Carta Maior - 26/02/2021
Por Karl Marx e Friedrich Engels
Para comemorar os 173 anos do tratado
político mais popular e explosivo escrito por Karl Marx e Frederich
Engels, responsável por mudar os rumos da história no século XX,
publicamos na íntegra sua melhor e mais recente tradução
Para comemorar os 173 anos do texto mais popular de Karl Marx e
Friedrich Engels, que mudou os rumos do século XX, publicamos a tradução
de Álvaro Pina e Ivana Jinkings para a edição da Boitempo do Manifesto Comunista.
Publicada em 1998, por ocasião dos 150 anos da manifesto, a edição
inaugurou a Coleção Marx-Engels da editora, que desde então segue se
dedicando à tradução e divulgação das obras de Marx e Engels no Brasil. A
edição impressa conta com organização de Osvaldo Coggiola, ensaios de
Antonio Labriola, Jean Jaurès, Leon Trotsky, Harold Laski, Lucien Martin
e James Petras. Além disso, compila ainda sete prefácios de Marx e
Engels à obra, feitos em diferentes períodos. Em 2017, por ocasião do
centenário da Revolução Russa, a Boitempo publicou uma nova edição do Manifesto Comunista, reunido com as Teses de abril de Vladímir I. Lênin, ambos documentos prefaciados por Tariq Ali.
Após a leitura da obra política mais lida e difundida do mundo, convidamos a conhecer dois manifestos que seguiram os passos do Manifesto Comunista: O manifesto socialista: em defesa da política radical numa era de extrema desigualdade, de Bhaskar Sunkara, publisher de Jacobin Magazine, com orelha de Victor Marques, editor associado da Jacobin Brasil, e Feminismo para os 99%: um manifesto, de Cinzia Arruzza, Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser.
***
Um
espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potências
da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o
tsar, Metternich e Guizot, os radicais da França e os policiais da
Alemanha.
Que partido de oposição não foi acusado de comunista
por seus adversários no poder? Que partido de oposição, por sua vez, não
lançou a seus adversários de direita ou de esquerda a pecha infamante
de comunista?
Duas conclusões decorrem desses fatos:
1a: O comunismo já é reconhecido como força por todas as potências da Europa.
2a:
É tempo de os comunistas exporem, abertamente, ao mundo inteiro, seu
modo de ver, seus objetivos e suas tendências, opondo um manifesto do
próprio partido à lenda do espectro do comunismo.
Com este fim,
reuniram-se, em Londres, comunistas de várias nacionalidades e redigiram
o manifesto seguinte, que será publicado em inglês, francês, alemão,
italiano, flamengo e dinamarquês.
Burgueses e proletários
A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes.
Homem
livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de
corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em
constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora
disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação
revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes
em conflito.
Nas mais remotas épocas da história, verificamos,
quase por toda parte, uma completa estruturação da sociedade em classes
distintas, uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga,
encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média,
senhores, vassalos, mestres das corporações, aprendizes, companheiros,
servos; e, em cada uma dessas classes, outras gradações particulares.
A
sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal,
não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que estabelecer
novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em
lugar das que existiram no passado.
Entretanto, a nossa época, a
época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos
de classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois campos opostos,
em duas grandes classes em confronto direto: a burguesia e o
proletariado.
Dos servos da Idade Média nasceram os moradores dos
primeiros burgos; dessa população municipal saíram os primeiros
elementos da burguesia.
A descoberta da América e a
circumnavegação da África abriram um novo campo de ação à burguesia
emergente. Os mercados das Índias Orientais e da China, a colonização da
América, o comércio colonial, o incremento dos meios de troca e das
mercadorias em geral imprimiram ao comércio, à indústria e à navegação
um impulso desconhecido até então; e, por conseguinte, desenvolveram
rapidamente o elemento revolucionário da sociedade feudal em
decomposição.
A organização feudal da indústria, em que esta era
circunscrita a corporações fechadas, já não satisfazia as necessidades
que cresciam com a abertura de novos mercados. A manufatura a
substituiu. A pequena burguesia industrial suplantou os mestres das
corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações
desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina.
Todavia,
os mercados ampliavam-se cada vez mais, a procura por mercadorias
continuava a aumentar. A própria manufatura tornou-se insuficiente;
então, o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A
grande indústria moderna suplantou a manufatura; a média burguesia
manufatureira cedeu lugar aos milionários da indústria, aos chefes de
verdadeiros exércitos industriais, aos burgueses modernos.
A
grande indústria criou o mercado mundial, preparado pela descoberta da
América. O mercado mundial acelerou enormemente o desenvolvimento do
comércio, da navegação, dos meios de comunicação. Esse desenvolvimento
reagiu, por sua vez, sobre a expansão da indústria; e, à medida que a
indústria, o comércio, a navegação e as vias férreas se desenvolviam,
crescia a burguesia, multiplicando seus capitais e colocando num segundo
plano todas as classes legadas pela Idade Média.
Vemos, pois,
que a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de
desenvolvimento, de uma série de transformações nos modos de produção e
circulação.
Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia foi
acompanhada de um progresso político correspondente. Classe oprimida
pelo despotismo feudal, associação armada e autônoma na comuna, aqui
república urbana independente, ali terceiro Estado tributário da
monarquia; depois, durante o período manufatureiro, contrapeso da
nobreza na monarquia feudal ou absoluta, base principal das grandes
monarquias, a burguesia, com o estabelecimento da grande indústria e do
mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva
no Estado representativo moderno. O executivo no Estado moderno não é
senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.
A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário.
Onde
quer que tenha conquistado o poder, a burguesia destruiu as relações
feudais, patriarcais e idílicas. Rasgou todos os complexos e variados
laços que prendiam o homem feudal a seus “superiores naturais”, para
deixar subsistir apenas, de homem para homem, o laço do frio interesse,
as duras exigências do “pagamento à vista”. Afogou os fervores sagrados
da exaltação religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo
pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade
pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades,
conquistadas duramente, por uma única liberdade sem escrúpulos: a do
comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração dissimulada por ilusões
religiosas e políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta,
direta, despudorada e brutal.
A burguesia despojou de sua auréola
todas as atividades até então reputadas como dignas e encaradas com
piedoso respeito. Fez do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do
sábio seus servidores assalariados.
A burguesia rasgou o véu do sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a meras relações monetárias.
A
burguesia revelou como a brutal manifestação de força na Idade Média,
tão admirada pela reação, encontra seu complemento natural na ociosidade
mais completa. Foi a primeira a provar o que a atividade humana pode
realizar: criou maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os
aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu expedições que
empanaram mesmo as antigas invasões e as Cruzadas.
A burguesia
não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de
produção, por conseguinte as relações de produção e, com isso, todas as
relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção
era, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as
classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção,
esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e
essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as
precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e
cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de ideias secularmente
veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de
se consolidarem. Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar,
tudo o que era sagrado é profanado e os homens são finalmente obrigados a
encarar sem ilusões a sua posição social e as suas relações com os
outros homens.
Impelida pela necessidade de mercados sempre
novos, a burguesia invade todo o globo terrestre. Necessita
estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em
toda parte.
Pela exploração do mercado mundial, a burguesia
imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os
países. Para desespero dos reacionários, ela roubou da indústria sua
base nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e
continuam a ser destruídas diariamente. São suplantadas por novas
indústrias, cuja introdução se torna uma questão vital para todas as
nações civilizadas – indústrias que já não empregam matérias-primas
nacionais, mas, sim, matérias-primas vindas das regiões mais distantes, e
cujos produtos se consomem não somente no próprio país, mas em todas as
partes do mundo. Ao invés das antigas necessidades, satisfeitas pelos
produtos nacionais, surgem novas demandas, que reclamam para sua
satisfação os produtos das regiões mais longínquas e de climas os mais
diversos. No lugar do antigo isolamento de regiões e nações
autossuficientes, desenvolvem-se um intercâmbio universal e uma
universal interdependência das nações. E isso se refere tanto à produção
material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma
nação tornam-se patrimônio comum. A estreiteza e a unilateralidade
nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das numerosas literaturas
nacionais e locais nasce uma literatura universal.
