Paul Krugman: Deixem a fera passar fome, alimentem a Depressão

Carta Maior - 19/04/2020


(Annie Flanagan/NYT)
Créditos da foto: (Annie Flanagan/NYT)
Por Paul Krugman - Publicado originalmente em 'New York Times' | Tradução de Isabela Palhares

Então, o nome de Donald Trump, em discordância com todas as práticas anteriores, vai aparecer nos cheques que vão mitigar minimamente a depressão causada por Donald Trump pela pandemia Donald Trump. Ei, temos que colocar o nome dele em tudo, não é?

A palavra operativa, no entanto, é “minimamente”. Acontece que, esses cheques de mil e duzentos dólares, são somente uma fração pequena do pacote de resgate aprovado pelo Congresso algumas semanas atrás. E a lei CARES, por sua vez, fracassou em corresponder às necessidades da nação.

Tendo em vista o nível da carnificina econômica – 22 milhões de empregos perdidos em quatro semanas – precisamos de outro grande programa de auxílio, tanto para limitar a dificuldade financeira quanto para evitar prejuízos econômicos que vão persistir mesmo quando a pandemia desaparecer.

Mas talvez não consigamos o programa que precisamos, porque ideólogos anti-governo, que se calaram brevemente devido ao choque aparente da COVID-19, estão de volta aos seus truques costumeiros.

Neste momento, a economia equivale à um coma induzido, com setores inteiros paralisados para limitar contato social e, com isso, desacelerar a disseminação do coronavírus. Não podemos tirar a economia desse coma até que tenhamos, no mínimo, reduzido bruscamente a taxa de novas infecções e dramaticamente aumentado a testagem de modo que possamos responder rapidamente a quaisquer novos surtos.

Já que não estamos próximos desse ponto – principalmente, a testagem ainda está aquém do necessário – estamos a meses de distância de encerrar o confinamento de maneira segura. Isso está causando uma dificuldade severa para os trabalhadores, empresas, hospitais e – por último, mas não menos importante – governos locais e estaduais, que, diferentemente do governo federal, devem equilibrar seus orçamentos.

O que as políticas podem e devem fazer é mitigar essa dificuldade. E o último pacote de auxílio fez, e de fato, faz muitas coisas certas. Mas não fez o suficiente.

Verdade, uma parte do pacote de auxílio, o seguro desemprego ampliado, pode provar ser mais ou menos adequada – quando as sobrecarregadas agências conseguirem fazer o dinheiro fluir, e presumindo que os esforços de Eugene Scalia, secretário do Trabalho de Trump, em restringir acessos, não tenham êxito.

Mas o programa de empréstimo especial para pequenas empresas já foi exaurido. Governos estaduais e municipais estão reportando perdas drásticas nos impostos e gastos exponenciais. O Serviço Postal está à beira da falência.

Então, precisamos de outro grande pacote de auxílio, que foque nessas brechas. Da onde viria o dinheiro? Apenas pegue emprestado. Agora, a economia está inundada com poupanças em excesso sem local de destino. A taxa de juros de títulos federais protegidos pela inflação está em -0.56%; de fato, os investidores estão dispostos a pagar ao nosso governo para fazer uso do dinheiro deles. Financiar alívio econômico não é o problema.

Ainda assim, no momento, outras leis de auxílio estão paralisadas. E sejamos claros: os Republicanos são os culpados pelo impasse.

É verdade que os Republicanos do Senado estão tentando aprovar extras 250 milhões de dólares em empréstimo para pequenas empresas – e os Democratas estão dispostos a concordar. Mas os Democratas também insistem que o pacote inclua auxílio substancial para hospitais e governos locais e estaduais. E Mitch McConnell, o líder da maioria no Senado, está se recusando a incluir esse auxílio.

McConnell alega que estaria disposto a considerar medidas adicionais em outra legislação. Mas sejamos honestos. Não há motivo para não incluir o dinheiro agora.

Todos, e eu digo todos, sabem o que está acontecendo de fato: McConnell está tentando pegar mais dinheiro para as empresas enquanto continua a enganar governos locais e estaduais. Afinal, “deixe a fera passar fome” – forçar governos a cortar serviços ao privá-los de recursos – tem sido a estratégia Republicana por décadas. Isso é só mais do mesmo.

Essa realidade deixa os Democratas sem opção a não ser bater o pé enquanto ainda possuem influência. Tenham em mente que McConnell poderia ter o dinheiro que quisesse amanhã se estivesse disposto a chegar a um acordo. Até agora, no entanto, ele não está. Ah, e Trump pessoalmente descartou auxílio para o Serviço Postal.

Em um nível básico, os ideólogos anti-governo estão impedindo que respondamos adequadamente ao pior desastre econômico desde a Grande Depressão. Seu obstrucionismo causará muito sofrimento, ao passo que serviços públicos cruciais serão suprimidos. Também vai se misturar ao prejuízo econômico.

Em um futuro próximo, veremos milhões de demissões desnecessárias enquanto famílias empobrecidas cortam gastos, enquanto governos locais demitem professores e bombeiros, enquanto o serviço postal, se sobreviver, se torna uma sombra do que era antes. E muitas dessas demissões provavelmente irão persistir mesmo depois de a pandemia desaparecer.

Qualquer um que esteja esperando uma recuperação econômica “em V”, na qual voltamos rapidamente para onde estávamos alguns meses atrás, ficará muito desapontado.

Se há um lado bom nisso tudo, é que as pessoas que estão sabotando nossa resposta econômica à COVID-19 podem também estar sabotando seu futuro político. Trump está, afinal, contando com uma recuperação econômica rápida para apagar a memória pública da sua gerência desastrosa da pandemia. E mesmo assim, ele e seus aliados no Senado estão tornando improvável tal recuperação.