Cuidado materno é reconhecido como trabalho e contará tempo para aposentadoria na Argentina
A Argentina anunciou que ampliará sua cobertura previdenciária para incluir as mulheres que dedicaram a vida aos cuidados dos filhos e não conseguiram se aposentar pelas regras atuais. De acordo com a Administração Nacional de Seguridade Social (Anses), o Programa Integral de Reconhecimento de Tempo de Serviços por Tarefas Assistenciais compreende o cuidado materno como trabalho e somará anos para a aposentadoria. As informações são do site Diálogos do Sul.
O cálculo das autoridades é que, inicialmente, 155 mil mulheres que hoje não têm renda previdenciária sejam beneficiadas com a medida. O programa contemplará mães, com 60 anos ou mais, que não puderam completar os 30 anos de atuação no mercado de trabalho necessários. O reconhecimento somará um ano de aporte para cada filho ou filha e até dois anos por filho adotivo ou com deficiência. A medida inclui três anos caso a mãe tenha recebido o abono universal para crianças (AUH) por pelo menos 12 meses. O benefício é destinado a responsáveis que estejam desempregados ou tenham baixa renda.
As trabalhadoras com carteira assinada que recorreram à licença-maternidade também poderão incorporar o período em que estiveram afastadas como tempo de serviço. A previsão da Anses é que a medida entre em vigor a partir de 1º de agosto.
Reparação das desigualdades
Durante um evento, a diretora-executiva do órgão público, Fernanda Raverta, classificou a medida como uma forma de “reparação das desigualdades estruturais que as mulheres enfrentam ao longo da vida”. Segundo a executiva, estas barreiras “derivam, muitas vezes, da sobrecarga de tarefas domésticas e das desigualdades no mercado de trabalho”. Ao todo, a Argentina contabiliza aproximadamente 300 mil mulheres, entre 59 a 64 anos, que não têm acesso à aposentadoria por não terem o período completo de contribuição exigido.
“É uma bela política que temos desenvolvido para as mulheres argentinas que dedicam parte de seu tempo ao cuidado de seus filhos e que tem a ver com reparar a desigualdade. Mulheres e homens não têm as mesmas oportunidades. Além disso, esta medida destaca que, de fato, as mulheres trabalham mais e reconhecem o valor do cuidado para o direito de acesso à aposentadoria”, explicou.
A perspectiva de gênero no sistema previdenciário também já é uma realidade no Uruguai. No ano passado, relatório da Oxfam evidenciou que as economias no mundo, em geral, são sexistas. Levantamento da entidade mostrou que donos de grandes fortunas acumulam riquezas às custas da população que mais faz trabalho não remunerado: mulheres e meninas. A avaliação é que essa população ainda é a principal responsável na divisão do trabalho, com 75%, pelo cuidado de alimentar, cozinhar, arrumar, cuidar da pessoa doente e dos filhos.
Trabalho de cuidado invisível
Pelo menos 12,5 bilhões de horas são dedicadas, todos os dias, a esse trabalho de cuidado não remunerado pelo mundo. A Oxfam aponta que, se fossem pagas, a economia global receberia uma contribuição de, pelo menos, US$ 10,8 bilhões por ano. Quase a metade dessa população, 42%, não consegue emprego porque ocupa todo seu tempo com trabalho de cuidado e do lar. Uma realidade para apenas 6% dos homens.
Com o reconhecimento argentino do cuidado materno como trabalho, nas redes sociais, personalidades políticas repercutiram as diferenças com o Brasil. O economista Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), chamou atenção para a inversão das prioridades entre os vizinhos latinos.
“A Argentina regula a mídia, tributa ricos e concede ao trabalho de reprodução em casa, como cuidados de filhos às mães, o direito à aposentadoria. No Brasil, a mídia comercial monopoliza o neoliberalismo, a proposta de reforma tributária salva ricos e direitos sociais são perdidos”, ironizou. A ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) ressaltou que a conquista legislativa é resultado do avanço da luta das mães.
Onda argentina
Em dezembro de 2020, a Argentina também chamou a atenção mundial ao legalizar a interrupção voluntária e gratuita da gestação até a 14ª semana. Os avanços na pauta de gênero foram alvos de discursos de ódio do campo bolsonaristas. Mas, seis meses depois da aprovação do aborto, a ministra de Mulheres, Gêneros e Diversidade do país, Elizabteh Gómez Alcorta, divulgou dados comprovando que nenhuma mulher morreu desde então no país após ele deixar de ser feito de maneira ilegal e clandestina.
Nesta terça-feira (20), o congresso de Veracuz, no estado do México, também aprovou a descriminalização do aborto. Nas redes, movimentos e mulheres registraram a expectativa de que as mudanças vizinhos cheguem ao Brasil. “Que os ventos argentinos soprem aqui. Viva a luta feminista!’, destacou, esperançosa a deputada federal Taliria Petrone (Psol-RJ).
Redação: Clara Assunção
Comentários