Com o rápido
aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e o constante progresso dos
meios de comunicação, a burguesia arrasta para a torrente da
civilização todas as nações, até mesmo as mais bárbaras. Os baixos
preços de seus produtos são a artilharia pesada que destrói todas as
muralhas da China e obriga à capitulação os bárbaros mais tenazmente
hostis aos estrangeiros. Sob pena de ruína total, ela obriga todas as
nações a adotarem o modo burguês de produção, constrange-as a abraçar a
chamada civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Em uma palavra,
cria um mundo à sua imagem e semelhança.
A burguesia submeteu o
campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a
população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma
grande parte da população do embrutecimento da vida rural. Do mesmo
modo que subordinou o campo à cidade, os países bárbaros ou
semi-bárbaros aos países civilizados, subordinou os povos camponeses aos
povos burgueses, o Oriente ao Ocidente.
A burguesia suprime cada
vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da
população. Aglomerou as populações, centralizou os meios de produção e
concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência necessária
dessas transformações foi a centralização política. Províncias
independentes, ligadas apenas por débeis laços federativos, possuindo
interesses, leis, governos e tarifas aduaneiras diferentes, foram
reunidas em uma só nação, com um só governo, uma só lei, um só interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária.
A
burguesia, em seu domínio de classe de apenas um século, criou forças
produtivas mais numerosas e colossais do que todas as gerações passadas
em seu conjunto. A subjugação das forças da natureza, as máquinas, a
aplicação da química na indústria e na agricultura, a navegação a vapor,
as estradas de ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de continentes
inteiros, a canalização dos rios, populações inteiras brotando da terra
como por encanto – que século anterior teria suspeitado que semelhantes
forças produtivas estivessem adormecidas no seio do trabalho social?
Vimos,
portanto, que os meios de produção e de troca, sobre cuja base se ergue
a burguesia, foram gerados no seio da sociedade feudal. Numa certa
etapa do desenvolvimento desses meios de produção e de troca, as
condições em que a sociedade feudal produzia e trocava – a organização
feudal da agricultura e da manufatura, em suma, o regime feudal de
propriedade – deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno
desenvolvimento. Tolhiam a produção em lugar de impulsioná-la.
Transformaram-se em outros tantos grilhões que era preciso despedaçar; e
foram despedaçados.
Em seu lugar, surgiu a livre concorrência,
com uma organização social e política apropriada, com a supremacia
econômica e política da classe burguesa.
Assistimos hoje a um
processo semelhante. A sociedade burguesa, com suas relações de produção
e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa
moderna, que conjurou gigantescos meios de produção e de troca,
assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar os poderes
infernais que invocou. Há dezenas de anos, a história da indústria e do
comércio não é senão a história da revolta das forças produtivas
modernas contra as modernas relações de produção, contra as relações de
propriedade que condicionam a existência da burguesia e seu domínio.
Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente,
ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa. Cada crise
destrói regularmente não só uma grande massa de produtos fabricados, mas
também uma grande parte das próprias forças produtivas já criadas. Uma
epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba
sobre a sociedade – a epidemia da superprodução. A sociedade vê-se
subitamente reconduzida a um estado de barbárie momentânea; como se a
fome ou uma guerra de extermínio lhe houvessem cortado todos os meios de
subsistência; o comércio e a indústria parecem aniquilados. E por quê?
Porque a sociedade possui civilização em excesso, meios de subsistência
em excesso, indústria em excesso, comércio em excesso. As forças
produtivas de que dispõe não mais favorecem o desenvolvimento das
relações burguesas de propriedade; pelo contrário, tornaram-se poderosas
demais para essas condições, passam a ser tolhidas por elas; e, assim
que se libertam desses entraves, lançam na desordem a sociedade inteira e
ameaçam a existência da propriedade burguesa. O sistema burguês
tornou-se demasiado estreito para conter as riquezas criadas em seu
seio. E de que maneira consegue a burguesia vencer essas crises? De um
lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças
produtivas; de outro, pela conquista de novos mercados e pela exploração
mais intensa dos antigos. A que leva isso? Ao preparo de crises mais
extensas e destruidoras e à diminuição dos meios de evitá-las.
As armas que a burguesia usou para abater o feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia.
A
burguesia, porém, não se limitou a forjar as armas que lhe trarão a
morte; produziu também os homens que empunharão essas armas – os
operários modernos, os proletários.
Com o desenvolvimento
da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se também o proletariado, a
classe dos operários modernos, os quais só vivem enquanto têm trabalho e
só têm trabalho enquanto seu trabalho aumenta o capital. Esses
operários, constrangidos a vender-se a retalho, são mercadoria, artigo
de comércio como qualquer outro; em consequência, estão sujeitos a todas
as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado.
O
crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho despojaram a
atividade do operário de seu caráter autônomo, tirando-lhe todo o
atrativo. O operário torna-se um mero apêndice da máquina e dele só se
requer o manejo mais simples, mais monótono, mais fácil de aprender.
Desse modo, o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos
meios de subsistência que lhe são necessários para viver e perpetuar sua
espécie. Ora, o preço do trabalho, como de toda mercadoria, é igual ao
seu custo de produção. Portanto, à medida que aumenta o caráter
enfadonho do trabalho, decrescem os salários. Mais ainda, na mesma
medida em que aumenta a maquinaria e a divisão do trabalho, sobe também a
quantidade de trabalho, quer pelo aumento das horas de trabalho, quer
pelo aumento do trabalho exigido num determinado tempo, quer pela
aceleração do movimento das máquinas etc.
A indústria moderna
transformou a pequena oficina do antigo mestre da corporação patriarcal
na grande fábrica do industrial capitalista. Massas de operários,
amontoadas na fábrica, são organizadas militarmente. Como soldados rasos
da indústria, estão sob a vigilância de uma hierarquia completa de
oficiais e suboficiais. Não são apenas servos da classe burguesa, do
Estado burguês, mas também, dia a dia, hora a hora, escravos da máquina,
do contramestre e, sobretudo, do dono da fábrica. E esse despotismo é
tanto mais mesquinho, mais odioso e exasperador quanto maior é a
franqueza com que proclama ter no lucro seu objetivo exclusivo.
Quanto
menos habilidade e força o trabalho manual exige, isto é, quanto mais a
indústria moderna progride, tanto mais o trabalho dos homens é
suplantado pelo de mulheres e crianças. As diferenças de idade e de sexo
não têm mais importância social para a classe operária. Não há senão
instrumentos de trabalho, cujo preço varia segundo a idade e o sexo.
Depois
de sofrer a exploração do fabricante e de receber seu salário em
dinheiro, o operário torna-se presa de outros membros da burguesia: o
senhorio, o varejista, o penhorista etc.
As camadas inferiores da classe média de outrora, os pequenos industriais, pequenos comerciantes, os que vivem de rendas [rentiers],
artesãos e camponeses, caem nas fileiras do proletariado; uns porque
seu pequeno capital não permite empregar os processos da grande
indústria e sucumbem na concorrência com os grandes capitalistas; outros
porque sua habilidade profissional é depreciada pelos novos métodos de
produção. Assim, o proletariado é recrutado em todas as classes da
população.
O proletariado passa por diferentes fases de desenvolvimento. Sua luta contra a burguesia começa com sua existência.
No
começo, empenham-se na luta operários isolados; mais tarde, operários
de uma mesma fábrica; finalmente, operários de um mesmo ramo de
indústria, de uma mesma localidade, contra o burguês que os explora
diretamente. Dirigem os seus ataques não só contra as relações burguesas
de produção, mas também contra os instrumentos de produção; destroem as
mercadorias estrangeiras que lhes fazem concorrência, quebram as
máquinas, queimam as fábricas e esforçam-se para reconquistar a posição
perdida do trabalhador da Idade Média.
