''A desigualdade é sempre uma escolha política''
Por Jake Johnson - Carta Maior
Nas quase três décadas desde 1995, os membros do 1% global capturaram
38% de toda a nova riqueza, enquanto a metade mais pobre da humanidade
se beneficiou de apenas 2%, uma descoberta que destaca o abismo cada vez
maior entre os muito ricos e todos outro.
Isso está de acordo com a última edição do Relatório de Desigualdade Mundial,
um resumo exaustivo dos dados de renda e riqueza mundiais que mostra
que as desigualdades na riqueza e na renda são "quase tão grandes hoje
quanto no auge do imperialismo ocidental no início do século 20".
“De
fato, a parcela da renda atualmente capturada pela metade mais pobre da
população mundial é cerca de metade do que era em 1820, antes da grande
divergência entre os países ocidentais e suas colônias”, observa o
relatório. “Em outras palavras, ainda há um longo caminho a percorrer
para desfazer as desigualdades econômicas globais herdadas da
organização muito desigual da produção mundial entre meados do século
XIX e meados do século XX”.
Os autores do novo relatório,
divulgado na íntegra na terça-feira (7), esforçam-se para enfatizar que
as desigualdades contemporâneas de riqueza e renda não são inevitáveis,
mas sim a consequência de decisões deliberadas de formuladores de
políticas em países individuais e no cenário global.
“A crise de Covid exacerbou as desigualdades entre os muito ricos e o resto da população”, disse Lucas Chancel, codiretor do World Inequality Lab
[Laboratório Mundial de Desigualdade] e principal autor do novo
relatório. "Contudo, nos países ricos, a intervenção governamental
evitou um aumento maciço da pobreza - não foi o que aconteceu nos países
pobres. Isso mostra a importância dos estados sociais na luta contra a
pobreza”.
“Se há uma lição a ser aprendida com a investigação
global realizada neste relatório”, acrescentou, “é que a desigualdade é
sempre uma escolha política”.
A nova análise mostra que 2020 -
um ano de deslocamento econômico induzido por uma pandemia que empurrou
dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo para a pobreza extrema -
marcou "o maior aumento já registrado na parcela da riqueza global
disponível dos bilionários".
"Nos EUA, o retorno da maior desigualdade de riqueza
foi particularmente dramático, com a participação de 1% no topo
alcançando perto de 35% em 2020, aproximando-se do nível da Idade de
Ouro", afirma o relatório, que conta com colaboração dos proeminentes
economistas Thomas Piketty e Gabriel Zucman. "Na Europa, a maior
desigualdade de riqueza também aumentou desde 1980, embora
significativamente menos do que nos Estados Unidos"
Atualmente, os 10% mais ricos da população mundial abocanham mais da metade de toda a renda global,
descobriram os pesquisadores. Enquanto isso, bilhões de pessoas na
metade mais pobre da população global detêm apenas 8% da renda mundial.
"As
desigualdades de riqueza global são ainda mais pronunciadas do que as
desigualdades de renda", conclui o relatório. “A metade mais pobre da
população global mal possui qualquer riqueza, possuindo apenas 2% do
total. Em contraste, os 10% mais ricos da população global possuem 76%
de toda a riqueza."
Mantendo seu argumento de que o avanço da
desigualdade de renda e riqueza é uma escolha, os autores do relatório
recomendam que os líderes mundiais busquem várias soluções políticas
para a crise de desigualdade global, que tem implicações econômicas,
políticas e ecológicas de longo alcance.
Com um "imposto
progressivo modesto sobre a riqueza detida pelos multimilionários
globais", o relatório argumenta, "1,6% da renda global poderia ser
gerada e reinvestida em educação, saúde e transição ecológica."
Se
implementado nos Estados Unidos, esse imposto ajudaria a reverter a
tendência de décadas de queda do imposto de renda pago pelos indivíduos
mais ricos. O relatório observa que "hoje, as alíquotas efetivas de
impostos da classe trabalhadora, da classe média e do 1% do topo estão
muito próximas".
O relatório também sugere que impostos
corporativos progressivos e a repressão do governo à "evasão fiscal
generalizada" pelos super-ricos podem ajudar a reduzir as enormes
desigualdades de riqueza.
De forma mais ampla, os autores
argumentam que, para "pôr fim aos grandes desequilíbrios nos fluxos de
capital e renda entre o Norte Global e o Sul Global, é necessário
reavaliar os princípios básicos da globalização".
“Não é absurdo
supor que cada país do mundo deva ter direitos iguais ao
desenvolvimento, no sentido de que cada ser humano deve ter acesso igual
à educação básica e aos serviços de saúde para começar”, afirma o
relatório. "A questão de como financiar esses serviços básicos é
inteiramente política, dependendo, portanto, do conjunto de regras e
instituições estabelecidas pelas sociedades em todo o mundo."
O Resumo Executivo do Relatório Mundial sobre as Desigualdades para 2022 foi traduzido por Outras Palavras.
*Publicado em Common Dreams | Tradução por César Locatelli
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