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ARQUITETURA DO ÓDIO: Especialista explica o funcionamento das redes bolsonaristas de ‘fake news’
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O professor Rodrigo Ratier pesquisa o mecanismo que faz que, em pouco tempo, reputações inteiras sejam “queimadas” ou construídas do nada, fazendo vilões virarem heróis e vice-versa
reprodução/paulo emílio
Discursos de Bolsonaro que podem parecer sem sentido, alimentam diferentes narrativas de disseminadores de ódio nas redes, todas ao mesmo tempo
Entidades da sociedade civil e do poder público estão mobilizadas para combater a ampla propagação de fake news, desinformação e discursos difamatórios que tem tomado as redes sociais do Brasil – e do mundo – desde o início do processo eleitoral de 2018, que levou Jair Bolsonaro (sem partido) a vencer a disputa pela Presidência da República. Investigações formais caminham no Congresso, por meio da CPMI das Fake News, e também na Polícia Federal. No ambiente acadêmico, pesquisadores de diversas áreas também movem esforços para entender o fenômeno.
Recentes conclusões de investigações pela CPMI e a Polícia Federal indicaram ligação direta a alta cúpula bolsonarista no Planalto com uma ampla rede de desinformação. Um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro, foi identificado como articulador de um grande esquema criminoso de criação e propagação fake news e difamação.
Apesar de ser vereador pelo Rio de Janeiro, O Zero Três, como é chamado pelo pai, tem presença cativa ao lado do gabinete presidencial, e pode estar por trás da estrutura que ficou conhecida como “gabinete do ódio”. Na verdade, a partir de investigações e depoimentos na CPMI, outro filho do presidente, o deputado federal por São Paulo Eduardo Bolsonaro também aparece como articulador da rede.
A aproximação da investigação da Polícia Federal do esquema criminoso supostamente executado por filhos do presidente, pode ter sido o grande estopim para a maior crise política do governo até então . – que levou à demissão do agora ex-ministro Sergio Moro do ministério da Justiça e Segurança; Com seus filhos ameaçados, Bolsonaro teria resolvido trocar o diretor da Polícia Federal, “removendo” Maurício Valeixo por um amigo da família, Alexandre Ramagem, em clara afronta à independência das instituições.
A história do submundo
Para ampliar a compreensão de como funcionam as redes bolsonaristas de difamação e propagação de fake news, a RBA conversou com o pesquisador Rodrigo Ratier, jornalista com mestrado e doutorado na área de mídia e educação. Hoje, além de ser colunista do portal UOL, ele desenvolve pesquisa na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, sobre fake news entre apoiadores do presidente no WhatsApp.
Ratier encontrou, em duas frentes diferentes de sua pesquisa, alguns resultados importantes. “Primeiro, que existe uma cadeia de convites intragrupos. Eles se referenciam, colocam até gente à revelia em grupos públicos de WhatsApp, algo possível apenas com o número de telefone. Aparentemente, eles trabalham com cadastros de telefones obtidos por meios escusos”, disse, o que já foi confirmado pela CPMI das Fake News.
“O segundo é que ficou bem claro que pouca gente escreve. A maioria das pessoas nestes grupos estão totalmente caladas. Por exemplo, em uma semana aleatória, metade das postagens foram feitas por menos de 2% dos usuários. Existem indícios claros de que há uma centralização na produção das peças”, completou.
Ratier afirma que os administradores de grandes grupos públicos atuam de forma coordenada, algo também já apontado na CPMI das Fake News, ligando essa articulação ao famigerado “gabinete do ódio”, tocado pelos filhos do presidente e também por deputados da base bolsonarista.
Ratier também descreve o teor dessas postagens compartilhadas em massa, em que se destacam conteúdos ditos noticiosos, sem nenhuma comprovação de fonte, com manchetes “explosivas” e apontando para sites (quem em geral são blogues) igualmente obscuros, em que as “matérias”, nem sequer são assinadas. “Sempre materiais de baixíssima qualidade, apontando para sites de baixíssima qualidade, (que incluem) perfis de parlamentares bolsonaristas, enfim (…) Em geral é um submundo. A história desse submundo é a de um grupo central, sem medo e sem moral, que produz as peças mais absurdas”, disse.
Exército do ódio
A centralidade de um núcleo de produção dos conteúdos ainda fica evidente na ausência de debate, de crítica, e de muitos conteúdos encaminhados entre si.
