Economista: preços em alta e renda em queda devem agravar fome no Brasil

 

© AP Photo / Andre Penner

Sputnik Brasil - 18/09/2020


Pesquisas apontam que a insegurança alimentar aumentou no Brasil nos últimos anos. E, segundo economista ouvido pela Sputnik, a tendência é a de que a situação piore consideravelmente por conta da crise provocada pela COVID-19.

Na última quinta-feira (17), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou sua mais recente Pesquisa de Orçamentos Familiares, com dados referentes a 2018, que indicou uma queda na proporção de domicílios com segurança alimentar no país.

Segundo o levantamento, o último índice pesquisado, de 63,3%, é menor do que o observado em 2004, ano da primeira pesquisa, quando era de 65,1%.

"Os dados do IBGE mostram um enorme retrocesso e confirmam os alertas que vínhamos fazendo enquanto sociedade civil desde 2018. Os números divulgados hoje confirmam que em somente 5 anos o país retrocedeu 15 anos em sua condição de segurança alimentar. Em 2018, eram mais de 25 milhões de domicílios com algum grau de insegurança alimentar. Número que possivelmente vem aumentando ainda mais nos últimos anos", afirmou Francisco Menezes, analista de Políticas e Programas da ActionAid no Brasil em nota enviada à Sputnik Brasil.

Se a situação já não está boa, analistas temem que, por conta dos problemas desencadeados pela pandemia da COVID-19, essa tendência possa se agravar. 


​Em entrevista à Sputnik Brasil, o economista Walter Belik, especialista em segurança alimentar e professor do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explicou que, a partir de 2014 e 2015, com a queda na renda e diminuição do Produto Interno Bruto (PIB), o problema da fome, que vinha sendo controlado com sucesso até então, voltou a chamar a atenção das autoridades brasileiras e, por conta do aumento do desemprego, acabou se agravando nos últimos anos.

"Se a gente for verificar a insegurança alimentar grave, que é a situação mais aguda na escala de insegurança alimentar, se percebe que houve um aumento não só em termos absolutos, como também em termos relativos", destacou o acadêmico. "Essa é uma situação bastante complicada e que se agravou. Basicamente, se agravou a partir de 2017 e 2018."

Belik argumenta que está mais ou menos claro que todos os elementos que levam a uma renda inferior também levam a uma situação de insegurança alimentar. Assim sendo, é natural imaginar que esse quadro possa piorar devido à crise econômica ligada ao surto do novo coronavírus.

"Tem um contingente muito grande de pessoas que perderam o emprego ou que já estavam na informalidade e, agora, não encontram ocupação. Estima-se que, aproximadamente, cinco milhões adentraram nessa situação. Por trás desses cinco milhões, você tem uma família. Portanto, não é surpresa verificar que o auxílio emergencial vem crescendo. E estima-se que, aproximadamente, 60 milhões de pessoas estejam buscando o auxílio emergencial. São pessoas que já tinham uma renda mais baixa ou que perderam o emprego. O Cadastro Único das pessoas para assistência social, hoje, tem, aproximadamente, 20 milhões de pessoas. Mas não são as 20 milhões de pessoas que estão recebendo benefício", ressalta. "Os dados mostram que, obviamente, a pandemia fragilizou essas famílias que já estavam nesse limiar." 

​Além do empobrecimento de parte da população, o especialista também aponta o aumento dos preços dos alimentos como outro fator complicador. Se, no início da pandemia, houve uma queda no preço dos alimentos, nos últimos meses, "o preço subiu de uma forma estratosférica", e, justamente, quando a renda de muitas famílias cairá novamente, devido à redução do valor do auxílio emergencial

"O auxílio emergencial já vai cair para R$ 300, o que é uma renda menor ainda do que aquela do auxílio emergencial inicial, e o preço dos alimentos subiu. Portanto, se espera um aumento da situação de insegurança alimentar."

Para contornar essa situação, o governo, na opinião do economista, deveria investir em mais programas sociais, compensações paralelas a uma política de aumento de renda, já que "as oportunidades não surgem para todos de uma forma igual".

"Os programas sociais são bem sucedidos quando vêm acompanhados de uma série de medidas. Não é apenas dar um dinheiro, mesmo porque a transferência de renda sem nenhuma reciprocidade leva a que essas famílias tenham uma alimentação que não é adequada. O que se espera é que se gaste dinheiro com alimentos, mas alimentos saudáveis. E isso só pode ser feito com acompanhamento de um assistente social." 


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