Nessa fase, o proletariado
constitui massa disseminada por todo o país e dispersa pela
concorrência. A coesão maciça dos operários é o resultado não ainda de
sua própria união, mas da união da burguesia, que, para atingir seus
próprios fins políticos, é levada a pôr em movimento todo o
proletariado, o que por enquanto ainda pode fazer. Durante essa fase, os
proletários não combatem seus próprios inimigos, mas os inimigos de
seus inimigos, os restos da monarquia absoluta, os proprietários de
terras, os burgueses não industriais, os pequeno-burgueses. Todo o
movimento histórico está desse modo concentrado nas mãos da burguesia e
qualquer vitória alcançada nessas condições é uma vitória burguesa.
Mas,
com o desenvolvimento da indústria, o proletariado não apenas se
multiplica; comprime-se em massas cada vez maiores, sua força cresce e
ele adquire maior consciência dela. Os interesses e as condições de
existência dos proletários se igualam cada vez mais à medida que a
máquina extingue toda diferença de trabalho e quase por toda parte reduz
o salário a um nível igualmente baixo. Em virtude da concorrência
crescente dos burgueses entre si e devido às crises comerciais que disso
resultam, os salários se tornam cada vez mais instáveis; o
aperfeiçoamento constante e cada vez mais rápido das máquinas torna a
condição de vida do operário cada vez mais precária; os choques
individuais entre o operário singular e o burguês singular tomam cada
vez mais o caráter de confrontos entre duas classes. Os operários
começam a formar coalizões contra os burgueses e atuam em comum na
defesa de seus salários; chegam a fundar associações permanentes a fim
de se precaver de insurreições eventuais. Aqui e ali a luta irrompe em
motim.
De tempos em tempos os operários triunfam, mas é um
triunfo efêmero. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o êxito
imediato, mas a união cada vez mais ampla dos trabalhadores. Essa união é
facilitada pelo crescimento dos meios de comunicação criados pela
grande indústria, que permitem o contato entre operários de diferentes
localidades. Basta, porém, esse contato para concentrar as numerosas
lutas locais, que têm o mesmo caráter em toda parte, em uma luta
nacional, uma luta de classes. Mas toda luta de classes é uma luta
política. E a união que os burgueses da Idade Média, com seus caminhos
vicinais, levaram séculos a realizar os proletários modernos realizam em
poucos anos por meio das ferrovias.
A organização do
proletariado em classe e, portanto, em partido político é
incessantemente destruída pela concorrência que fazem entre si os
próprios operários. Mas renasce sempre, e cada vez mais forte, mais
sólida, mais poderosa. Aproveita-se das divisões internas da burguesia
para obrigá-la ao reconhecimento legal de certos interesses da classe
operária – por exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na
Inglaterra.
Em geral, os choques que se produzem na velha
sociedade favorecem de diversos modos o desenvolvimento do proletariado.
A burguesia vive em luta permanente; primeiro, contra a aristocracia;
depois, contra as frações da própria burguesia cujos interesses se
encontram em conflito com os progressos da indústria; e sempre contra a
burguesia dos países estrangeiros. Em todas essas lutas, vê-se forçada a
apelar para o proletariado, a recorrer à sua ajuda e, dessa forma,
arrastá-lo para o movimento político. A burguesia fornece aos
proletários os elementos de sua própria educação política, isto é, armas
contra si mesma.
Além disso, como já vimos, frações inteiras da
classe dominante, em consequência do desenvolvimento da indústria, são
lançadas no proletariado ou, pelo menos, ameaçadas em suas condições de
existência. Também elas trazem ao proletariado numerosos elementos de
educação.
Finalmente, nos períodos em que a luta de classes se
aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução da classe dominante,
de toda a velha sociedade, adquire um caráter tão violento e agudo que
uma pequena fração da classe dominante se desliga desta, ligando-se à
classe revolucionária, à classe que traz nas mãos o futuro. Do mesmo
modo que outrora uma parte da nobreza passou para a burguesia, em nossos
dias uma parte da burguesia passa para o proletariado, especialmente a
parte dos ideólogos burgueses que chegaram à compreensão teórica do
movimento histórico em seu conjunto.
De todas as classes que hoje
em dia se opõem à burguesia, só o proletariado é uma classe
verdadeiramente revolucionária. As outras classes degeneram e perecem
com o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo
contrário, é seu produto mais autêntico.
As camadas médias –
pequenos comerciantes, pequenos fabricantes, artesãos, camponeses –
combatem a burguesia porque esta compromete sua existência como camadas
médias. Não são, pois, revolucionárias, mas conservadoras; mais ainda,
são reacionárias, pois pretendem fazer girar para trás a roda da
história. Quando se tornam revolucionárias, isto se dá em consequência
de sua iminente passagem para o proletariado; não defendem então seus
interesses atuais, mas seus interesses futuros; abandonam seu próprio
ponto de vista em favor daquele do proletariado.
O
lumpemproletariado, putrefação passiva das camadas mais baixas da velha
sociedade, pode, às vezes, ser arrastado ao movimento por uma revolução
proletária; todavia, suas condições de vida o predispõem mais a
vender-se à reação.
As condições de existência da velha sociedade
já estão destruídas nas condições de existência do proletariado. O
proletário não tem propriedade; suas relações com a mulher e os filhos
já nada têm em comum com as relações familiares burguesas. O trabalho
industrial moderno, a subjugação do operário ao capital, tanto na
Inglaterra como na França, tanto na América como na Alemanha, despoja o
proletário de todo caráter nacional. As leis, a moral e a religião são
para ele meros preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros
tantos interesses burgueses.
Todas as classes que no passado
conquistaram o poder trataram de consolidar a situação adquirida
submetendo toda a sociedade às suas condições de apropriação. Os
proletários não podem apoderar-se das forças produtivas sociais senão
abolindo o modo de apropriação a elas correspondente e, por conseguinte,
todo modo de apropriação existente até hoje. Os proletários nada têm de
seu a salva-guardar; sua missão é destruir todas as garantias e
seguranças da propriedade privada até aqui existentes.
Todos os
movimentos históricos têm sido, até hoje, movimentos de minorias ou em
proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento autônomo da
imensa maioria em proveito da imensa maioria. O proletariado, a camada
mais baixa da sociedade atual, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem
fazer saltar todos os estratos superpostos que constituem a sociedade
oficial.
A luta do proletariado contra a burguesia, embora não
seja na essência uma luta nacional, reveste-se dessa forma num primeiro
momento. É natural que o proletariado de cada país deva, antes de tudo,
liquidar a sua própria burguesia.
Esboçando em linhas gerais as
fases do desenvolvimento proletário, descrevemos a história da guerra
civil mais ou menos oculta na sociedade existente, até a hora em que
essa guerra explode numa revolução aberta e o proletariado estabelece
sua dominação pela derrubada violenta da burguesia.
Todas as
sociedades anteriores, como vimos, se basearam no antagonismo entre
classes opressoras e classes oprimidas. Mas, para oprimir uma classe, é
preciso poder garantir-lhe condições tais que lhe permitam, pelo menos,
uma existência servil. O servo, em plena servidão, conseguiu tornar-se
membro da comuna, da mesma forma que o pequeno-burguês, sob o jugo do
absolutismo feudal, elevou-se à categoria de burguês. O operário
moderno, pelo contrário, longe de se elevar com o progresso da
indústria, desce cada vez mais, caindo abaixo das condições de sua
própria classe. O trabalhador torna-se um indigente, e o pauperismo
cresce ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza. Fica assim
evidente que a burguesia é incapaz de continuar desempenhando o papel
de classe dominante e de impor à sociedade, como lei suprema, as
condições de existência de sua classe. Não pode exercer o seu domínio
porque não pode mais assegurar a existência de seu escravo, mesmo no
quadro de sua escravidão, porque é obrigada a deixá-lo afundar numa
situação em que deve nutri-lo em lugar de ser nutrida por ele. A
sociedade não pode mais existir sob sua dominação, o que quer dizer que a
existência da burguesia não é mais compatível com a sociedade.
