Pastores criticam jejum convocado por Bolsonaro contra a covid-19
ISOLAMENTO POLÍTICO
Presidente disse que, como “católico”, pretende propor um dia de abstinência para “gente ficar livre desse mal o mais rápido possível”
Por Marcelo Santos - na RBA - 04/04/2020
Presidente disse que, como “católico”, pretende propor um dia de abstinência para “gente ficar livre desse mal o mais rápido possível”
Márcia Bencke, Furtado e Marçal: falta cuidar dos mais vulneráveis na crise que o país enfrenta |
Sem respostas efetivas que atenuem o sofrimento da população diante da pandemia de coronavírus, cada vez mais isolado dentro do próprio governo e desconectado com a comunidade internacional, o presidente Jair Bolsonaro voltou a se ancorar no discurso religioso, numa forma de manter o apoio que possui de parte dos evangélicos.
Na última quinta (2), enquanto atendia apoiadores no cercadinho, na porta do Palácio da Alvorada, ouviu de um grupo de pastores a sugestão para que proclamasse “um jejum para toda a nação”. O pedido foi feito pelo pastor Willian Ferreira, da Igreja Assembleia de Deus Ministério Cruzada de Fogo, de Monte Sião (MG), que ainda pediu a criação de linhas de créditos às pequenas igrejas em dificuldade financeira. Como resposta, Bolsonaro anunciou que este domingo (5) seria o dia de jejum.
Mais tarde, durante entrevista para a rádio Jovem Pan, Bolsonaro reiterou a ideia e disse que foi procurado por “evangélicos e católicos”, e “para a gente ficar livre desse mal o mais rápido possível”, pretende pedir um jejum para todo o povo brasileiro. “Sou católico e minha esposa, evangélica. É um pedido dessas pessoas. Estou pedindo um dia de jejum para quem tem fé. Então, a gente vai, brevemente, com os pastores, padres e religiosos anunciar. Pedir um dia de jejum para todo o povo brasileiro, em nome, obviamente, de que o Brasil fique livre desse mal o mais rápido possível”, afirmou.
Como resposta imediata, pastores passaram a divulgar um cartaz, nas redes sociais, com os dizeres: “Santa convocação do nosso presidente Jair Messias Bolsonaro para um jejum nacional”. A peça estipula amanhã (5) como o dia escolhido para o movimento. Além disso, já há registro de ao menos uma cidade que decretou um dia de jejum, como o caso de Alterosa (MG).
O jejum é uma prática comum, especialmente, entre católicos carismáticos e evangélicos. Ele consiste em se abster da alimentação, por um período, para dedicar-se à oração e reflexão espiritual.
Para o missionário e teólogo Caio Marçal, coordenador da Rede Fale, um movimento evangélico que tem como lema “Levante sua voz contra a injustiça!”, Bolsonaro não sabe o significado da disciplina espiritual do jejum. “Para o profeta Isaías, jejum que não observa o direito dos empregados e não rompe com o jugo da desigualdade, não agrada a Deus”, diz, citando o conhecido texto bíblico de Isaías 58:7 (“O jejum que me agrada é que vocês repartam a sua comida com os famintos, recebam em casa os pobres que estão desabrigados, que deem roupas aos que não tem e nunca deixem de socorrer os seus parentes”).
Ele explica que “não vale de nada ‘jejuar’ se o governo atual opta em dobrar seus joelhos ao ‘Deus Mercado’”. E conclui. “O Deus da vida espera de nós que cuidemos dos mais vulneráveis. Porém, a agenda de Guedes e Bolsonaro está empenhada em proteger os poderosos, ao invés dos mais necessitados. É uma vergonha socorrer banqueiros enquanto o povo passa por dificuldades nesses tempos de covid-19.
Reação negativa
Pastores midiáticos como Silas Malafaia e o deputado Marco Feliciano tem divulgado o movimento da “Santa Convocação”. Porém, algumas igrejas já anunciaram que não devem promover a ação. “A Igreja Presbiteriana Independente do Brasil não vai aderir oficialmente à convocação do Presidente da República para um dia de jejum. Porém, não impedirá que Igrejas e membros que queiram atender tal convocação”, explicou o Reverendo João Luiz Furtado, presidente da Assembleia Geral da IPIB. Segundo ele, já existe um movimento nacional de oração que pretende dedicar a semana de 12 a 19 para esse fim.
Pastores que apoiaram o governo também criticaram uma possível convocação. Foi o caso do teólogo e pastor Guilherme de Carvalho, da Igreja Esperança, em Belo Horizonte, que até pouco tempo integrava o posto de diretor de Promoção de Educação em Direitos Humanos no ministério da também evangélica Damares Alves.
Através das redes sociais, Carvalho escreveu: “Presidente pode pedir a autoridades religiosas para orar e cooperar com o país. Mas presidente não convoca autoridades religiosas nem pastores evangélicos. Ele não tem autoridade para isso. Temos aqui uma clara violação do princípio da soberania das esferas”.
Para a pastora luterana (IECLB) Romi Márcia Bencke, secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) “a melhor prática de jejum é o cuidado com outro. Neste finalzinho de quaresma, precisamos abrir mão dos individualismos e do desejo de poder. Jejum não é sacrifício, mas é ação em oração”. Romi critica ainda a atitude do presidente. “Em um estado laico, não é papel do presidente da República convocar jejum e oração. A tarefa do presidente é seguir a Constituição, colocar toda a sua energia para resolver junto com os demais poderes instituídos esta crise gigantesca que está instalada no país”.