A presença da DEA na Argentina

A DEA é a agência governamental mais influente dos EUA na América Latina. Com a desculpa do controle das drogas na região, suas tropas se infiltram nos territórios e exercem persuasão sobre as forças de segurança e sistemas judiciais do continente. No entanto, na Argentina, há um cobertor de obscuridade que cobre suas ações e protege seu sistema de relacionamentos. Quem são os agentes da DEA na Argentina? Quais são seus aliados mais próximos? E através de quais operações ela implanta seu lobby?





Por Julián Maradeo - na Carta Maior - 24/07/2020

Alguém sabe como a DEA opera na Argentina? Essa é a pergunta que o chefe da Promotoria de Crimes Narcóticos, Diego Iglesias, tem que responder aos jornalistas que o interrogam sobre as acusações de que a DEA (sigla em inglês do Departamento de Enfrentamento às Drogas dos Estados Unidos) está manipulando a promotoria. Além das especulações sobre que a DEA teria o controle absoluto sobre portos e fronteiras, e que possui uma legião de juízes e promotores movendo-se ao ritmo dos seus interesses.


Iglesias afirma que há cinco pessoas. Para o promotor de Bahia Blanca, a presença da DEA no país é bem ampla. “Se eu sou funcional para DEA, a DEA é funcional para mim. Eu uso a DEA (ou ela me usa) porque me fornece informações de outras sedes da DEA no mundo. Não trabalho operacionalmente com a DEA, sob nenhuma circunstância”, alega.

Sua resposta está embutida em um debate mais amplo: quais estratégias o Departamento de Justiça dos Estados Unidos usa para penetrar e cooptar as várias camadas das forças judiciais e de segurança local?

Na Argentina, a nova face visível da DEA é o adido estadunidense Steven Genevish. Mas o trabalho sujo é feito por dois agentes que lidam com os segmentos operacionais no território e nos escritórios: Rodolfo Cesario e Charles Mannick. Para a chancelaria argentina, ambos são “adidos diplomáticos”. Como os outros seis membros da equipe estável da agência no “Escritório de Residentes” localizado no país. Entre todos, destaca-se o tenente da Marinha Gabriel Gómez, ex-candidato republicano ao Senado de Massachusetts, que durante os Anos 90 treinou unidades antidrogas na Bolívia e no Peru. Em La Paz, Gómez supervisionou a tradução de um conjunto de guias de treinamento para programas antinarcóticos que são usados em toda a América Latina.

O esquema usado pela DEA na Argentina é de cooperação. Com esse argumento, eles participam ativamente do treinamento e convidam as forças de segurança nacionais e provinciais e os magistrados e promotores. Sustentada ao longo do tempo através dos oito escritórios que eles têm na região, essa troca é uma desculpa perfeita para obter informações para vários propósitos, independentemente de quem governa.

Festa na embaixada
Durante uma conferência organizada pela Universidade Nacional de Avellaneda em 2016, Marcelo Saín, atual Ministro de Segurança da província de Santa Fé, colocou a DEA no centro do vernáculo político e judicial.

– Não há como entender o que aconteceu na Argentina nos últimos anos, nos âmbitos policial e político, sem envolver a ação da DEA no país. Como o órgão de governança, aquele que construiu a interpretação e que vende o discurso de segurança estadunidense, ela possui o mais sofisticado reservatório de inteligência em tráfico de drogas do mundo. A DEA controla os juízes (…) e não precisa de juízes honestos, precisa de juízes que possam dizer a ela “deixe-me passar esta remessa de 300 quilos porque quero que ela chegue em Marbella (Espanha)”. Como chefe de polícia (de segurança dos aeroportos), posso dar exemplos notáveis %u20B%u20Bde favores que nos pediram para não deter traficantes de drogas nas organizações, porque eram agentes deles. A DEA controla as operações do narcotráfico na Argentina.

