Manlio Dinucci: Joe Biden, Aprendiz de Feiticeiro Nuclear
Os submarinos de propulsão nuclear dos EUA são concebidos para serem equipados com mísseis nucleares Trident D5.
Rede Voltaire | Roma (Itália) | 22 de Setembro de 2021
A primeira reacção ao anúncio do projecto AUKUS foi a da França: assim, ela perde um contrato de 90 biliões de dólares, estipulado com a Austrália, para o fornecimento de 12 submarinos Barracuda, de propulsão convencional. Paris, acusando ter sido apunhalada pelas costas, retirou os seus Embaixadores dos EUA e da Austrália. A atenção política e mediática tem-se concentrado na disputa entre Paris e Washington, deixando na sombra as implicações do projecto AUKUS.
Em primeiro lugar, não é credível que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha fornecessem à Austrália, a tecnologia mais avançada para construir, pelo menos, oito submarinos nucleares da última geração, com um custo unitário de cerca de 10 biliões de dólares, para os equipar apenas com armamento convencional (não nuclear). É como se fornecessem porta-aviões à Austrália, incapazes de transportar aviões. Na realidade os submarinos terão tubos de lançamento adequados tanto para mísseis não nucleares como para mísseis nucleares. O Primeiro Ministro Morrison já anunciou que a Austrália irá adquirir rapidamente, através dos EUA, "a capacidade de ataque de longo alcance" com mísseis Tomahawk e mísseis hipersónicos, que podem ser armados tanto com ogivas convencionais como com ogivas nucleares.
Naturalmente, os submarinos australianos também poderão lançar mísseis balísticos USA Trident D5, com os quais os submarinos americanos e britânicos estão armados. O Trident D5 tem um alcance de 12.000 km e pode transportar até 14 ogivas termonucleares independentes: W76 (de 100 kt) ou W88 (de 475 kt). O submarino de ataque nuclear Columbia, cuja construção foi iniciada em 2019, tem 16 tubos de lançamento para os Trident D5, pelo que tem capacidade para lançar mais de 200 ogivas nucleares capazes de destruir outros tantos alvos (bases, portos, cidades e outros).
Neste contexto, é evidente que Washington cortou Paris do fornecimento de submarinos à Austrália não simplesmente por razões económicas (favorecer as suas próprias indústrias de guerra), mas para fins estratégicos: passar para uma nova fase de escalada militar contra a China e contra a Rússia no "Indo-Pacifico", mantendo o comando absoluto da operação. Cancelado o fornecimento de submarinos franceses de propulsão convencional, obsoleto para esta estratégia, Washington iniciou o que a ICAN-Austrália denuncia como "a crescente nuclearização da capacidade militar da Austrália". Uma vez operacionais, os submarinos nucleares australia-nos serão efectivamente colocados na cadeia de comando norte-americana, que decidirá o seu emprego. Estes submarinos, cujo verdadeiro armamento ninguém será capaz de controlar, aproximando-se das costas da China, em profundidade e silenciosamente e também das da Rússia, poderiam atingir os principais alvos nestes países em poucos minutos com uma capacidade destrutiva igual a mais de 20.000 bombas de Hiroshima.
É fácil de prever qual será a primeira consequência. A China, que de acordo com o SIPRI, possui 350 ogivas nucleares em comparação com as 5.550 dos Estados Unidos, irá acelerar o desenvolvimento quantitativo e qualitativo das suas forças nucleares. O seu potencial económico e tecnológico permite-lhe equipar-se com forças nucleares comparáveis às dos Estados Unidos e da Rússia. Isto deve-se ao aprendiz de feiticeiro Biden que, ao lançar o "projecto chave" dos submarinos nucleares na Austrália, exalta "a liderança de longa data dos Estados Unidos na não-proliferação global".
Maria Luísa de Vasconcellos
Il Manifesto (Itália)
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