A
condição essencial para a existência e supremacia da classe burguesa é a
acumulação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o
crescimento do capital; a condição de existência do capital é o trabalho
assalariado. Este baseia-se exclusivamente na concorrência dos
operários entre si. O progresso da indústria, de que a burguesia é
agente passivo e involuntário, substitui o isolamento dos operários,
resultante da competição, por sua união revolucionária, resultante da
associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria retira dos pés
da burguesia a própria base sobre a qual ela assentou o seu regime de
produção e de apropriação dos produtos. A burguesia produz, sobretudo,
seus próprios coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são
igualmente inevitáveis.
Proletários e comunistas
Qual
a relação dos comunistas com os proletários em geral? Os comunistas não
formam um partido à parte, oposto aos outros partidos operários.
Não têm interesses diferentes dos interesses do proletariado em geral.
Não proclamam princípios particulares, segundo os quais pretendem moldar o movimento operário.
Os
comunistas se distinguem dos outros partidos operários somente em dois
pontos: 1) nas diversas lutas nacionais dos proletários, destacam e
fazem prevalecer os interesses comuns do proletariado, independentemente
da nacionalidade; 2) nas diferentes fases de desenvolvimento por que
passa a luta entre proletários e burgueses, representam, sempre e em
toda parte, os interesses do movimento em seu conjunto.
Na
prática, os comunistas constituem a fração mais resoluta dos partidos
operários de cada país, a fração que impulsiona as demais; teoricamente,
têm sobre o resto do proletariado a vantagem de uma compreensão nítida
das condições, do curso e dos fins gerais do movimento proletário.
O
objetivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os demais
partidos proletários: constituição do proletariado em classe, derrubada
da supremacia burguesa, conquista do poder político pelo proletariado.
As
proposições teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo algum, em
ideias ou princípios inventados ou descobertos por este ou aquele
reformador do mundo.
São apenas a expressão geral das condições
efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histórico
que se desenvolve diante dos olhos. A abolição das relações de
propriedade que até hoje existiram não é uma característica peculiar e
exclusiva do comunismo.
Todas as relações de propriedade têm
passado por modificações constantes em consequência das contínuas
transformações das condições históricas.
A Revolução Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em proveito da propriedade burguesa.
O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa.
Mas
a moderna propriedade privada burguesa é a última e mais perfeita
expressão do modo de produção e de apropriação baseado nos antagonismos
de classes, na exploração de uns pelos outros.
Nesse sentido, os comunistas podem resumir sua teoria numa única expressão: supressão da propriedade privada.
Nós,
comunistas, temos sido censurados por querer abolir a propriedade
pessoalmente adquirida, fruto do trabalho do indivíduo – propriedade que
dizem ser a base de toda liberdade, de toda atividade, de toda
independência individual.
Propriedade pessoal, fruto do trabalho e
do mérito! Falais da propriedade do pequeno-burguês, do
pequeno-camponês, forma de propriedade anterior à propriedade burguesa?
Não precisamos aboli-la, porque o progresso da indústria já a aboliu e
continua abolindo-a diariamente. Ou porventura falais da moderna
propriedade privada, da propriedade burguesa?
Mas o trabalho do
proletário, o trabalho assalariado, cria propriedade para o proletário?
De modo algum. Cria o capital, isto é, a propriedade que explora o
trabalho assalariado e que só pode aumentar sob a condição de gerar novo
trabalho assalariado, para voltar a explorá-lo. Em sua forma atual, a
propriedade se move entre dois termos antagônicos: capital e trabalho.
Examinemos os termos desse antagonismo.
Ser capitalista significa
ocupar não somente uma posição pessoal, mas também uma posição social
na produção. O capital é um produto coletivo e só pode ser posto em
movimento pelos esforços combinados de muitos membros da sociedade, em
última instância pelos esforços combinados de todos os membros da
sociedade.
O capital não é, portanto, um poder pessoal: é um poder social.
Assim,
quando o capital é transformado em propriedade comum, pertencente a
todos os membros da sociedade, não é uma propriedade pessoal que se
transforma em propriedade social. O que se transformou foi o caráter
social da propriedade. Esta perde seu caráter de classe.
Vejamos agora o trabalho assalariado.
O
preço médio que se paga pelo trabalho assalariado é o mínimo de
salário, ou seja, a soma dos meios de subsistência necessários para que o
operário viva como operário. Por conseguinte, o que o operário recebe
com o seu trabalho é o estritamente necessário para a mera conservação e
reprodução de sua existência. Não pretendemos de modo algum abolir essa
apropriação pessoal dos produtos do trabalho, indispensável à
manutenção e à reprodução da vida humana – uma apropriação que não deixa
nenhum lucro líquido que confira poder sobre o trabalho alheio.
Queremos apenas suprimir o caráter miserável dessa apropriação, que faz
com que o operário só viva para aumentar o capital e só viva na medida
em que o exigem os interesses da classe dominante.
Na sociedade
burguesa, o trabalho vivo é sempre um meio de aumentar o trabalho
acumulado. Na sociedade comunista, o trabalho acumulado é um meio de
ampliar, enriquecer e promover a existência dos trabalhadores.
Na
sociedade burguesa, o passado domina o presente; na sociedade
comunista, é o presente que domina o passado. Na sociedade burguesa, o
capital é independente e pessoal, ao passo que o indivíduo que trabalha é
dependente e impessoal.
É a supressão dessa situação que a
burguesia chama de supressão da individualidade e da liberdade. E com
razão. Porque se trata efetivamente de abolir a individualidade
burguesa, a independência burguesa, a liberdade burguesa.
Por
liberdade, nas atuais relações burguesas de produção, compreende-se a
liberdade de comércio, a liberdade de comprar e vender.
Mas, se o
tráfico desaparece, desaparecerá também a liberdade de traficar. Toda a
fraseologia sobre o livre-comércio, bem como todas as bravatas de nossa
burguesia sobre a liberdade, só tem sentido quando se refere ao
comércio constrangido e ao burguês oprimido da Idade Média; nenhum
sentido tem quando se trata da supressão comunista do tráfico, das
relações burguesas de produção e da própria burguesia.
Vós vos
horrorizais porque queremos suprimir a propriedade privada. Mas em vossa
sociedade a propriedade privada está suprimida para nove décimos de
seus membros. E é precisamente porque não existe para esses nove décimos
que ela existe para vós. Vós nos censurais, portanto, por querermos
abolir uma forma de propriedade que pressupõe como condição necessária
que a imensa maioria da sociedade não possua propriedade.
Numa palavra, vós nos censurais por querermos abolir a vossa propriedade. De fato, é isso o que queremos.
A
partir do momento em que o trabalho não possa mais ser convertido em
capital, em dinheiro, em renda da terra – numa palavra, em poder social
capaz de ser monopolizado –, isto é, a partir do momento em que a
propriedade individual não possa mais se converter em propriedade
burguesa, declarareis que o indivíduo está suprimido.
Confessais,
no entanto, que, quando falais do indivíduo, quereis referir-vos
unicamente ao burguês, ao proprietário burguês. E esse indivíduo, sem
dúvida, deve ser suprimido.
O comunismo não priva ninguém do
poder de se apropriar de sua parte dos produtos sociais; apenas suprime o
poder de subjugar o trabalho de outros por meio dessa apropriação.
Alega-se ainda que, com a abolição da propriedade privada, toda atividade cessaria, uma inércia geral apoderar-se-ia do mundo.
Se
isso fosse verdade, há muito que a sociedade burguesa teria sucumbido à
ociosidade, pois os que no regime burguês trabalham não lucram e os que
lucram não trabalham. Toda objeção se reduz a esta tautologia: não
haverá mais trabalho assalariado quando não existir mais capital.
As
objeções feitas ao modo comunista de produção e de apropriação dos
produtos materiais foram igualmente ampliadas à produção e à apropriação
dos produtos do trabalho intelectual. Assim como o desaparecimento da
propriedade de classe equivale, para o burguês, ao desaparecimento de
toda a produção, o desaparecimento da cultura de classe significa, para
ele, o desaparecimento de toda a cultura.