A ponta do iceberg, para o especialista em Direito Processual Penal Alberto Binder, deve ser procurada nos Anos 90a. Enquanto a Justiça cozinhando a doutrina de perseguição da qual surgiram juízes como Canicoba Curral, Bonadio, Oyarbide, Stornelli e Pleé, nasceram instituições como a SIDE (sigla em espanhol da Secretaria de Inteligência do Estado Argentino), liderada por Hugo Anzorreguy, que traçou uma ligação entre os aparatos de espionagem, os juízes, os promotores federais e a DEA. Essa rede não parou de crescer desde então.

Em 2019, uma série de fotos encerrou o círculo de contatos com dois nomes: o de Juan Manuel Olima Espel, secretário-geral de Coordenação de Compras (com a bênção da DEA), e o de Diego Iglesias, aliado do advogado Eduardo Casal. Isso aconteceu na festa realizada no dia 4 de julho daquele ano, na embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires. As conclusões foram lineares: por um lado, o gabinete do Procurador Geral da Nação foi cooptado pela embaixada. Por outro lado, a procuradoria aceito ser governada pelos interesses da DEA.

Diego Iglesias entrou ingresso em 1994 no Tribunal de Instrução de Buenos Aires, sob o comando de Alberto Baños. A alguns metros de distância, trabalhava sua amiga Olima Espel. Dois anos depois, Iglesias se juntou à equipe de Sergio Torres, que ao assumiu o cargo na Justiça Federal argentina, em 2002, o chamou para o seu gabinete. Lá, o atual membro do Supremo Tribunal de Buenos Aires se especializou em dois tópicos: direitos humanos e delito de drogas. O secretariado dedicado ao segundo item estava nas mãos de Iglesias. A DEA cruzou o caminho do promotor público em 2010, quando um argentino que trabalhava para a agência norte-americana o salvou de um problema.

Iglesias e Saín mantiveram uma controvérsia que o primeiro digeriu com dificuldade, em privado, e o segundo publicou nas redes sociais. O promotor tem certeza de que tem sido usado para ataques contra Eduardo Casal: “Saín me persegue, ajudado por sua aliança com a DEA”, alega. Enquanto isso, o ministro responde que não é um confronto pessoal, mas sim político. No entanto, ele confirma que, no início deste ano, se encontrou com Genevish, com quem concordou em trabalhar em colaboração com a DEA apenas para obter informações no exterior que possam ser úteis ao governo.

Segundo Iglesias, Casal é o advogado mais técnico que ele já conheceu. Em vez disso, para promotores como Mónica Cuñarro, ele é alguém que permite que o Ministério Público seja controlado pela embaixada estadunidense. Também questiona a dilatação das disputas como uma forma de disciplina e a nomeação de procuradores-gerais aposentados, que ele considera atos falhos.

Para Cuñarro, que é chefa do Ministério Público Criminal e Correcional nº 16 (especializado em tráfico de drogas). “a DEA tem sua agenda. Por ser uma agência internacional, preocupa-se apenas (e é bom que seja assim) com o que afeta os Estados Unidos. O problema não é o DEA, mas sim as nossas forças federais, que até hoje, com uma mudança de administração, não têm uma linha traçada a esse respeito, o que me preocupa muito, e espero que seja corrigido”.

O lado Bullrich da vida
Germán Montenegro conhece a DEA por dentro, por ter lidado com sua influência e os seus agentes quando chefiou a Polícia de Segurança Aeroportuária (PSA), entre dezembro de 2012 e janeiro de 2015. Esse vínculo foi recuperado, acompanhando Marcelo Saín, na província de Santa Fé. Para ele, em países como a Argentina, a DEA consegue prevalecer devido aos seus enormes recursos e à fraqueza da estrutura local.

“Os interlocutores da DEA no país são o Ministério Público, o Ministério da Segurança e as forças que os acompanham. Hoje, o trabalho da DEA na Argentina é baseado em inteligência e seminários. Diferente de outras agências, ela tem atividades quantitativas e qualitativas. As outras agências estrangeiras não têm seu tamanho nem sua política de implantação nos territórios. Nem os alemães, nem os espanhóis, nem os italianos fazem isso. Os estadunidenses têm uma política de cooperação mais robusta”, comenta.

