Solidariedade do MST busca mostrar que o inimigo, além do vírus, é o capitalismo

PELO POVO

Iniciativas de assentados vão desde doações de sangue e produção de álcool em gel à entrega de alimentos nas periferias


Registro da entrega de kits com arroz, feijão, farinha, massa, azeite e detergente feita pelo MST para famílias em situação de vulnerabilidade na Grande Porto Alegre (RS) - Leandro Molina/MST-RS
Em todo o Brasil, as ações de solidariedade do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem sido um importante aliado no combate a coronavírus e à falta de políticas de proteção do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) para as famílias da periferia – a maioria composta de trabalhadores informais –, que enfrentam dificuldades em acessar a renda básica emergencial.
Desde o dia 13 de março, respeitar o isolamento social tem sido a orientação do MST à sua militância com base nas orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). A exceção está no campo, onde com segurança e informação para evitar o contágio, camponeses vêm trabalhando para atender a demanda de alimentos das áreas urbanas - onde o povo convive com o medo da covid-19 e da falta de recursos.
Kelly Maffort, da direção nacional do MST, explica que a solidariedade é um princípio fundamental da prática militante, para construção de laços de resistência entre os trabalhadores, tanto na formação política como na luta por direitos. 
“É nesse momento que nós temos que cobrar do Estado a sua responsabilidade. Para fazer com que o nosso povo não morra nem de vírus e nem de fome. Solidariedade. Esse princípio nós vamos perseguir, cobrar da sociedade as políticas públicas, mas praticar. Esse que é um gesto tão importante e tão necessário para a construção de uma nova sociedade.”
Comida não pode faltar
No Paraná, 10 mil famílias vivem em 70 acampamentos do MST. Cerca de 25 deles enfrentam o risco do despejo. Nesta semana, três desses acampamentos doaram 5 toneladas de alimentos nos municípios de Castro e Ponta Grossa. As doações integram uma ação coordenada em todo o estado, que conta com mais 20 cooperativas do Movimento.
“Com muito orgulho, nós aqui do [campamento] Padre Roque queremos dividir essa maravilha que tá aqui. Não sabemos em qual instituição aqui no Castro, mas é um privilégio muito grande, pelo momento ser tão crítico e nós podermos dividir. Tá aqui toda nossa produção”, conta a agricultora Maria de Jesus, apontado as verduras colhidas no acampamento Padre Roque Zimmermann, em Castro (PR), que depois seriam levadas para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da cidade.
Outra ação solidária ocorreu na última semana no Rio Grande do Sul, onde 12 toneladas de arroz orgânico foram doadas para famílias de baixa renda das periferias de Porto Alegre. A iniciativa integra uma campanha do Comitê Gaúcho de Emergência no Combate à Fome, do qual o MST faz parte.
“A solidariedade sempre foi uma marca da nossa história e da nossa luta. Muitas vezes eram as pessoas da cidade que nos levavam alimento nos períodos difíceis do Movimento nos acampamentos. A cidade sempre nos acolheu. Certamente é uma retribuição por tudo aquilo que nós recebemos”, afirma Cedenir de Oliveira, da direção estadual do MST no estado.
Em Goiânia (GO), na maior zona periférica da cidade, o MST distribuiu feijão, abóbora, ovos caipira, mel e verduras variadas para 30 famílias  da região noroeste da cidade. A iniciativa foi construída junto ao Levante Popular da Juventude, o Coletivo Quilombo e a Brigada do Congresso do Povo.
O cultivo foi desenvolvido em três locais distintos: no Acampamento Dom Tomaz Balduíno, no Centro de Formação e Produção Agroecológica Santa Dica dos Sertões e no Assentamento Canudos.
“O que nós identificamos é que de fato a questão econômica já é uma dificuldade grande para essas famílias, pelo trabalho informal, por serem diaristas, autônomos, pelas ‘correrias’ no dia dia. Identificamos que já há o retorno da realidade da fome. Mas também identificamos uma convicção de que o caminho é cuidar da saúde”. E completa: quando elas recebem o alimento agroecológico, isso traz esperança”, explica Luiz Zarref, da direção estadual do MST de Goiás. 

Distribuição de fitoterápicos a população vem sendo realizadas pelo MST em todo o país para ajudar na prevenção a covid-19 / Divulgação Setor da Saúde/MST
Ações por todo o Brasil
Além da produção de comida na zona rural, o MST também realizou outros tipos de iniciativas solidárias. Em Recife, marmitas são distribuídas para a população em situação de rua pelo Armazém do Campo. Em Santa Catarina, álcool em gel 70% está sendo produzido e oferecido para hospitais.
Nacionalmente, o trabalho está concentrado em duas iniciativas: na campanha “Vamos Precisar de Todo Mundo”, que reúne por meio de uma plataforma online, ações em curso de mais de 100 entidades que compõem as Frentes Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo; e na campanha "Periferia Viva", focada na luta por política públicas e no trabalho de base construído nos territórios. 
Na área da saúde,  o esforço é coletivo e construído em conjunto com a Rede nacional de médicas e médicos populares. Em cada estado brasileiro, há um grupo de médicos do MST formado em Cuba, que estão em plantão, para atender a população. Além disso,  campanhas de distribuição de fitoterápicos e doações de sangue vem acontecendo em todo o país. 
“Estamos em contato com as secretarias municipais e as secretarias estaduais de saúde e com os hemocentros de cada estado. É assim que estamos pensando as melhores estratégias para que nossa base não saia de onde está, evite aglomerações e a propagação do coronavírus, mas que também nesse momento possamos ser solidários com quem mais necessita, tendo em vista que os bancos de sangue estão com um déficit muito grande em nível nacional”, explica Edinaldo Novaes, da direção nacional do setor.
É a partir das ações solidárias, segundo Zareff, que o MST pretende potencializar a organicidade das famílias no seus territórios, mas também demonstrar que o inimigo além do vírus, é o capitalismo.
“É a solidariedade é que constrói os caminhos para se superar o capitalismo. O capitalismo ele não tem nenhuma perspectiva solidária. Ao contrário, ele promove a competição entre as pessoas, ele provoca a subjugação da classe trabalhadora, e o benefício das elites. É a solidariedade que desfaz esses laços nefastos, maléficos do capitalismo.”
 
É a solidariedade é que constrói os caminhos para se superar o capitalismo. O capitalismo ele não tem nenhuma perspectiva solidária.
 
Edição: Rodrigo Chagas