A cultura, cuja perda o
burguês deplora, é para a imensa maioria dos homens apenas um
adestramento que os transforma em máquinas.
Mas não discutais
conosco aplicando à abolição da propriedade burguesa o critério de
vossas noções burguesas de liberdade, cultura, direito etc. Vossas
próprias ideias são produto das relações de produção e de propriedade
burguesas, assim como vosso direito não passa da vontade de vossa classe
erigida em lei, vontade cujo conteúdo é determinado pelas condições
materiais de vossa existência como classe.
Essa concepção
interesseira, que vos leva a transformar em leis eternas da natureza e
da razão as relações sociais oriundas do vosso modo de produção e de
propriedade – relações transitórias que surgem e desaparecem no curso da
produção –, é por vós compartilhada com todas as classes dominantes já
desaparecidas. O que aceitais para a propriedade antiga, o que aceitais
para a propriedade feudal, já não podeis aceitar para a propriedade
burguesa.
Supressão da família! Até os mais radicais se indignam com esse propósito infame dos comunistas.
Sobre
que fundamento repousa a família atual, a família burguesa? Sobre o
capital, sobre o ganho individual. A família, na sua plenitude, só
existe para a burguesia, encontrando seu complemento na ausência forçada
da família entre os proletários e na prostituição pública.
A
família burguesa desvanece-se naturalmente com o desvanecer de seu
complemento, e ambos desaparecem com o desaparecimento do capital.
Vós nos censurais por querermos abolir a exploração das crianças pelos seus próprios pais? Confessamos esse crime.
Dizeis também que destruímos as relações mais íntimas ao substituirmos a educação doméstica pela educação social.
E
vossa educação não é também determinada pela sociedade? Pelas condições
sociais em que educais vossos filhos, pela intervenção direta ou
indireta da sociedade, por meio de vossas escolas etc.? Os comunistas
não inventaram a intromissão da sociedade na educação; apenas procuram
modificar seu caráter arrancando a educação da influência da classe
dominante.
O palavreado burguês sobre a família e a educação,
sobre os doces laços que unem a criança aos pais, torna-se cada vez mais
repugnante à medida que a grande indústria destrói todos os laços
familiares dos proletários e transforma suas crianças em simples artigos
de comércio, em simples instrumentos de trabalho.
“Vós, comunistas, quereis introduzir a comunidade das mulheres!”, grita-nos toda a burguesia em coro.
Para
o burguês, a mulher nada mais é do que um instrumento de produção.
Ouvindo dizer que os instrumentos de produção serão explorados em comum,
conclui naturalmente que o destino de propriedade coletiva caberá
igualmente às mulheres. Não imagina que se trata precisamente de
arrancar a mulher de seu papel de simples instrumento de produção.
De
resto, nada é mais ridículo do que a virtuosa indignação dos nossos
burgueses em relação à pretensa comunidade oficial das mulheres que
seria adotada pelos comunistas. Os comunistas não precisam introduzir a
comunidade das mulheres. Ela quase sempre existiu.
Nossos
burgueses, não contentes em ter à sua disposição as mulheres e as filhas
dos proletários, sem falar da prostituição oficial, têm singular prazer
em seduzir as esposas uns dos outros.
O casamento burguês é, na
realidade, a comunidade das mulheres casadas. No máximo, poderiam acusar
os comunistas de querer substituir uma comunidade de mulheres,
hipócrita e dissimulada, por outra, que seria franca e oficial. De
resto, é evidente que, com a abolição das atuais relações de produção,
desaparecerá também a comunidade das mulheres que deriva dessas
relações, ou seja, a prostituição oficial e não oficial.
Os comunistas também são acusados de querer abolir a pátria, a nacionalidade.
Os
operários não têm pátria. Não se lhes pode tirar aquilo que não
possuem. Como, porém, o proletariado tem por objetivo conquistar o poder
político e elevar-se a classe dirigente da nação, tornar-se ele próprio
nação, ele é, nessa medida, nacional, mas de modo nenhum no sentido
burguês da palavra.
Os isolamentos e os antagonismos nacionais
entre os povos desaparecem cada vez mais com o desenvolvimento da
burguesia, com a liberdade de comércio, com o mercado mundial, com a
uniformidade da produção industrial e com as condições de existência a
ela correspondentes.
A supremacia do proletariado fará com que
desapareçam ainda mais depressa. A ação comum do proletariado, pelo
menos nos países civilizados, é uma das primeiras condições para sua
emancipação.
À medida que for suprimida a exploração do homem pelo homem, será suprimida a exploração de uma nação por outra.
Quando
os antagonismos de classes, no interior das nações, tiverem
desaparecido, desaparecerá a hostilidade entre as próprias nações.
As acusações feitas aos comunistas em nome da religião, da filosofia e da ideologia em geral não merecem um exame aprofundado.
Será
preciso grande inteligência para compreender que, ao mudarem as
relações de vida dos homens, as suas relações sociais, a sua existência
social, mudam também as suas representações, as suas concepções e
conceitos, numa palavra, muda a sua consciência?
Que demonstra a
história das ideias senão que a produção intelectual se transforma com a
produção material? As ideias dominantes de uma época sempre foram as
ideias da classe dominante.
Quando se fala de ideias que
revolucionam uma sociedade inteira, isso quer dizer que, no seio da
velha sociedade, se formaram os elementos de uma sociedade nova e que a
dissolução das velhas ideias acompanha a dissolução das antigas
condições de existência.
Quando o mundo antigo declinava, as
antigas religiões foram vencidas pela religião cristã; quando, no século
XVIII, as ideias cristãs cederam lugar às ideias iluministas, a
sociedade feudal travava sua batalha decisiva contra a burguesia então
revolucionária. As ideias de liberdade religiosa e de consciência não
fizeram mais que proclamar o império da livre concorrência no domínio do
conhecimento.
“Mas” – dirão – “as ideias religiosas, morais,
filosóficas, políticas, jurídicas etc. modificaram-se no curso do
desenvolvimento histórico. A religião, a moral, a filosofia, a política e
o direito sobreviveram sempre a essas transformações.”
“Além
disso, há verdades eternas, como a liberdade, a justiça etc., que são
comuns a todos os regimes sociais. Mas o comunismo quer abolir essas
verdades eternas, quer abolir a religião e a moral, em lugar de lhes dar
uma nova forma, e isso contradiz todos os desenvolvimentos históricos
anteriores.”
A que se reduz essa acusação? A história de toda a
sociedade até nossos dias moveu-se em antagonismos de classes,
antagonismos que se têm revestido de formas diferentes nas diferentes
épocas.
Mas, qualquer que tenha sido a forma assumida, a
exploração de uma parte da sociedade por outra é um fato comum a todos
os séculos anteriores. Portanto, não é de espantar que a consciência
social de todos os séculos, apesar de toda sua variedade e diversidade,
tenha se movido sempre sob certas formas comuns, formas de consciência
que só se dissolverão completamente com o desaparecimento total dos
antagonismos de classes.
A revolução comunista é a ruptura mais
radical com as relações tradicionais de propriedade; não admira,
portanto, que no curso de seu desenvolvimento se rompa, do modo mais
radical, com as ideias tradicionais.
Mas deixemos de lado as objeções da burguesia ao movimento comunista.
Vimos
antes que a primeira fase da revolução operária é a elevação do
proletariado a classe dominante, a conquista da democracia.
O
proletariado usará sua supremacia política para arrancar, pouco a pouco,
todo o capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de
produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado como
classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente possível o total
das forças produtivas.
Isso naturalmente só poderá ser realizado,
a princípio, por intervenções despóticas no direito de propriedade e
nas relações de produção burguesas, isto é, pela aplicação de medidas
que, do ponto de vista econômico, parecerão insuficientes e
insustentáveis, mas que, no desenrolar do movimento, ultrapassarão a si
mesmas e serão indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo
de produção.
Essas medidas, é claro, serão diferentes nos diferentes países.
Nos países mais adiantados, contudo, quase todas as seguintes medidas poderão ser postas em prática:
1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda da terra para despesas do Estado.