De fato, durante o governo Cristina Fernández, a DEA reduziu sua equipe permanente, mas trabalhou autonomamente com as forças de segurança. Com Macri na Casa Rosada, a agência não apenas se aproximou das dezenas de agentes espalhados pelo país, mas também pode realizar cursos sobre tráfico de drogas, terrorismo e vulnerabilidade nos aeroportos, ministrados na Escola de Inteligência Nacional da AFI (Agência Federal de Inteligência da Argentina). Com Alberto Fernández, os especialistas concordam que, embora pareça ter perdido terreno novamente, os movimentos clandestinos da agência foram preservados.

Do Ministério da Segurança da província e Santa Fé, Montenegro confirma isso. “A DEA continua mantendo os laços que estabeleceu durante o mandato de Patricia Bullrich (ministra de Segurança do governo de Mauricio Macri). Ao trabalhar com a DEA de Santa Fé e ver como eles foram tratados, posso dizer que eles mantêm um nível coordenado e bastante fluido de trabalho com as forças federais”, relata.

Foi a ex-ministra Patricia Bullrich que reforçou a presença da DEA na fronteira do nordeste argentino, desde que, em 10 de fevereiro de 2018, assinou um acordo em Washington para instalar uma equipe interdisciplinar sob treinamento da agência norte-americana. As microestruturas constituídas por forças de segurança nacionais e provinciais são as mais preciosas para a DEA. Um mês depois, o chefe de gabinete de Macri, Marcos Peña especificou: “o local de trabalho da equipe interdisciplinar é a cidade de Posadas, na província de Misiones (nordeste da Argentina), e não na Tríplice Fronteira (com Brasil e Paraguai), como foi dito antes. E será dedicado exclusivamente à luta contra o narcotráfico, e não contra o terrorismo”.

Essa mesma articulação, que serve como um guarda-chuva institucional para sua implantação, tem sido aplicada pela DEA na província de Salta desde o final dos Anos 90. Como esperado, a hipótese de militarização estava na agenda. Segundo Germán Montenegro.

“A DEA está indo para isso. Temos uma vaga ideia do que está acontecendo na América Latina e na América Central, e que acontece dessa maneira. Este não é o caso aqui da Argentina. A DEA estabeleceu um mecanismo de ligação com as autoridades federais, provinciais e judiciais não desde agora, mas desde os Anos 70, durante a ditadura. Eles desenvolveram pacientemente esse vínculo, que também serve às forças de segurança argentinas, porque em um contexto em que são administrados com considerável autonomia, esse tipo de relacionamento significa capital em termos de informações e relacionamentos. Isso é algo que nossas forças de segurança sabem cuidar muito bem. Mas a verdade é que eles não estão interessados %u20B%u20Bem militarizar o território por aqui, como na América Central, porque o esquema que já montaram é suficiente para eles.

O esquema dos grampos
O caso paradigmático dos últimos anos é o de Marcelo D'Alessio, que se apresentou como agente da DEA diante de seus eventuais interlocutores e para a grande imprensa local. Uma fonte ligada ao peronismo e com anos dentro da estrutura da espionagem, resume as ramificações do falso advogado.

“Na Argentina, a espionagem política e comercial foi terceirizada. O mercado foi monopolizado por pessoas treinadas por (Antonio) Stiuso, ou por (Francisco) Paco Larcher, ou por (Mario) Montoto. Com relação a D’Alessio, devemos saber que ele não é um agente da AFI, mas trabalhou com o AFI. Não é uma embaixada, mas trabalhou com a embaixada. Não é Bullrich, mas trabalhou com ela. Esses três terminais eram links para seu chefe político, que era Montoto. Muitos subestimam D'Alessio, mas o esquema dele não era desajeitado: era baseado na impunidade com a qual se movia”, comenta a fonte.

