Ernesto Araújo na CPI da Covid: omissão confessa ante colapso de Manaus

 

Edilson Rodrigues/Agência Senado

 Por Eduardo Maretti, da RBA Publicado 18/05/2021 - 21h12

 Nesta terça-feira (18) o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo foi obrigado a admitir à CPI da Covid a omissão do governo de Jair Bolsonaro diante do colapso da saúde no Amazonas, em janeiro. Teve de falar da viagem de uma comitiva a Israel, chefiada por ele próprio, que pesquisa um spray nasal para tratamento da covid-19. Também sobre o chamado gabinete paralelo, ou “gabinete da doença”. Nesta quarta (19), será a vez do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, depor à comissão. Segundo senadores da oposição, ele está sendo abandonado pelo governo e aliados, incluindo Araújo, e “entregue” como bode expiatório.

Em 19 de janeiro, chegou a Manaus um carregamento de 136 mil metros cúbicos de oxigênio hospitalar doado pela Venezuela, trazido por cinco carretas, para ajudar na superação do completo colapso do sistema de saúde do Amazonas, diante da omissão do governo federal e do Ministério da Saúde. A CPI possui documento do governo venezuelano comprovando a doação. Ernesto Araújo admitiu que além de não ter feito esforços para enviar oxigênio à capital do Amazonas, sequer agradeceu o governo do país vizinho pela ajuda humanitária.

Segundo disse, “o Itamaraty não tem condições de avaliar o momento e em que condições é necessário proceder a essa ou àquela ação em relação ao sistema de saúde, no caso o suprimento de oxigênio”. Nem ele, nem Bolsonaro sequer mobilizaram uma aeronave para fazer o transporte da doação, enquanto as pessoas morriam asfixiadas nos hospitais. Já no início de março, apontou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AMP), vice-presidente da CPI da Covid, em entrevista coletiva após a sessão, Bolsonaro mobilizou uma comitiva de dez pessoas a Israel, sob o comando de Ernesto Araújo, para supostamente averiguar um “um produto milagroso” em forma de spray.

“Um voo da FAB, se o Ministério das Relações Exteriores tivesse interferido, em uma hora ia e voltava. Não fizeram isso. Enquanto a gente não conseguia um voo, o desespero era grande”, afirmou o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM).

Personagens e motivos obscuros

A viagem a Israel custou R$ 500 mil. Realizada sob “motivos obscuros”, segundo Randolfe, levou ao Oriente Médio “personagens que nada tinham a ver nem com vacina nem remédio contra a covid”. O governo “mobilizou uma aeronave da FAB e não trouxe nada”, disse. “Por que foi tão fácil mandar uma aeronave para Israel e não se cuidou disso para o Amazonas?”, questionou o vice-presidente da CPI. Randolfe quis saber do ex-chanceler o que fazia na comitiva um homem chamado Max Moura. Araújo respondeu que “é assessor direto do presidente da República”. Ex-policial, Moura foi segurança de Bolsonaro na campanha de 2018 e trabalha no gabinete pessoal do presidente.

Na coletiva, Randolfe mencionou outro personagem “obscuro”. Elcio Franco – ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde – fazia parte do “’gabinete das sombras’, em contraposição ao Ministério da Saúde, que despachava e fazia reuniões no Planalto, fazia políticas públicas e pensava até em modificar bula (de remédio) por decreto, enquanto o Ministério da Saúde não podia negociar vacina”, disse o senador.

Segundo a agência Reuters, Franco recebia informações sobre negociações de vacinas do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do ministério, Hélio Angotti Neto. Franco então as repassava a Pazuello, segundo a agência. A CPI aprovou hoje as convocações de Angotti e Élcio Franco. O chamado “gabinete paralelo” e a tentativa de mudar a bula da cloroquina, para ser usada no tratamento da covid, foram denunciados pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, na primeira oitiva da CPI.

“O Ministério das Relações Exteriores se tornou um apêndice do ‘gabinete da doença’, muito bem batizado pelo senador Renan, que atuava negando a gravidade da pandemia, transformando o Instituto Alexandre Gusmão (escola de diplomacia do Itamaraty), numa espécie de Politburo do negacionismo”, disse Randolfe, referindo-se ao comitê central do partido comunista da antiga União Soviética.

Ataques à China

No seu depoimento, Araújo foi várias vezes questionado por seus ataques à China, assim como os de Bolsonaro. Ao responder à senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) sobre seu artigo intitulado “Chegou o comunavírus”, no qual defendeu que a covid-19 era uma conspiração “globalista” para levar o mundo ao comunismo, o ex-chanceler afirmou que a “leitura” da parlamentar foi “incorreta”. “A leitura do meu artigo deixa claro que ( comunavírus) é uma designação que usei para falar do vírus ideológico que, segundo um autor marxista, se implanta na esteira do coronavírus e levaria à instalação de um comunismo global”, explicou. Segundo ele, o texto não é “absolutamente nenhuma ofensa à China”. Acrescentou: “jamais ofendi o embaixador chinês”.

Em março de 2020, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) culpou a China pela pandemia em post no Twitter. O embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, exigiu desculpas e repudiou “veementemente” o post. Araújo  saiu em defesa do filho do presidente, pedindo retratação do diplomata chinês e classificando-a de “inaceitável” e “desproporcional”.

Pazuello

Segundo Renan Calheiros, Ernesto Araújo complicou a situação de Eduardo Pazuello na CPI da Covid, ao atribuir vários problemas do combate à pandemia no Brasil ao ex-ministro da Saúde. O movimento pela cloroquina foi um deles. Questionado por que o país aderiu à Covax Facility (iniciativa coordenada pela iniciativa da OMS) optando por doses apenas para 10% da população, e não 50%, como foi oferecido, disse que a opção foi do Ministério da Saúde. “Pazuello está sendo entregue, é um bode expiatório”, disse Randolfe  Rodrigues. De acordo com o senador, a chance do ex-ministro e general é falar a verdade. Ele conseguiu um habeas corpus parcial no Supremo Tribunal Federal que o autoriza a não falar contra si mesmo.

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