2. Imposto fortemente progressivo.
3. Abolição do direito de herança.
4. Confisco da propriedade de todos os emigrados e rebeldes.
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e com monopólio exclusivo.
6. Centralização de todos os meios de comunicação e transporte nas mãos do Estado.
7.
Multiplicação das fábricas nacionais e dos instrumentos de produção,
arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas,
segundo um plano geral.
8. Unificação do trabalho obrigatório para todos, organização de exércitos industriais, particularmente para a agricultura.
9.
Unificação dos trabalhos agrícola e industrial; abolição gradual da
distinção entre a cidade e o campo por meio de uma distribuição mais
igualitária da população pelo país.
10. Educação pública e
gratuita a todas as crianças; abolição do trabalho das crianças nas
fábricas, tal como é praticado hoje. Associação da educação com a
produção material etc.
Quando, no curso do desenvolvimento,
desaparecerem os antagonismos de classes e toda a produção for
concentrada nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perderá
seu caráter político. O poder político é o poder organizado de
uma
classe para a opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a
burguesia, se organiza forçosamente como classe, se por meio de uma
revolução se converte em classe dominante e como classe dominante
destrói violentamente as antigas relações de produção, destrói, junto
com essas relações de produção, as condições de existência dos
antagonismos entre as classes, destrói as classes em geral e, com isso,
sua própria dominação como classe.
Em lugar da antiga sociedade
burguesa, com suas classes e antagonismos de classes, surge uma
associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o
livre desenvolvimento de todos.
Literatura socialista e comunista
1. O socialismo reacionário
a) O socialismo feudal
Por
sua posição histórica, as aristocracias da França e da Inglaterra
viram-se chamadas a lançar libelos contra a sociedade burguesa. Na
revolução francesa de julho de 1830, no movimento inglês pela reforma*,
tinham sucumbido mais uma vez sob os golpes dessa odiada arrivista. A
partir daí não se podia tratar de uma luta política séria; só lhes
restava a luta literária. Mas também no domínio literário tornara-se
impossível a velha fraseologia da Restauração.
Para despertar
simpatias, a aristocracia fingiu deixar de lado seus próprios interesses
e dirigiu sua acusação contra a burguesia, aparentando defender apenas
os interesses da classe operária explorada. Desse modo, entregou-se ao
prazer de cantarolar sátiras sobre os novos senhores e de lhes sussurrar
ao ouvido profecias sinistras.
Assim surgiu o socialismo feudal:
em parte lamento, em parte pasquim; em parte ecos do passado, em parte
ameaças ao futuro. Se por vezes a sua crítica amarga, mordaz e
espirituosa feriu a burguesia no coração, sua impotência absoluta em
compreender a marcha da história moderna terminou sempre produzindo um
efeito cômico.
Para atrair o povo, a aristocracia desfraldou como
bandeira a sacola do mendigo; mas, assim que o povo acorreu, percebeu
que as costas da bandeira estavam ornadas com os velhos brasões feudais e
dispersou-se com grandes e irreverentes gargalhadas.
Uma parte dos legitimistas franceses e a “Jovem Inglaterra” ofereceram ao mundo esse espetáculo.
Quando
os feudais demonstraram que o seu modo de exploração era diferente do
da burguesia, esqueceram apenas uma coisa: que o feudalismo explorava em
circunstâncias e condições completamente diversas, hoje em dia
ultrapassadas. Quando ressaltam que sob o regime feudal o proletariado
moderno não existia, esquecem que a burguesia foi precisamente um fruto
necessário de sua organização social.
Além disso, ocultam tão
pouco o caráter reacionário de sua crítica que sua principal acusação
contra a burguesia consiste justamente em dizer que esta assegura sob
seu regime o desenvolvimento de uma classe que fará ir pelos ares toda a
antiga ordem social.
O que reprovam à burguesia é mais o fato de
ela ter produzido um proletariado revolucionário do que o de ter criado
o proletariado em geral.
Por isso, na luta política participam
ativamente de todas as medidas de repressão contra a classe operária. E,
na vida diária, a despeito de sua pomposa fraseologia, conformam-se
perfeitamente em colher as maçãs de ouro da árvore da indústria e em
trocar honra, amor e fidelidade pelo comércio de lã, açúcar de beterraba
e aguardente.
Do mesmo modo que o padre e o senhor feudal
marcharam sempre de mãos dadas, o socialismo clerical marcha lado a lado
com o socialismo feudal.
Nada é mais fácil que recobrir o
ascetismo cristão com um verniz socialista. O cristianismo também não se
ergueu contra a propriedade privada, o matrimônio, o Estado? E em seu
lugar não pregou a caridade e a pobreza, o celibato e a mortificação da
carne, a vida monástica e a Igreja? O socialismo cristão não passa da
água benta com que o padre abençoa o despeito da aristocracia.
b) O socialismo pequeno%u210burguês
A
aristocracia feudal não é a única classe arruinada pela burguesia, não é
a única classe cujas condições de existência se atrofiam e perecem na
sociedade burguesa moderna. Os burgueses e o estamento dos pequenos
agricultores da Idade Média foram os precursores da burguesia moderna.
Nos países onde o comércio e a indústria são pouco desenvolvidos, essa
classe continua a vegetar ao lado da burguesia em ascensão.
Nos
países onde a civilização moderna está florescente, forma-se uma nova
classe de pequeno-burgueses que oscila entre o proletariado e a
burguesia, reconstituindo-se sempre como fração complementar da
sociedade burguesa; os membros dessa classe, no entanto, se veem
constantemente precipitados no proletariado, devido à concorrência, e,
com a marcha progressiva da grande indústria, sentem aproximar-se o
momento em que desaparecerão completamente como fração independente da
sociedade moderna e serão substituídos no comércio, na manufatura e na
agricultura por supervisores, capatazes e empregados.
Em países
como a França, onde os camponeses constituem bem mais da metade da
população, era natural que os escritores que se batiam pelo proletariado
e contra a burguesia aplicassem à sua crítica do regime burguês
critérios do pequeno-burguês e do pequeno-camponês e defendessem a causa
operária do ponto de vista da pequena burguesia. Desse modo se formou o
socialismo pequeno-burguês. Sismondi é o chefe dessa literatura, não
somente na França mas também na Inglaterra.
Esse socialismo
dissecou com muita perspicácia as contradições inerentes às modernas
relações de produção. Pôs a nu as hipócritas apologias dos economistas.
Demonstrou de modo irrefutável os efeitos mortíferos das máquinas e da
divisão do trabalho, da concentração dos capitais e da propriedade
territorial, a superprodução, as crises, a decadência inevitável dos
pequeno-burgueses e pequeno-camponeses, a miséria do proletariado, a
anarquia na produção, a clamorosa desproporção na distribuição das
riquezas, a guerra industrial de extermínio entre as nações, a
dissolução dos velhos costumes, das velhas relações de família, das
velhas nacionalidades.
Quanto ao seu “conteúdo positivo”, porém, o
socialismo pequeno-burguês quer ou restabelecer os antigos meios de
produção e de troca e, com eles, as antigas relações de propriedade e
toda a antiga sociedade, ou então fazer entrar à força os meios modernos
de produção e de troca no quadro estreito das antigas relações de
propriedade que foram destruídas e necessariamente despedaçadas por
eles. Num e noutro caso, esse socialismo é, ao mesmo tempo, reacionário e
utópico.
Sistema corporativo na manufatura e economia patriarcal no campo: eis suas últimas palavras.
Por
fim, quando os obstinados fatos históricos lhe dissiparam a embriaguez,
essa escola socialista abandonou-se a uma covarde ressaca.
c) O socialismo alemão ou o “verdadeiro” socialismo
A
literatura socialista e comunista da França, nascida sob a pressão de
uma burguesia dominante e expressão literária da revolta contra esse
domínio, foi introduzida na Alemanha quando a burguesia começava a sua
luta contra o absolutismo feudal.