“Tem gente produzindo linhas narrativas e as principais peças. Veja: 75% das mensagens, em uma medição que fiz em 10 grupos por 24 horas em um dia aleatório de fevereiro, eram copiadas ou encaminhadas . E a maioria dos conteúdos são bastante repetidos e heterogêneos. De 1.302 mensagens, apenas uma continha uma crítica”, disse.
Então, tais grupos, conclui o pesquisador, funcionam como “meio de propaganda de massa do bolsonarismo”. “O WhatsApp é o lugar das peças mais radicais. É o lugar do politicamente incorreto, sem freio. A criptografia faz com que exista muita dificuldade de entender o que circula. São peças muito pesadas. As menos pesadas acabam ganhando o debate público, seja por deputados bolsonaristas, seja Twitter, Facebook”, completa.
De herói a alvo
A ruptura de uma das grandes bases políticas do bolsonarismo, o lava-jatismo, que tem em Moro seu “herói”, também foi alvo de análise de Ratier, que pesquisa redes bolsonaristas e fake news mesmo antes das eleições de 2018 – chegou a acompanhar 50 grupos simultaneamente. Muitos dos grupos bolsonaristas tinham nomes em referência ao ex-ministro. “Eu apoio a Lava Jato”, “Todos com Sergio Moro”, entre outros títulos. No dia da queda de Moro, sexta (24), em que ele fez denúncias contra Bolsonaro, houve um ruído, que é como comunicadores se referem a qualquer fenômeno que reduza a eficiência da comunicação.
“Esse discurso abilolado do Bolsonaro em resposta ao Moro, para nós, parece não fazer sentido, mas ele acena para vários grupos e gera ‘micropeças’. Fala da facada, que o Moro foi omisso, outra peça fala da falta de lealdade, que o Bolsonaro defendeu o Moro e não o contrário, assim por diante. Existe uma retroalimentação. Os grupos bolsonaristas esperam o discurso do Bolsonaro. Isso é muito evidente. A partir daí surgem peças bastante agressivas tanto em texto quanto em informação visual”, explica Ratier.
Então, o desgaste do presidente foi muito mais sensível na esfera pública tradicional, na grande imprensa, e menos no submundo das fake news e da difamação. “É um submundo pesado, meio deep web, ao mesmo tempo que ele é um aplicativo que as pessoas utilizam no dia a dia.”
“Transformaram a interferência que o Moro denunciou em troca técnica de uma peça, para que as pessoas não abandonassem um presidente (na visão de seus apoiadores) ‘lutando contra o sistema’. O desgaste aconteceu na sexta com menos de 10% de pessoas que saíram dos grupos. Mas muitas mais já foram adicionadas, à revelia até. A maioria sai, mas alguns ficam recebendo mensagens e repassando para família e amigos. Os grupos voltaram à programação normal de difamação dos inimigos”, completa o pesquisador.
Saídas
Além das investigações formais para tentar desmantelar o esquema criminoso da propaganda bolsonarista, o WhatsApp também poderia tomar medidas mais duras neste sentido, defende o pesquisador. Ele avalia que fake news e campanhas de difamação, contra as quais o aplicativo reage, mas não toma efetivas medidas para barrar, minam democracias e confundem, desinformam, os cidadãos. Ratier pensa algumas ações possíveis que a empresa, comandada pelo grupo Facebook, poderia adotar.
“O WhatsApp já tomou várias atitudes contra isso. Em 2018, com o Brexit, com uma onda de linchamentos na Índia, reduziram os encaminhamentos. Você podia encaminhar para 250 destinatários e reduziram para 20. Nas eleições no Brasil, reduziram para cinco. E também teve a sinalização da mensagem encaminhada. Na minha avaliação as medidas são tímidas. Entendo que se tomarem medidas mais duras, as pessoas vão migrar para outros aplicativos. Mas talvez não muito, porque o sistema está tão consolidado que eu acho que o correto seria extinguir grupos públicos”, disse.
Outro caminho seria reduzir o número de pessoas que podem participar destes grupos públicos. “Só administradores devem poder convidar (e regras deveriam ser criadas para regular a expansão dos grupos).”
“A segunda coisa”, completa: “hoje, você é inserido em um grupo. Deveria ter uma etapa falando que tal pessoa está tentando te adicionar em um grupo tal, se você aceita ou não. Por que não reduzir o número de participantes em grupos públicos? Hoje são até 256, por que não passar para abaixo de 110, por exemplo? Não são medidas que vão impedir uma estrutura em rede, mas vão diminuir o alcance, vão tornar a coisa mais trabalhosa, vão exigir gente de carne e osso operando”, completou.