O desinteresse político da sociedade e o terrorismo eleitoral da ultradireita no Chile
A eleição chilena chega na sua reta final em situação de empate entre Gabriel Boric/Frente Ampla e José Kast/Partido Republicano. Uma eleição disputadíssima, das mais acirradas da história recente do Chile. Uma disputa voto a voto em cada cidade, em cada palmo do país.
Este acirramento, entretanto, não se reflete em engajamento político de massas e tampouco é visível na engrenagem social do dia a dia.
Isso se explica, em grande medida, pela baixa participação da cidadania chilena nas eleições, fenômeno que se acentuou sobremaneira a partir de 2012 com o fim do voto obrigatório.
Nas últimas eleições, a abstenção tem sido superior ao comparecimento às urnas – em média, apenas cerca de 47% dos chilenos votam. O plebiscito para decidir a realização da Assembleia Constituinte, ocorrido em 2020, teve leve aumento da participação eleitoral, atingindo 51%.
Nas ruas da capital Santiago o clima é de rotina cotidiana e aparente normalidade, como se o país não estivesse a poucos dias de se decidir entre duas propostas antagônicas de futuro.
Não há publicidade de campanha, não se vê militantes distribuindo panfletos ou abordando transeuntes. Muitas pessoas com as quais conversei, ou manifestaram indiferença e desinteresse em relação ao pleito; ou dizem que os dois candidatos representam “a mesma coisa” – ou seja, a política e tudo o que de sentido ruim é atribuído à política.
A insatisfação social difusa e uma existência cada vez mais “invivível” não é, contudo, garantia de atitude política, em que pese o padrão de desigualdade social no Chile e a inexistência de um sistema robusto de seguridade social.
O Chile é uma espécie de “mercado a céu aberto” no qual serviços e direitos sociais não são bens públicos, porque foram privatizados e mercantilizados com a imposição selvagem do ultraliberalismo durante a ditadura de Pinochet.
Apesar desta realidade, o desinteresse pela política, que se reflete na apatia eleitoral, é um fator chave na possibilidade ou impossibilidade de mudança profunda do país.
Mesmo a Assembleia Constituinte, com a maioria expressiva dos assentos [78%] ocupados por representantes do campo progressista e da esquerda que representam a perspectiva de mudanças, é um espaço de poder que não foi eleito por outra metade da população chilena.
A acomodação e a alienação políticas conformam um senso comum conservador, refratário a mudanças e, em decorrência disso, mais sensível a retóricas que incutem pânico e medo.
A campanha do ultradireitista José Kast explora com eficiência este conservadorismo “inato”. A chave-mestra deste dispositivo de medo e pânico é a anacrônica retórica anticomunista.
A vilania política contra Boric – acusação de assédio sexual, de uso de cocaína etc – que Kast perpetra abertamente em público é, todavia, exponenciada nos ambientes escuros e desregulamentados das redes sociais.
No ecossistema digital Kast opera segundo a conhecida cartilha da extrema-direita internacional, nos mesmos moldes de Trump, Bolsonaro e quejandos.
A relativa eficiência deste terrorismo eleitoral não deixa de ser paradoxal. O próprio Kast, ele mesmo uma figura que inspira e transpira terror e que carrega no seu DNA ideológico o gene do nazismo [seu pai foi oficial nazista], deveria ser totalmente desacreditado.
Mas, aparentemente, não parece ser. Pior: os anti-valores dantescos que Kast evoca têm significativa audiência na sociedade chilena. Pelo menos é o que mostra sua competitividade eleitoral.
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