A verdade é que D’Alessio é um enigma que expressa o poder que a espionagem por conta própria vem ganhando na Argentina. É precisamente através desses interstícios que a DEA e seu sistema de informações podem se infiltrar.

Um dos focos de preocupação atualmente na órbita do Ministério Público é o cartel do PCC (Primeiro Comando de Capital, do Brasil), que está se instalando na província de Misiones, como eles mesmos admitem. A fragilidade das instituições locais novamente é terreno fértil. No Ministério Público, eles relatam com escárnio que quando pediram à AFI um relatório sobre as atividades do PCC, o retorno foi um trabalho escrito com base no Google. De acordo com o diagnóstico feito pela equipe de Iglesias, não existem cartéis na Argentina, e é por isso que a logística do narcotráfico é terceirizada. Na ausência de uma organização que lide com toda a cadeia, emergem diferentes atores que se associam e cada um deles desempenha um papel.

Para entender a visão de mundo dos Estados Unidos em nosso país sobre esse assunto, é preciso levar em consideração o site da DEA, que realmente redireciona para o site da CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos). Lá, podemos ler uma formulação que coloca a Argentina como país intermediário dos itinerários do tráfico:

– (A Argentina é) um país de transbordo para cocaína destinada à Europa, heroína para os Estados Unidos e efedrina e pseudoefedrina para o México. Alguma atividade de lavagem de dinheiro, especialmente na área da tríplice fronteira (com Brasil e Paraguai), favorecidas pela corrupção policial, e uma fonte de precursores químicos, facilitada pelo aumento do consumo interno de drogas nos centros urbanos, principalmente com base em cocaína e drogas sintéticas.

No entanto, nos últimos anos, surgiu uma novidade entre diplomatas com sentidos aguçados. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos reuniu uma equipe liderada por Andrés Camacho na embaixada desse país. É ela que coordena toda a interação entre as agências americanas e suas contrapartes locais. Seus movimentos aparecem ocasionalmente na superfície, por exemplo, quando eles treinam em províncias como Salta. A influência norte-americana no poder judicial argentino é uma história em si.

Big hammer
Os juízes e promotores federais na casa dos cinquenta anos quase não têm referência. Muitos sequer não ouviram falar. É um nome medieval, mas sua existência é muito recente. A Ordem do Martelo (ODM) foi, por quase duas décadas, a organização que articulou o vínculo entre o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e os magistrados, câmaras e promotores federais espalhados em diferentes partes da Argentina.

Graças à ODM, a expansão subterrânea dos interesses do governo dos Estados Unidos na estrutura judicial do país sul-americano foi enorme. Além disso, tornou-se mais complexa. A associação de juízes e promotores dos Estados Unidos foi absorvida pela fundação CEA (Centro de Estudos Americanos), cuja diversidade de interesses excede seu antecessor. Justiça e negócios são pratos servidos na mesma mesa. Talvez ninguém tenha dito isso com a clareza esmagadora do ex-juiz e atual embaixador dos Estados Unidos no país, Edward Prado, quando ele compareceu ao Senado da Argentina.

“Minha intenção é continuar trabalhando com advogados e juízes da Argentina para melhorar o sistema judicial e fortalecer a confiança das pessoas no sistema judicial”, assegurou.

O desembargador Mariano González Palazzo, de 73 anos, foi o último presidente da ODM. Atual membro da Câmara Nacional de Apelações Penais e Correcionais, em 1999, ele estava no centro das atenções quando se soube que havia recebido em seu escritório o então desconhecido Rafael di Zeo, que depois se tornaria um famoso líder de uma torcida organizada do Boca Juniors. O operador judicial, frequentador regular dos jogos do Boca, ligado à equipe de advogados da AFA (Associação de Futebol da Argentina). Lá, ele cultivou um relacionamento muito bom com Macri e com o presidente do Tribunal Disciplinar, Fernando Mitjans, marido da atual Ministra de Justiça, Marcela Losardo.

– Como você entrou na Ordem do Martelo?

