Thierry Meyssan: Dois tipos de política estrangeira

  

O filósofo Aristóteles formou o Imperador Alexandre o Grande ensinando-o a respeitar as culturas e os dirigentes dos países conquistados. O seu império, tão particular, jamais explorou os seus súbditos.

Rede Voltaire | Paris (França) | 6 de Julho de 2021 

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 Nas relações internacionais, todos os séculos são marcados pelas iniciativas de alguns homens de excepção. A maneira como eles encaram as relações externas do seu país repousa sobre princípios comuns.

Tomemos como exemplos recentes os casos do Indiano Jawaharlal Nehru, do Egípcio Gamal Abdel Nasser, do Indonésio Sukarno, do Chinês Chou Enlai, do Francês Charles De Gaulle, do Venezuelano Hugo Chávez, e hoje em dia do Russo Vladimir Putin ou do Sírio Bashar al-Assad.

Identidade ou Geopolítica

Em primeiríssimo lugar, estes homens procuraram desenvolver os seus países. Eles não assentaram a sua política externa numa estratégia geopolítica, mas sobre a identidade dos seus países. Ao contrário, o actual Ocidente encara as relações internacionais como um tabuleiro de xadrez em que se poderá impor uma Ordem Mundial através de uma estratégia geopolítica.

O termo « geopolítica » foi criado no fim do século XIX pelo Alemão Friedrich Ratzel. Foi ele quem inventou igualmente o conceito de « espaço vital » caro aos nazis. Segundo ele, era legítimo dividir o mundo em grandes impérios, entre os quais a Europa e o Médio-Oriente sob dominação alemã.

Em seguida, o Norte-Americano Alfred Mahan sonhou com uma geopolítica fundada sobre o controle dos mares. Ele influenciou o Presidente Theodore Roosevelt que lançou os Estados Unidos numa política de conquista dos estreitos e canais transoceânicos.

O Britânico Halford John Mackinder concebe o planeta como uma “terra principal” (a África, a Europa e a Ásia) e duas grandes ilhas (as Américas e a Austrália). Ele defende que o controle da terra principal não é possível a não ser conquistando a grande planície da Europa Central e da Sibéria Ocidental.

Finalmente um quarto autor, o Norte-Americano Nicolas Spykman, tentará uma síntese das duas precedentes. Ele influenciará Franklin Roosevelt e a política de “contenção” contra a União Soviética, quer dizer a Guerra Fria. Ele foi continuado por Zbigniew Brzezinski.

A geopolítica no sentido estrito do termo não é pois uma ciência, mas uma estratégia de dominação.

Smart power (Poder inteligente)

Se voltarmos aos exemplos dos grandes homens dos séculos XX-XXI que foram aclamados não só em casa, mas no estrangeiro, pela sua política externa, constatamos que ela não estava ligada às suas capacidades militares. Eles não tentaram conquistar ou anexar novos territórios, mas difundir a imagem que tinham do seu próprio país e da sua cultura. Claro, se dispusessem de um exército poderoso —portanto da bomba atómica— como De Gaulle e Putin, poderiam fazer-se escutar melhor. Mas isso não era o essencial para eles.

Cada um destes grandes homens desenvolveu também a cultura do seu país (Charles De Gaulle com André Malraux). Para eles, era muito importante engrandecer as criações artísticas do seu país e unir seu povo à volta delas. Depois, projectar a sua cultura no estrangeiro.

De certa maneira, é o «poder inteligente» (Smart Power) de que falava o Norte-Americano Joseph Nye. A cultura é tão importante como os canhões, desde que se saiba como utilizá-la. Por que é que ninguém pensa atacar o Vaticano, que não tem exército? Porque isso chocaria o mundo inteiro.

Igualdade

Os Estados são como os homens que os compõem. Eles desejam a paz, mas guerreiam-se com facilidade. Eles aspiram à aplicação de certos princípios, mas negligenciam-nos por vezes consigo mesmos e mais ainda com os outros.

