Marcio Pochmann: Capitalismo de investimentos fantasmas e empresas zumbis
Créditos da foto: (Aleksandar Pasaric) |
Por Marcio Pochmann - na Carta Maior
Com quase 12 milhões de documentos vazados, Pandora Papers explicitou
didaticamente a forma pela qual parcela dos ricos, poderosos e
privilegiados (empresários, políticos, membros de famílias reais,
líderes religiosos, artistas, atletas e outros) utilizam para ocultar
suas riquezas. As chamadas contas denominadas por off-shore podem
absorver em até 40% do PIB mundial, sendo que mais de 4/5 daquela
quantia depositada se refere a apenas 0,1% das famílias mais ricas do
mundo.
Isso é possível porque existem os chamados paraísos
fiscais que oferecem condições tributárias facilitadas aos recursos
estrangeiros que buscam se deslocar dos sistemas nacionais de tributação
e regulação financeira e cambial, sobretudo aqueles que visam “lavar
dinheiros” obscuros que resultam das diversas operações ilícitas
(tráfico de armas, pessoas, contrabando, drogas, corrupção e
terroristas), cujas taxas de subornos podem alcançar cerca de 2 bilhões
anuais. Segundo estudos realizados, a fuga de capitais gera prejuízos
aos cofres públicos em torno de US$ 800 bilhões ao ano, quase três vezes
mais do que a quantidade de recursos necessária para acabar com a fome
no mundo[1].
Pelo
curso da desregulamentação imposta pelo receituário neoliberal,
terminam vazando os recursos conduzidos por empresas multinacionais para
o investimento corporativo fantasma que soma cerca de US$ 15 trilhões,
ultrapassando em 1/3 o total dos investimentos globais voltados para a
economia real. Apenas oito países considerados paraísos fiscais de
passagem do dinheiro (Holanda, Luxemburgo, Hong Kong SAR, Ilhas Virgens
Britânicas, Bermuda, Ilhas Cayman, Irlanda e Cingapura) absorvem mais de
80% desse tipo de aplicação financeira no mundo.
O caso de
Luxemburgo parece exemplar, pois contando com população de apenas 600
mil habitantes concentra US$ 4 trilhões em investimentos estrangeiros, o
que equivale a soma dos Estados Unidos, cuja população se aproxima de
330 milhões de pessoas. Em países como o Brasil, por exemplo, mais da
metade do investimento estrangeiro direto externo recebido passa por
entidade estrangeira sem substância econômica, conforme alerta o próprio
FMI[2].
Essa
situação tem se agravado muito mais a partir da crise do capitalismo de
2008, quando os paraísos fiscais passaram a ser alternativas mais
interessantes aos ricos esconder ativos no exterior do que obter ganhos
legais na economia global. A agregação no PIB oficial dos países da
contabilidade de riqueza depositada nas contas de offshore faz alterar
profundamente as medidas oficiais das desigualdades existentes, o que
revela grau absurdo de concentração da renda e riqueza.
Diante
da heterogeneidade da aplicação da riqueza nas contas em offshore, que
varia de 15% na Escandinávia e Europa Continental até mais de 50% na
Rússia e em alguns países do Oriente Médio e da América Latina, os
efeitos na desigualdade de renda e riqueza são distintos. O progresso na
redução do sigilo bancário, por exemplo, permitiria maior transparência
estatística nas informações sobre o grau de desigualdade no capitalismo
atual.
Para além dessa faceta da inovação financeira trazida
pela globalização, destaca-se também a epidemia que infecta parcela
significativa das firmas, convertendo-as em empresas zumbis. Isto é,
empresas que operam funcionalmente nos mercados, embora em estado de
crescente decomposição, pois não conseguem, através do seu lucro
operacional, suportar as despesas com juros, sobrevivendo
artificialmente por empréstimos, sobretudo após a crise global de 2008.
Nos Estados Unidos, cerca de 20% de suas empresas se encontram na situação de Zumbis[3],
sem viabilidade financeira, enquanto no Brasil a intransparência é
enorme, dificultando a precisão na definição. De acordo como a Serasa
Experian, 6,1 milhões de empreendimentos estariam com dívidas
consolidadas, enquanto 20% do total dos CNPJ’s seriam zumbis, pois tendo
deixado de existir, continuariam vivos oficialmente.
Na Índia,
por outro lado, 26% das empresas estariam classificadas por empresas
zumbis, enquanto na Indonésia seriam 24%, na Coreia do Sul 18% e 3% no
Japão. Sob a lógica do capitalismo atual de sustentar lucros aos
acionistas por dividendos e recompras de ações, as despesas tendem a
crescer mais que o aumento das receitas, tornando maiores as dívidas
corporativas, mais dependentes do refinanciamento, bem como da condição
de zumbis.
A política governamental de gestão capitalista de
instituições fantasmas ou mortas-vivas, conforme adotada por diversos
países, tem permitido a sobrevida de empresas zumbis pela rolagem
financeira, sob a expectativa que elas possam ser reanimadas. Com o
refinanciamento facilitado pelos bancos centrais independentes, os
bancos não declaram prejuízos, financiando as dívidas de baixo custo
para manter vivas as empresas altamente endividadas e de baixo
desempenho, pois sem isso, já teriam falido.
Marcio Pochmann é Professor da UFABC e do Cesit/Unicamp
***
[1]. Mais detalhes em: Cobham, A. ; Janský, P. (2017) Measuring Misalignment. Development Policy Review, 37 (1): 91–110; Lane, P. ; Milesi-Ferretti, G. (2018) The External Wealth of Nations Revisited. IMF Economic Review, 66 (1): 189–222; FAO (2016) State of Food Security and Nutrition in the World.
[2]. Ver: Damgaard, J. ; Elkjaer, T. (2017) The Global FDI Network. IMF Working Paper 17/258; Damgaard, J. et al. (2018) Piercing the Veil. Finance & Development. Vol. 55, No 2; Zucman, G. et al. (2017) Who Owns the Wealth in Tax Havens? Journal of Public Economics
[3].
A definição de empresa zumbi resulta do índice de cobertura de juros
(ICJ) que relaciona o lucro antes dos juros e tributos (LAJIR ou EBIT em
inglês) com as despesas de juros (DJ). Se o índice estiver próximo ou
abaixo de 1, a empresa seria considerada zumbi, pois não consegue pagar
os juros das dívidas contraídas. , somente respirando por aparelhos.
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