Paulo Kliass: Esses bancos, pobres bancos
Créditos da foto: (Gerd Altmann/Pixabay) |
A cada nova divulgação dos resultados dos conglomerados que o integram, o sistema financeiro parece confirmar a crença, cada vez mais aceita, de que os mesmos vivem e atuam em um universo paralelo. É mesmo impressionante a sua capacidade de se manter à parte da desgraça toda que se abateu sobre a sociedade e sobre a economia brasileiras ao longo dessa terrível pandemia. As empresas do setor produtivo marcam índices inéditos de falências, o desemprego atinge recordes atrás de recordes, os indicadores de miséria avançam a cada dia, o Brasil volta ao mapa da fome e os lucros dos bancos não param de crescer.
É bem verdade que tal hegemonia arrasadora do financismo sobre todo o mundo real vem de muito longe. Não se trata de mais um fenômeno surgido na efervescência destruidora do coronavírus. Mas o fato concreto é que a crise atual, aprofundada pela doença desde março do ano passado, terminou por nos revelar, mais um vez, a natureza concentradora e desigual do nosso sistema econômico e social. Além dos recordes criminosos do números de casos e mortes por covid, o período também deixou registradas as marcas daqueles que lucraram com o caos e o drama da tentativa desesperada da sobrevivência a que foi submetida a maioria da população.
Ao longo da presente semana foram divulgados os balanços dos resultados econômico-financeiros dos bancos para o primeiro trimestre de 2021. Para a surpresa generalizada de quem não acompanha esse movimento de perto e na rotina, os números exibem um setor que parece não estar nem aí para crise. O comércio tem perdido muito terreno, em especial os pequenos negócios. Os serviços foram afetados de forma brutal, com o encerramento de empresas e suas atividades. O setor industrial também vem perdendo capacidade, sofrendo falências e demitindo seus trabalhadores. Um dos poucos espaços econômicos que não foram tão afetados negativamente agrupam as empresas de atividades exportadoras, em especial aquelas vinculadas ao agronegócio.
O poder do financismo
Pois os bancos apresentaram balanços dignos de provocarem aquela reação que o dito popular chama de “vergonha alheia”. Senão, vejamos. Os 5 maiores conglomerados do setor incluem os 2 maiores bancos comerciais estatais federais. Assim, o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF) figuram nessa lista, ao lado do Itaú-Unibanco, do Bradesco e do Santander. A tabela abaixo exibe os lucros de tais empresas apurados entre janeiro e março deste ano, bem como os valores relativos à mesma variável para igual período do ano passado.
5 Maiores Bancos - Lucro líquido - R$ bilhões
1º Trimestre 2020 e 2021
Como se pode perceber, o quadro expõe com a crueza e a frieza dos números o retrato da espoliação. Apenas 5 instituições apresentaram um lucro líquido superior a R$ 23 bilhões em apenas 3 meses do presente ano. Além do valor bilionário do ganho apurado, chama atenção o crescimento observado em relação ao 2020. Como se sabe, os efeitos sociais, econômicos e sanitários da pandemia no Brasil só começaram a se fazer sentir de forma mais efetiva a partir do final de março. Assim, o primeiro trimestre de 2020 poderia ser considerado como um período “normal”. E mesmo assim, o lucro apurado 12 meses depois, o período mais dramático da covid 19, apresentou um crescimento nada desprezível. O lucro dos 5 maiores elevou-se em 30% ao longo do período.
Caso deixemos à parte o resultado da CEF e do Santander, os números são ainda mais impressionantes. A primeira teve redução do lucro (o que não significa prejuízo) e o crescimento dos ganhos do segundo foi relativamente e pequeno. Porém, Bradesco e Itaú alcançaram elevação de 74% e 64%, respectivamente. E esse desempenho não foi característico apenas da banca privada, uma vez que o BB cresceu 44% durante a pandemia. Vale observar que tais valores bilionários, quando transferidos a seus acionistas sob a forma de lucros e dividendos, estão isentos do recolhimento de imposto de renda. Uma loucura!
Gigantes e poderosos
No entanto, o crescimento do lucro apurado no primeiro trimestre de 2021 não reflete o ocorrido ao longo de todo o exercício de 2020. A tabela abaixo exibe os valores dos lucros anuais obtidos em 2020 e 2019. Assim, percebe-se uma queda dos valores dos ganhos dos 5 maiores bancos, ainda que os valores permanecem sendo bilionariamente elevados. No agregado dos maiores, percebe-se uma redução de 26% nos lucros anuais auferidos, caindo de R$ 107 bi para “apenas” R$ 79 bi. A incógnita permanece relativamente ao que deverá ocorrer ao longo dos 12 meses do presente ano na comparação com ao no anterior. Caso o desempenho do primeiro trimestre siga como tendência, é bem possível que 2021 apresente uma recuperação das diminuições observadas em 2020.
5 Maiores Bancos - Lucro líquido - R$ bilhões
2019 e 2020
De todas as maneiras, o desempenho das instituições financeiras guarda uma relação direta com suas respectivas dimensões. Assim, ainda que tenha ocorrido uma diminuição relativa dos lucros entre 2019 e 2020, o fato relevante é que o patrimônio dos bancos não cessou de crescer. A tabela abaixo nos oferece esse panorama. A média dos 5 maiores apresentou uma elevação de seus ativos da ordem de 17%, saindo de agregado de R$ 6,7 trilhões em 2019 para R$ 7,9 tri em 2020. Esse valor, a título comparativo, é maior do que o próprio Produto Interno Bruto (PIB) apurado para o mesmo ano no Brasil, que foi de R$ 7,4 tri
Apesar de representarem variáveis de dimensões distintas, a relação entre o patrimônio dos 5 maiores bancos e o PIB jamais havia demonstrado a superioridade dos ativos da banca. Para tanto contribuiu o processo recessivo observado no país desde 2015, onde o desempenho do Produto ficou comprometido ou reduzido. Mas também colaborou o crescimento ininterrupto dos lucros e do patrimônio dos bancos. De qualquer forma, o fato reforça o argumento do crescimento desproporcional do poder do financismo, seja em termos econômicos, seja em termos políticos e institucionais.
5 Maiores Bancos - Patrimônio - R$ bilhões
Em um momento onde a maior parte dos países e a sociedade brasileira começam a discutir os rumos a serem adotados pelos atores globais no chamado período pós pandemia, é essencial que sejam redefinidos os limites de atuação do sistema financeiro. Por um lado, para que haja maior eficácia nos mecanismo públicos de sua regulamentação, em direção oposta ao projeto de lei recentemente aprovado pelo Congresso Nacional, que pretende conferir independência ao Banco Central. De outro lado, por uma legislação que seja mais progressiva no sentido da tributação dos bancos, com o objetivo de forçá-los a oferecer uma maior contribuição para o desenvolvimento brasileiro.
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal
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