Brad Stone: Jeff Bezos nos envolveu e nos devorou a todos

 

Créditos da foto: Bezos na Índia, em 2015 (Anushree Fadnavis/Reuters)
Por Charles Kaiser - na Carta Maior 

 Brad Stone, um destacado editor na Bloomberg News, publicou seu segundo livro sobre o que pode ser o mais bem sucedido negócio do século 21. Quando o primeiro livro, The Everything Store, saiu em 2013, o fundador da Amazon Jeff Bezos tinha a “insignificante” fortuna de US$ 27 bilhões. Este número subiu agora para US$ 190 bilhões, 70% a mais do que no começo da pandemia.

Em uma década, a Amazon transformou-se numa versão exagerada da Engulf & Devour (Envolver e Devorar), o conglomerado com cabeça de hidra inventado por Mel Brooks. Era uma vez quando apenas a Barnes & Noble estava ameaçada pela Amazon, no reino da venda de livros online. Hoje, a Amazon faz tremer tudo, de lojas de departamento a supermercados, de produtoras de filmes de Hollywood até viagens espaciais.



O maior ato de cidadania de Bezos foi sem dúvida o resgate e ressurreição do Washington Post, um dos grandes jornais dos EUA e do qual, ao contrário de todos os outros negócios em que está ligado, ele se mantém admiravelmente à distância. Entre seus triunfos empresariais está a invenção da assistente virtual Alexa e sua altamente rentável computação em nuvem, tão bem sucedida que ele tentou por anos esconder seus ganhos a fim de impedir que Google e outros percebessem o grande negócio que ela era.

Mas a Amazon também tem lutado contra sindicatos em todo país onde possui um grande depósito, buscado bilhões em isenção de impostos e reduzido a oportunidade de opções de ações para os trabalhadores horistas, apesar de Bezo alardear que aumentou o valor mínimo da hora para US$ 15 (nos EUA).

Stone reconhece que a gigantesca fortuna de Bezos levanta “questões inquietantes sobre a distribuição assimétrica de dinheiro e poder”. Com uma capitalização de mercado superior a US$ 1.5 trilhão, a Amazon encarna tudo de grande e terrível sobre o mundo moderno. Ela tornou-se “um referendo sobre as responsabilidades que as grandes companhias têm em relação a seus empregados... e a santidade de nossa frágil nave”. Bezo está “impelindo o mundo para um excitante futuro” ou “ajudando a cancelar... a própria livre iniciativa”.

A maior parte deste agradável livro é devotada aos sucessos de Bezos. É inegável que ele levou a sinergia e a construção de uma marca em direções nunca antes pensadas. Por exemplo, muitos colegas ficaram céticos quando a Amazon começou a investir bilhões de dólares anualmente no Prime Video. Mas Bezos percebeu que ele ajudava não apenas a manter os consumidores do Prime, uma fonte vital de rendas, mas também melhorava suas outras marcas.

“Quando ganhamos um Globo de Ouro, vendemos mais sapatos,” explicou.

Por outro lado, a única coisa que parecia fazer com que ele melhorasse as condições de seus trabalhadores era a exposição periódica na mídia.

Quando um de seus executivos propôs a instalação de modestos ar condicionados em seus depósitos, Bezos rechaçou a ideia porque seria custosa demais. Mas o jornal Morning Call of Allentown, Pennsylvania, divulgou que trabalhadores estavam passando mal no depósito de Lehigh Valley e sendo levado para hospitais em ambulâncias que a companhia mantinha em prontidão. Só então Bezos aprovou uma instalação de ar condicionado de US$ 52 milhões – “estabelecendo um padrão de só fazer mudanças depois de ler críticas na mídia”, escreveu Stone.

A Amazon domina tantos negócios diferentes que acabou inspirando o interesse pela renovação da lei antitruste, nos EUA e na Europa. Uma estudante, Lina Khan, teve um papel-chave quando publicou um artigo de 93 páginas no Yale Law Journal. Khan destacou que ao contrário de monopólios anteriores, cuja fatia do mercado acabava encarecendo os produtos para os consumidores, o principal dano que a Amazon tem feito vem da incansável diminuição dos preços, a fim de “sangrar até a morte competidores e aumentar sua parcela no mercado”.

Khan foi contratada pelo subcomitê antitruste da Câmara dos Representantes dos EUA, que forçou Bezos a testemunhar no Congresso. Sua aparição permitiu memorável pergunta de Lucy McBath, uma democrata da Geórgia: “Se a Amazon não tivesse poder de monopólio sobre esses pequenos empresários, você acha que eles manteriam uma relação que é marcada por intimidação, medo e pânico?”

Bezos rejeitou a “premissa” da questão, mas ela inspirou Stone a entrevistar diversos empresários independentes que originalmente elogiavam a contribuição da Amazon para o pequeno negócio. Muitos mudaram de opinião.

Paul Saunders, um produtor de utilidades domésticas de alta qualidade e um ex-propulsor da Amazon, agora relata que taxas crescentes, anúncios caros e competição direta com a Amazon Basic engoliram seus lucros.

O comitê do Congresso descobriu as mesmas práticas e montou um “caso persuasivo de que as grandes plataformas tecnológicas arbitrariamente e em interesse próprio controlam nosso discurso político, nossa vida financeira e a renda de incontáveis pequenas empresas”.

Existe uma clara e convincente necessidade de uma ação antitruste que “restaure a competição”, concluiu o comitê. E num sinal alvissareiro que o presidente Biden está ouvindo, ele nomeou Khan como comissária da Comissão Federal de Comércio.

A Amazon é hoje tão impopular que democratas e republicanos se uniram no comitê do Senado para aprovar sua nomeação.

*Publicado originalmente em 'The Guardian' | Tradução de Carlos Alberto Pavam

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