Filósofos, semifilósofos e
impostores alemães lançaram-se avidamente sobre essa literatura, mas se
esqueceram de que, com a importação da literatura francesa na Alemanha,
não eram importadas ao mesmo tempo as condições de vida da França. Nas
condições alemãs, a literatura francesa perdeu toda a significação
prática imediata e tomou um caráter puramente literário. Aparecia apenas
como especulação ociosa sobre a realização da essência humana. Assim,
as reivindicações da primeira revolução francesa só eram, para os
filósofos alemães do século XVIII, as reivindicações da “razão prática”
em geral; e a manifestação da vontade dos burgueses revolucionários da
França não expressava, a seus olhos, senão as leis da vontade pura, da
vontade tal como deve ser, da vontade verdadeiramente humana.
O
trabalho dos literatos alemães limitou-se a pôr as ideias francesas em
harmonia com a sua velha consciência filosófica, ou melhor, a
apropriar-se das ideias francesas sem abandonar seu próprio ponto de
vista filosófico.
Apropriaram-se delas da mesma forma como se assimila uma língua estrangeira: pela tradução.
Sabe-se
que os monges escreveram hagiografias católicas insípidas sobre os
manuscritos em que estavam registradas as obras clássicas da Antiguidade
pagã. Os literatos alemães agiram em sentido inverso a respeito da
literatura francesa profana. Introduziram suas insanidades filosóficas
no original francês. Por exemplo, sob a crítica francesa das funções do
dinheiro, escreveram “alienação da essência humana”; sob a crítica
francesa do Estado burguês, escreveram “superação do domínio da
universalidade abstrata”, e assim por diante.
A essa interpolação
do palavreado filosófico nas teorias francesas deram o nome de
“filosofia da ação”, “verdadeiro socialismo”, “ciência alemã do
socialismo”, “justificação filosófica do socialismo” etc.
Desse
modo, emascularam completamente a literatura socialista e comunista
francesa. E, como nas mãos dos alemães essa literatura tinha deixado de
ser a expressão da luta de uma classe contra outra, eles se felicitaram
por terem se elevado acima da “estreiteza francesa” e defendido não
verdadeiras necessidades, mas a “necessidade da verdade”; não os
interesses do proletário, mas os interesses do ser humano, do homem em
geral, do homem que não pertence a nenhuma classe nem a realidade alguma
e que só existe no céu brumoso da fantasia filosófica.
Esse
socialismo alemão que levava tão solenemente a sério seus canhestros
exercícios de escola e que os apregoava tão charlatanescamente foi
perdendo, pouco a pouco, sua inocência pedante.
A luta da
burguesia alemã e, especialmente, da burguesia prussiana contra o
feudalismo e a monarquia absoluta, numa palavra, o movimento liberal,
tornou-se mais séria.
Desse modo, apresentou-se ao “verdadeiro”
socialismo a tão desejada oportunidade de contrapor ao movimento
político as reivindicações socialistas, de lançar os anátemas
tradicionais contra o liberalismo, o regime representativo, a
concorrência burguesa, a liberdade burguesa de imprensa, o direito
burguês, a liberdade e a igualdade burguesas; de pregar às massas que
nada tinham a ganhar, mas, pelo contrário, tudo a perder nesse movimento
burguês. O socialismo alemão esqueceu, bem a propósito, que a crítica
francesa, da qual era o eco monótono, pressupunha a sociedade burguesa
moderna com as condições materiais de existência que lhe correspondem e
uma constituição política adequada – precisamente as coisas que, na
Alemanha, estava ainda por conquistar.
Esse socialismo serviu de
espantalho – para amedrontar a burguesia ameaçadoramente ascendente –
aos governos absolutos da Alemanha, com seu cortejo de padres,
pedagogos, fidalgos rurais e burocratas.
Juntou sua hipocrisia
adocicada aos tiros de fuzil e às chicotadas com que esses mesmos
governos respondiam aos levantes dos operários alemães.
Se o
“verdadeiro” socialismo se tornou assim uma arma nas mãos dos governos
contra a burguesia alemã, representou também diretamente um interesse
reacionário, o interesse da pequena burguesia alemã. A classe dos
pequeno-burgueses,
legada pelo século XVI e, desde então,
renascendo sem cessar sob formas diversas, constitui na Alemanha a
verdadeira base social do regime estabelecido.
Mantê-la é manter
na Alemanha o regime estabelecido. A supremacia industrial e política da
burguesia ameaça destruir a pequena burguesia – de um lado, pela
concentração do capital, de outro, pelo desenvolvimento de um
proletariado revolucionário. O “verdadeiro” socialismo pareceu aos
pequeno-burgueses uma arma capaz de aniquilar esses dois inimigos.
Propagou-se como uma epidemia.
A roupagem tecida com os fios
imateriais da especulação, bordada com as flores da retórica e banhada
de orvalho sentimental, essa roupagem, na qual os socialistas alemães
envolveram o miserável esqueleto das suas “verdades eternas”, não fez
senão ativar a venda de sua mercadoria entre aquele público.
Por
seu lado, o socialismo alemão compreendeu cada vez mais que sua vocação
era ser o representante grandiloquente dessa pequena burguesia.
Proclamou
que a nação alemã era a nação-modelo, e o pequeno-burguês alemão o
homem-modelo. A todas as infâmias desse homem-modelo atribuiu um sentido
oculto, um sentido superior e socialista, que as tornava exatamente o
contrário do que eram. Foi consequente até o fim, levantando-se contra a
tendência “brutalmente destrutiva” do comunismo, declarando que pairava
imparcialmente acima de todas as lutas de classes. Com raras exceções,
todas as pretensas publicações socialistas ou comunistas que circulam na
Alemanha pertencem a essa suja e debilitante literatura.
2. O socialismo conservador ou burguês
Uma parte da burguesia procura remediar os males sociais para assegurar a existência da sociedade burguesa.
Nessa
categoria, enfileiram-se os economistas, os filantropos, os
humanitários, os que se ocupam em melhorar a sorte da classe operária,
os organizadores de beneficências, os protetores dos animais, os
fundadores das sociedades anti-alcoólicas, enfim, os reformadores de
gabinete de toda categoria. Esse socialismo burguês chegou até a ser
elaborado em sistemas completos.
Como exemplo, citemos a Filosofia da miséria, de Proudhon.
Os
socialistas burgueses querem as condições de vida da sociedade moderna
sem as lutas e os perigos que dela decorrem fatalmente. Querem a
sociedade atual, mas eliminando os elementos que a revolucionam e
dissolvem. Querem a burguesia sem o proletariado. A burguesia,
naturalmente, concebe o mundo em que domina como o melhor dos mundos. O
socialismo burguês elabora em um sistema mais ou menos completo essa
concepção consoladora. Quando convida o proletariado a realizar esses
sistemas e entrar na nova Jerusalém, no fundo o que pretende é induzi-lo
a manter-se na sociedade atual, desembaraçando-se, porém, do ódio que
sente por ela.
Uma segunda forma desse socialismo, menos
sistemática porém mais prática, procura fazer com que os operários se
afastem de qualquer movimento revolucionário, demonstrando-lhes que não
será tal ou qual mudança política, e sim uma transformação das condições
de vida material e das relações econômicas, que poderá ser proveitosa
para eles. Por transformação das condições materiais de existência esse
socialismo não compreende em absoluto a abolição das relações burguesas
de produção – que só é possível pela via revolucionária –, mas apenas
reformas administrativas realizadas sobre a base das próprias relações
de produção burguesas e que, portanto, não afetam as relações entre o
capital e o trabalho assalariado, servindo, no melhor dos casos, para
diminuir os gastos da burguesia com sua dominação e simplificar o
trabalho administrativo de seu Estado.
O socialismo burguês só atinge sua expressão correspondente quando se torna simples figura de retórica.
Livre-comércio,
no interesse da classe operária! Tarifas protetoras, no interesse da
classe operária! Prisões, no interesse da classe operária! Eis a última
palavra do socialismo burguês, a única pronunciada a sério.
O seu raciocínio se resume na frase: os burgueses são burgueses – no interesse da classe operária.