– Depois de ter participado de uma palestra sobre narcotráfico e dependência de drogas, na Universidade de El Salvador. Fizemos cursos nos Estados Unidos. A Ordem nasceu como uma convocação a todos os juízes que foram convidados pelos Estados Unidos para fazer cursos. No início, tratava-se de uma iniciativa sobre administração da Justiça. Na Argentina, o julgamento oral estava em processo completo. Eles foram ministrados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

– Quem estava envolvido?

– Me lembro de Fernando Archimbal, Martín Irurzun, Raúl Pleé, Jorge Casanova e Maria Servini. Também fizemos cursos com o FBI (Birô Federal de Inteligência dos Estados Unidos), sobre procedimentos antidrogas nos Estados Unidos.

– Até quando a Ordem do Martelo funcionou?

– Não tenho certeza, mas acho que até 2008. Não durou o tempo que deveria.

– Por que foi dissolvida?

– Começou a haver uma série de pressões políticas, publicações que diziam que os juízes tinham interesses ou relações com a DEA. Naquele momento, os juízes tomaram muito cuidado para garantir que sua imagem não fosse manchada. Nosso relacionamento com a DEA sempre foi meramente técnico, através de dossiês e conferências.

Na liderança da ODM, o antecessor de González Palazzo foi Martín Irurzun, presidente do Tribunal Federal de Apelações Criminal e Correcional Federal e autor de teorias altamente controversas a respeito da necessidade de prender líderes políticos. A ODM também foi formada pelo promotor federal Carlos Stornelli, pelo ex-ministro provincial Eduardo Duhalde e pelo ex-juiz federal Alberto Piotti, entre muitos outros.

Os seminários foram organizados em colaboração com o Serviço de Informação e Cultural dos Estados Unidos. Eles aparecem nos currículos de vários agentes judiciais, com cargos relevantes em todo o território. Por exemplo, os juízes Jorge Gorini, Gustavo Rofrano, Rita Acosta e Federico Calvete compareceram às reuniões. O atual secretário do Supremo Tribunal Federal, Marcelo Bova, também estava lá. O promotor do Tribunal Superior de Justiça de Chubut, Oscar Luján Fappiano, idem. Os procuradores federais Carlos Cearras e Fernando Larraín, que recentemente renunciaram, em meio à discussão sobre aposentadorias privilegiadas, também estavam presentes.

Embora a ODM tenha definhado em 2008, sua missão não desapareceu. Como já mencionado, foi adotada por uma estrutura mais poderosa e diversificada: o CEA, presidido por Luis María Savino. Em sua sede em Buenos Aires (Rua Tucumán, número 1500), a entidade trata de entreter todos os embaixadores estadunidenses, como fizeram com Anthony Wayne, em 2008. Entre os anfitriões estavam os juízes Raúl Madueño (Cassação), Sergio Fernández (Câmara de Litígios Administrativos), Fátima Ruiz López (Tribunal Oral), Marcelo Aguinsky (Criminoso Econômico) e Patricio Santamarina (ex-juiz federal da região de Lomas de Zamora). Todos os anos, em outubro, eles realizam seu tradicional jantar anual. Em 2019, o Hotel Alvear Palace foi o local do evento, no qual estavam presentes o atual embaixador argentino nos Estados Unidos, Jorge Argüello, além de José Ignacio De Mendiguren, Eduardo Amadeo, Luis Amati, Luis Petri, Daniel Lipovetzki, Adrián Pérez e Fernando Sánchez. Também compareceram os jornalistas Marcelo Bonelli e Jorge Castro. Existem três patrocinadores permanentes: a Embaixada dos Estados Unidos, a Câmara de Empresas Norte-Americanas (AmCham) e a Universidade de El Salvador.

Turismo judicial
Se há algo que as embaixadas estadunidenses e as empresas multinacionais têm em comum é a excelência na organização de viagens de treinamento para estabelecer laços com, nesse caso, membros da estrutura judicial dos países. Para esse fim, as organizações que os agrupam são fundamentais. Um deles é o movimento Unidos pela Justiça, criado por Germán Garavano e Santiago Otamendi, um ex-ministro e um ex-secretário de Justiça durante o governo macrista. Outra é a organização Libra, fundada pela juíza da Suprema Corte da Argentina, Elena Highton de Nolasco.

