Saul Leblon: Ousar respirar
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As ruas estão dizendo 'eu não consigo respirar' sob o joelho asfixiante da desordem neoliberal.
Desde 2008, quando o sistema entrou em colapso e dobrou a aposta no veneno para subsistir, o joelho tornou-se ainda mais esmagador.
A engrenagem estéril que reproduz dinheiro na ciranda financeira, sem gerar empregos, bem-estar, nem riqueza social, ajustou os parafusos do maquinismo de extração do suor dos trabalhadores dando voltas seguidas na rosca do garrote.
Menos direitos, mais precariedade, zero de estabilidade no presente, nenhuma garantia de futuro.
Tem sido assim em todos os quadrantes, sob a escolta de movimentos e lideranças brancas e fascistas que dão amparo e se espojam no salve-se quem puder daí decorrente: direitos dos pobres e das minorias não cabem mais no Estado reduzido a uma capatazia dos mercados para poucos.
A pandemia veio introduzir a realidade do abandono, da deriva e da morte a essa jaula já irrespirável.
A doença varre milhares de vidas por dia em todo o planeta.
Engana-se quem supõe que a escala anestesiou a alma e naturalizou a convivência com o intolerável.
O silêncio explodiu em Minneapolis na semana passada quando um joelho explicitou a asfixia histórica, interrompendo a respiração de George Floyd até mata-lo.
O que estamos assistindo é o fogo que parecia morto irromper em incêndios de indignação e revolta em todos os lugares, a partir dessa chispa que não cessa de gritar: não consigo respirar, não consigo respirar...
Outras chispas incendiaram cidades e nações em outras épocas; não se tornaram fortes e organizadas o suficiente para transformar a sociedade.
A sociedade só se transforma quando carrega no seu interior a transformação já pulsando na forma de organização popular ancorada em agendas claras, críveis e prefiguradas em antecipações de um futuro amplamente reclamado.
Em 1968, em Paris, as ruas estavam nas mãos do sonho. Mas o poder permanecia encastelado nos seu abrigos e quartéis.
Quem tomou o poder foi o general De Gaulle.
Ficou a lição incontornável.
Não há nada mais urgente a fazer diante de um sistema que se contorce nas próprias tripas do que organizar a sociedade --sobretudo os que nunca tiveram vez nem voz -- para despacha-lo à lata de lixo da história.
A impressionante irrupção humana nas ruas norte-americanas mostra que não faltam nervos, nem musculatura dispostos a essa tarefa.
Falta a clareza de como se desfazer do velho, e desassombro para erguer com as próprias mãos o novo.
Mas sobra cada vez mais a evidência de que, não, sob o joelho da mecânica opressiva não se pode respirar mais.
A pandemia acrescenta a essa angústia a urgência de se lutar pela sobrevivência agora.
A história apertou o passo.
Mas o ministro Celso de Mello viu com argúcia: sopram ventos dos anos ‘30 sobre o Brasil; se não agirmos o fascismo o fará. Como o fez Hitler na Alemanha em 1933.
E torcedores de times de futebol e outros manifestantes democratas saíram corajosamente às ruas para enfrentar grupos fanáticos fascistas. Foram reprimidos pelas Polícias Militares, mas deixaram o exemplo.
O jogo está sendo jogado. Não vai ganhar quem ficar apenas na defensiva e tampouco quem atacar desordenadamente, sem um plano compartilhado e consistente.
Saul Leblon, subeditor da Carta Maior
Desde 2008, quando o sistema entrou em colapso e dobrou a aposta no veneno para subsistir, o joelho tornou-se ainda mais esmagador.
A engrenagem estéril que reproduz dinheiro na ciranda financeira, sem gerar empregos, bem-estar, nem riqueza social, ajustou os parafusos do maquinismo de extração do suor dos trabalhadores dando voltas seguidas na rosca do garrote.
Menos direitos, mais precariedade, zero de estabilidade no presente, nenhuma garantia de futuro.
Tem sido assim em todos os quadrantes, sob a escolta de movimentos e lideranças brancas e fascistas que dão amparo e se espojam no salve-se quem puder daí decorrente: direitos dos pobres e das minorias não cabem mais no Estado reduzido a uma capatazia dos mercados para poucos.
A pandemia veio introduzir a realidade do abandono, da deriva e da morte a essa jaula já irrespirável.
A doença varre milhares de vidas por dia em todo o planeta.
Engana-se quem supõe que a escala anestesiou a alma e naturalizou a convivência com o intolerável.
O silêncio explodiu em Minneapolis na semana passada quando um joelho explicitou a asfixia histórica, interrompendo a respiração de George Floyd até mata-lo.
O que estamos assistindo é o fogo que parecia morto irromper em incêndios de indignação e revolta em todos os lugares, a partir dessa chispa que não cessa de gritar: não consigo respirar, não consigo respirar...
Outras chispas incendiaram cidades e nações em outras épocas; não se tornaram fortes e organizadas o suficiente para transformar a sociedade.
A sociedade só se transforma quando carrega no seu interior a transformação já pulsando na forma de organização popular ancorada em agendas claras, críveis e prefiguradas em antecipações de um futuro amplamente reclamado.
Em 1968, em Paris, as ruas estavam nas mãos do sonho. Mas o poder permanecia encastelado nos seu abrigos e quartéis.
Quem tomou o poder foi o general De Gaulle.
Ficou a lição incontornável.
Não há nada mais urgente a fazer diante de um sistema que se contorce nas próprias tripas do que organizar a sociedade --sobretudo os que nunca tiveram vez nem voz -- para despacha-lo à lata de lixo da história.
A impressionante irrupção humana nas ruas norte-americanas mostra que não faltam nervos, nem musculatura dispostos a essa tarefa.
Falta a clareza de como se desfazer do velho, e desassombro para erguer com as próprias mãos o novo.
Mas sobra cada vez mais a evidência de que, não, sob o joelho da mecânica opressiva não se pode respirar mais.
A pandemia acrescenta a essa angústia a urgência de se lutar pela sobrevivência agora.
A história apertou o passo.
Mas o ministro Celso de Mello viu com argúcia: sopram ventos dos anos ‘30 sobre o Brasil; se não agirmos o fascismo o fará. Como o fez Hitler na Alemanha em 1933.
E torcedores de times de futebol e outros manifestantes democratas saíram corajosamente às ruas para enfrentar grupos fanáticos fascistas. Foram reprimidos pelas Polícias Militares, mas deixaram o exemplo.
O jogo está sendo jogado. Não vai ganhar quem ficar apenas na defensiva e tampouco quem atacar desordenadamente, sem um plano compartilhado e consistente.
Saul Leblon, subeditor da Carta Maior