3. O socialismo e o comunismo crítico%u210utópicos
Não
se trata aqui da literatura que, em todas as grandes revoluções
modernas, exprimiu as reivindicações do proletariado (escritos de Babeuf
etc.).
As primeiras tentativas diretas do proletariado para
fazer prevalecer seus próprios interesses de classe, feitas numa época
de agitação geral, no período da derrubada da sociedade feudal,
fracassaram necessariamente não apenas por causa do estado embrionário
do próprio proletariado mas devido à ausência das condições materiais de
sua emancipação, condições que apenas surgem como produto da época
burguesa. A literatura revolucionária que acompanhava esses primeiros
movimentos do proletariado teve forçosamente um conteúdo reacionário.
Preconizava um ascetismo geral e um grosseiro igualitarismo.
Os
sistemas socialistas e comunistas propriamente ditos, os de Saint-Simon,
Fourier, Owen etc., aparecem no primeiro período da luta entre o
proletariado e a burguesia, período anteriormente descrito (ver
“Burgueses e proletários”).
Os fundadores desses sistemas
compreendem bem o antagonismo das classes, assim como a ação dos
elementos dissolventes na própria sociedade dominante. Mas não percebem
no proletariado nenhuma iniciativa histórica, nenhum movimento político
que lhe seja peculiar.
Como o desenvolvimento dos antagonismos de
classes acompanha o desenvolvimento da indústria, tampouco distinguem
as condições materiais da emancipação do proletariado e põem-se à
procura de uma ciência social, de leis sociais que permitam criar essas
condições.
Substituem a atividade social por sua própria
imaginação pessoal; as condições históricas da emancipação por condições
fantásticas; a organização gradual e espontânea do proletariado em
classe por uma organização da sociedade pré-fabricada por eles. A
história futura do mundo se resume, para eles, na propaganda e na
execução prática de seus planos de organização social.
Todavia,
na confecção de seus planos, têm a convicção de defender antes de tudo
os interesses da classe operária, como classe mais sofredora. A classe
operária só existe para eles sob esse aspecto, o de classe mais
sofredora.
Mas a forma rudimentar da luta de classes e sua
própria posição social os levam a considerar-se muito acima de qualquer
antagonismo de classe. Desejam melhorar as condições materiais de vida
de todos os membros da sociedade, mesmo dos mais privilegiados. Por
isso, não cessam de apelar indistintamente à sociedade inteira e, de
preferência, à classe dominante. Bastaria compreender seu sistema para
reconhecê-lo como o melhor plano possível para a melhor sociedade
possível.
Rejeitam, portanto, toda ação política e, sobretudo,
toda ação revolucionária; procuram atingir seu objetivo por meios
pacíficos e tentam abrir um caminho ao novo evangelho social pela força
do exemplo, com experiências em pequena escala, que naturalmente sempre
fracassam.
Essa descrição fantástica da sociedade futura, feita
numa época em que o proletariado ainda pouco desenvolvido encara sua
própria posição de um modo fantástico, corresponde às primeiras
aspirações instintivas dos operários a uma completa transformação da
sociedade.
Mas as obras socialistas e comunistas encerram também
elementos críticos. Atacam todas as bases da sociedade existente. Por
isso fornecem em seu tempo materiais de grande valor para esclarecer os
operários. Suas proposições positivas sobre a sociedade futura, tais
como a supressão do contraste entre a cidade e o campo, a abolição da
família, do lucro privado e do trabalho assalariado, a proclamação da
harmonia social e a transformação do Estado numa simples administração
da produção – todas essas propostas apenas exprimem o desaparecimento do
antagonismo entre as classes, antagonismo que mal se inicia e que esses
autores conhecem somente em suas formas imprecisas. Assim, essas
proposições têm ainda um sentido puramente utópico.
A importância
do socialismo e do comunismo crítico-utópicos está na razão inversa do
seu desenvolvimento histórico. À medida que a luta de classes se acentua
e toma formas mais definidas, a fantástica pressa de abstrair-se dela,
essa fantástica oposição que lhe é feita, perde qualquer valor prático,
qualquer justificação teórica. Por isso, se em muitos aspectos os
fundadores desses sistemas foram revolucionários, as seitas formadas por
seus discípulos constituem sempre seitas reacionárias. Aferram-se às
velhas concepções de seus mestres apesar do desenvolvimento histórico
contínuo do proletariado. Procuram, portanto, e nisto são consequentes,
atenuar a luta de classes e conciliar os antagonismos. Continuam a
sonhar com a realização experimental de suas utopias sociais –
instituição de falanstérios isolados, criação de colônias no interior,
fundação de uma pequena Icária (edição em formato reduzido da nova
Jerusalém) e, para dar realidade a todos esses castelos no ar, veem-se
obrigados a apelar para os bons sentimentos e os cofres dos filantropos
burgueses. Pouco a pouco, caem na categoria dos socialistas reacionários
ou conservadores descritos anteriormente e só se distinguem deles por
um pedantismo mais sistemático, uma fé supersticiosa e fanática nos
efeitos miraculosos de sua ciência social.
Por isso se opõem
exasperados a qualquer ação política da classe operária, porque, segundo
pensam, tal ação só poderia decorrer de uma descrença cega no novo
evangelho.
Desse modo, os owenistas, na Inglaterra, e os
fourieristas, na França, reagem respectivamente contra os cartistas e os
reformistas.
Posição dos comunistas diante dos diversos partidos de oposição
O
que já dissemos no capítulo II basta para determinar a relação dos
comunistas com os partidos operários já constituídos e, por conseguinte,
sua relação com os cartistas na Inglaterra e os reformadores agrários
na América do Norte.
Os comunistas lutam pelos interesses e
objetivos imediatos da classe operária, mas, ao mesmo tempo, defendem e
representam, no movimento atual, o futuro do movimento. Aliam-se na
França ao Partido Social-Democrata contra a burguesia conservadora e
radical, reservando-se o direito de criticar a fraseologia e as ilusões
legadas pela tradição revolucionária.
Na Suíça, apoiam os
radicais, sem esquecer que esse partido se compõe de elementos
contraditórios, em parte socialistas democráticos, no sentido francês da
palavra, em parte burgueses radicais.
Na Polônia, os comunistas
apoiam o partido que vê numa revolução agrária a condição da libertação
nacional, o partido que desencadeou a insurreição de Cracóvia em 1846.
Na
Alemanha, o Partido Comunista luta junto com a burguesia todas as vezes
que esta age revolucionariamente – contra a monarquia absoluta, a
propriedade rural feudal e a pequena burguesia.
Mas em nenhum
momento esse partido se descuida de despertar nos operários uma
consciência clara e nítida do violento antagonismo que existe entre a
burguesia e o proletariado, para que, na hora precisa, os operários
alemães saibam converter as condições sociais e políticas, criadas pelo
regime burguês, em outras tantas armas contra a burguesia, para que,
logo após terem sido destruídas as classes reacionárias da Alemanha,
possa ser travada a luta contra a própria burguesia.
É sobretudo
para a Alemanha que se volta a atenção dos comunistas, porque a Alemanha
se encontra às vésperas de uma revolução burguesa e porque realizará
essa revolução nas condições mais avançadas da civilização europeia e
com um proletariado infinitamente mais desenvolvido que o da Inglaterra
no século XVII e o da França no século XVIII; e porque essa revolução
burguesa será, portanto, o prelúdio imediato de uma revolução
proletária.
Em resumo, os comunistas apoiam em toda parte qualquer movimento revolucionário contra a ordem social e política existente.
Em
todos esses movimentos põem em destaque, como questão fundamental, a
questão da propriedade, qualquer que seja a forma, mais ou menos
desenvolvida, de que esta se revista.
Finalmente, os comunistas trabalham pela união e pelo entendimento dos partidos democráticos de todos os países.
Os
comunistas se recusam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam
abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada
violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes
tremam à ideia de uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a
perder a não ser os seus grilhões. Têm um mundo a ganhar.
PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS!
*Tradução de Álvaro Pina e Ivana Jinkings publicada em Jacobin Brasil
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