Quando no fim da primeira Guerra Mundial foi criada a Sociedade das Nações (SDN), todos os Estados-membros foram declarados iguais, mas os Britânicos e os Norte-Americanos recusaram considerar todos os Povos como iguais perante o Direito. Aliás, foi a sua recusa que suscitou o expansionismo japonês.

Claro, a Organização das Nações Unidas, que substituiu a SDN na sequência da Segunda Guerra Mundial, avalizou a igualdade dos povos, mas não os Anglo-Saxões com a sua prática. Hoje em dia os Ocidentais criam organizações intergovernamentais sobre todos os assuntos, por exemplo, a liberdade da imprensa ou a luta contra a cibercriminalidade. Mas fazem-no entre si, excluindo dai as outras culturas, nomeadamente a russa e a chinesa. Criam estas organizações para as fazer substituir os fóruns das Nações Unidas onde todos estão representados.

Que ninguém se engane: é, por exemplo, legítimo reunir o G7 para se entender com os amigos, mas já não é aceitável, de forma alguma, pretender definir as regras da economia mundial. Sobretudo excluindo da reunião a maior economia mundial, a China.

O Direito e as regras

A ideia de um regulamento jurídico das relações internacionais foi promovida pelo Czar russo, Nicolau II. Foi ele quem convocou, para a Haia (Países Baixos), a Conferência Internacional de Paz de 1899. Os republicanos franceses radicais, conduzidos pelo futuro Prémio Nobel da Paz Léon Bourgeois, lançaram lá as bases do Direito Internacional.

A ideia é simples: apenas são aceitáveis os princípios adoptados de comum acordo, nunca os impostos pelos mais fortes. Estes princípios devem reflectir a diversidade da humanidade. Assim, o Direito Internacional começou com czaristas e republicanos, Russos e Franceses.

No entanto, esta ideia foi pervertida com a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (autoproclamado «o único centro legítimo de tomada de decisões»), depois com a do Pacto de Varsóvia. Estas duas alianças (a OTAN desde a sua criação, o Pacto a partir da doutrina Brezhnev) não passavam de «arranjos de defesa colectiva destinados a servir os interesses particulares das grandes potências». Nesse sentido, elas violam formalmente a Carta da ONU. Daí a Conferência de Bandung (1955) no decurso da qual os não-alinhados redefiniram os princípios de Haia.

Este problema ressurge hoje em dia, não que haja um novo movimento para escapar à Guerra Fria, mas, pelo contrário, porque desta vez os Ocidentais querem regressar a uma Guerra Fria contra a Rússia e a China.

De forma sistemática, em todos os seus comunicados finais, as cimeiras das potências ocidentais já não se referem ao Direito Internacional, mas a «regras», jamais explicitadas. Estas regras, contrárias ao Direito, são promulgadas a posteriori de acordo com o interesse pelos Ocidentais. Aí, eles falam de «multilateralismo eficaz», quer dizer uma violação de princípios democráticos da ONU na prática.

Assim, uma vez que o Direito Internacional reconhece o direito dos povos à autodeterminação, os Ocidentais reconheceram a independência do Kosovo, sem um referendo e em violação de uma resolução do Conselho de Segurança, mas eles rejeitaram a independência da Crimeia, portanto, aprovada em referendo. As regras ocidentais são, pois, o «Direito a pedido».

Os Ocidentais pretendem que todos os países respeitem a igualdade dos seus habitantes perante a Lei, mas opõem-se ferozmente à igualdade entre os Estados.

O imperialismo ou o patriotismo

Os Ocidentais, que se autoproclamam « campo da democracia liberal » e de « comunidade internacional », acusam todos os que lhes resistem de serem « nacionalistas autoritários ».

Seguem-se distinções artificiais e amálgamas grotescas com o único propósito de legitimar o imperialismo. Então, porquê opor democracia e nacionalismo? Com efeito, só pode haver democracia dentro de um quadro nacional. E, porquê associar nacionalismo e autoritarismo? Apenas para desacreditar as nações.

Nenhum dos grandes dirigentes que mencionei era norte-americano ou colaboracionista. Antes de mais, aí é que está a chave.

Tradução
Alva

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Thierry Meyssan

Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

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