Na hora H, Anvisa adia retirada de produtos com gorduras trans das prateleiras
Por Maíra Mathias - O Joio e O Trigo - 01/07/2021Regras valem apenas para produtos fabricados daqui para frente, e deixam
de lado bilhões de ultraprocessados já produzidos e disponíveis nas
prateleiras - Edilson Rodrigues/Agência Senado
A regulação das gorduras trans industriais entra em vigor nesta quinta-feira (1) em todo o país. Mas, se você pensou que, com isso, estaria finalmente a salvo dos produtos que usam e abusam deste aditivo que todos os anos mata 500 mil pessoas no mundo é porque não contava com a astúcia da Anvisa.
A poucas semanas da implementação da norma, a agência reguladora brasileira deu um jeitinho de atender aos interesses da indústria de alimentos e óleos refinados, acendendo o sinal verde para que produtos com níveis perigosos de gordura trans fabricados até esta quarta (30) possam ser comercializados até 31 de dezembro de 2022.
Com isso, as empresas não precisarão recolher bilhões de itens das prateleiras. A indústria sai ganhando, e a população paga a fatura.
“A Anvisa acabou frustrando as expectativas daqueles mais conscientes sobre o tema, que imaginavam que estariam efetivamente menos expostos aos produtos com gordura trans a partir de julho”, lamenta, em nota, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Para que não reste nenhuma dúvida de para onde se voltam as preocupações da diretoria colegiada da agência, basta examinar o que se disse na reunião do dia 26 de maio, quando a decisão foi tomada.
Nas palavras da diretora Meiruze Sousa Freitas, o libera geral evita “danos imediatos e de difícil reparação” aos… fabricantes de alimentos.
Já a diretora Cristiane Rose Jourdan Gomes demonstrou que está mais atenta à questão do “escoamento dos produtos e embalagens” do que com a saúde dos consumidores desses produtos e embalagens. Ela também recorreu ao lugar comum da “segurança jurídica” para elogiar a liberação.
Adepto da modalidade discursiva do cinismo radical, Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa, comemorou o fato de a agência não se esquecer da “alimentação do cidadão brasileiro” mesmo estando às voltas com as muitas decisões relacionadas à pandemia.
“É lógico que um organismo bem alimentado, bem nutrido tem condições de imunidade superiores e, portanto, condições de se defender diante de infecções virais, bacterianas ou de qualquer outra natureza”, afirmou.
Fica difícil entender como esticar em mais um ano e meio a venda de produtos feitos à base de um aditivo que aumenta o risco de doença coronariana em 21%, engrossando o cordão das pessoas com comorbidades para a covid-19, pode contribuir para isso.
No entendimento da Organização Mundial de Saúde (OMS), a necessidade de proteger a população de doenças crônicas não transmissíveis redobrou com a pandemia, e os esforços pela eliminação das gorduras trans industriais deveriam ser acelerados.
As regras de eliminação foram aprovadas pela agência em dezembro de 2019. A resolução da diretoria colegiada (RDC) 332 foi antecedida por um processo regulatório que durou nada menos do que 20 meses e envolveu tanto representações de fabricantes quanto de consumidores e pesquisadores.
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