossou a versão filipina da disputa. Longe de permitir estabelecer seja o que for, este episódio atesta a maneira como os Estados Unidos interpretam o Direito Internacional, em geral, e a Carta das Nações Unidas em particular.
A China reivindica legitimamente as ilhas que governava no século XVIII e que abandonou durante o seu colapso sob os golpes violentos da colonização. A maior parte delas ficaram desabitadas até há uma trintena de anos atrás, ou seja, até à dissolução da União Soviética. Ao pretender atribuí-las aos seus aliados nesta zona, os Estados Unidos dão provas do mesmo imperialismo conquistador que coloca a Europa Central e Oriental sob o comando da OTAN.
Por outro lado, durante esta semana Washington prosseguiu a sua operação de desestabilização do Cazaquistão e de ajuda aos apelos, para o derrube do regime, feitos por Mukhtar Ablyazov desde Paris. Finalmente, encorajou a União Europeia a montar o bloqueio da Transnístria, esse Estado não reconhecido encravado entre a Ucrânia e a Moldávia [7]. Se parece ter perdido no Cazaquistão, prepara já o episódio seguinte na Transnístria.
Os Estados Unidos fecham-se no seu estado de negação e enviam emissários a cada um dos seus vassalos para os prevenir de um iminente ataque russo contra a Ucrânia a seguir a uma provocação de bandeira falsa.
CONCLUSÃO PROVISÓRIA
Esta semana mostrou, como seria de esperar, que os Estados Unidos não pensam respeitar nem a Carta das Nações Unidas, nem a sua palavra. Eles não irão recuar em lado nenhum por conta própria. As suas propostas visam, na melhor das hipóteses, preservar o status quo.
A sua estratégia parece baseada na ideia de que os Russos e os Chineses não arriscarão a confrontação. É a « teoria do louco » (madman theory) antes empregue pelo Presidente Richard Nixon contra a União Soviética: sim, claro, estou errado e posso não ser o mais forte, mas sou louco e as minhas reacções são irracionais e imprevisíveis. Estou-me nas tintas se ganho, posso rebentar com tudo. Esta atitude é como uma golpada de póquer. Ora, ela não permitiu aos Estados Unidos ganhar a Guerra do Vietname (Vietnã-br).
A Rússia tinha, evidentemente, previsto o golpe seguinte quando publicou o seu projeto de Tratado Garantindo a Paz. Portanto, ela deverá adaptá-lo porque Washington conseguiu juntar todos os vassalos assustados. Se a confrontação tiver lugar, ela será nuclear e irá seguramente saldar-se por centenas de milhões de vítimas.
Se Washington planeia a próxima escaramuça na Transnístria, Moscovo apresta-se para dar o próximo passo, provavelmente na Bacia das Caraíbas, inspirado na crise dos mísseis cubanos de 1962. Tratar-se-á de provocar um choque que faça a classe dirigente norte-americana tomar consciência que ela já não tem a superioridade de que tanto usou e abusou.
Alva
[1] “Riabkov coloca os EUA face às suas responsabilidades”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 11 de Janeiro de 2022.
[2] “O carácter indivisível e universal da segurança global”, Vladimir Putin, Tradução Resistir.info, Rede Voltaire, 11 de Fevereiro de 2007.
[3] Fact Sheet on the Ted Cruz bill on Nord Stream 2, Voltaire Network, January 12, 2022
[4] Document send by Naftogaz to the US Congress, Voltaire Network, January 12, 2022
[5] “Biden-Putin, mais uma Ialta 2 do que uma nova Berlim”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Junho de 2021.
[6] “Propaganda : os Chineses são expansionistas”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 13 de Julho de 2016.
[7] “Josep Borrell organiza o cerco de Donbass e Transnístria”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 14 de Janeiro de 2022.
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Thierry Meyssan
Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II.
Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
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