Em vez disso, no livro “Justiça – Diálogo e participação”, o autor Luis María Palma narra as viagens de Highton e Garavano, a convite do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Palma foi nomeado, em 25 de julho de 2019, como diretor nacional de modernização judicial do Ministério da Justiça, então liderado por Garavano, e reconstruiu a história do grupo “Justiça em Mudança”, programa que surgiu em 2000 com “o objetivo fundamental de promover o conhecimento, pelos líderes da Argentina, das melhores práticas para a modernização dos sistemas judiciais”. A metodologia é explícita: “realizar reuniões periódicas, acompanhadas de intensas trocas de ideias eletronicamente, a fim de propor temas e planejar cursos de ação com os responsáveis %u20B%u20Bpela embaixada (dos Estados Unidos)”.

Foram 101 os juízes, promotores, funcionários e líderes de organizações com capacidade histórica para fazer lobby na Justiça, como policiais e proprietários de mídia que viajaram da Argentina aos Estados Unidos, financiados pelo grupo. Apenas parte de cada categoria será relatada nesta lista: Cristian Abritta (secretário do Tribunal); Jorge Álvarez Morales (juiz da Câmara da província de Catamarca); Jaquelina Balangione (chefa do Serviço Público Provincial de Santa Fé); Alberto Brito (juiz do Supremo Tribunal de Justiça de Tucumán); Luis María Cabral (ex-conselheiro do Poder Judiciário); Luis Cevasco (procurador-geral adjunto do Ministério Público da Cidade de Buenos Aires); Héctor Chayer (diretor do Fórum de Estudos sobre Administração da Justiça); Jorge Durante (comissário da Polícia Federal Argentina); Damián Font (secretário do Tribunal); María Garros Martínez (vice-presidenta do Tribunal de Justiça de Salta); Fernán Saguier (proprietário do jornal La Nación); Hilda Kogan (ministra do Supremo Tribunal de Justiça da província de Buenos Aires); Miguel Moreyra (juiz da Câmara de Misiones); Alan Nessi (presidente do movimento Unidos Pela Justiça); e Florencio Rubio (ministro do Tribunal Superior de Justiça da província de San Luis).

Juntamente com o turismo judicial, é exibido o inventário das principais questões do setor. Um deles é o sistema acusatório, o desejo eterno dos promotores. O OPDAT (sigla do Escritório de Desenvolvimento, Assistência e Treinamento de Ministério Público do Exterior) aparece como uma das agências norte-americanas que pisam em qualquer território do mundo sem levantar suspeitas. Segundo seu site oficial, foi criado dentro da Divisão Criminal do Departamento de Justiça, em 1991, em resposta à crescente ameaça de crimes transnacionais.

Para Binder, os cursos oferecidos pelo OPDAT funcionam como um mecanismo de cooptação pelo Departamento de Justiça dos EUA. São espaços onde as agendas são formadas e as informações são cruzadas, mas cujo impacto não pode ser entendido isoladamente de outros relacionamentos.

“O que acontece, tanto no OPDAT quanto em outras organizações de treinamento, é que usam seus propósitos formais para tecer redes informais. Isso também vale para a DEA e o FBI. Mas, na estrutura geral, me parece que é o mais transparente do problema. Você deve examinar os juízes e as redes de juízes que se identificaram como amigos da embaixada (estadunidense).

Todo problema complexo é um poliedro. O do Judiciário e seus múltiplos relacionamentos é, sem dúvida, um deles. Com o debate em torno da reforma judicial em andamento, o poder discricionário dos tribunais pode estar fora de alcance. É hora de remover o véu e ver o que está por trás disso? Não é hora de ter medo disso.

*Publicado originalmente em 'Revista Crisis' | Tradução de Victor Farinelli