Ricupero: Bolsonaro toma quatro coices comerciais de Trump, mas ainda assim arrisca perder mercado para agradá-lo no Irã

Ricupero: Bolsonaro toma quatro coices comerciais de Trump, mas ainda assim arrisca perder mercado para agradá-lo no Irã
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Por Viomundo - 12/01/2020

O ex-secretário geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero diz que não faz sentido, do ponto-de-vista comercial, o apoio dado pelo presidente Jair Bolsonaro a Donald Trump no contencioso com o Irã.
O Brasil teve um superávit de R$ 2 bilhões exportando milho, soja, farelo de soja, carne e açúcar para o Irã, de acordo com dados do próprio governo.
“O endosso pelo Brasil à ação agressiva de Trump cria riscos para as exportações brasileiras ao Irã, um dos dois principais importadores de produtos agrícolas (milho, proteínas animais)”, disse Ricupero em entrevista a O Globo.
Ele também lembrou que Donald Trump deu, ameaçou ou vai dar quatro coices econômicos em Bolsonaro.
Listou:
“Além dos aspectos morais (apoio a um crime, a um assassinato, a um ato de terrorismo de Estado) e políticos (alinhamento temerário com política capaz de conduzir à guerra), a atitude do governo Bolsonaro contraria os interesses comerciais brasileiros, já que hostiliza um mercado importante por meio do endosso a um país, os EUA, que são o único parceiro a já aplicar sanções ilegais contra nossos produtos (aço, alumínio), o único a nos ameaçar de novas sanções (as declarações sobre desvalorização da moeda), o único a descumprir promessas anteriores (abertura do mercado à carne bovina), o único que talvez dentro de poucos dias alcançará um acordo com a China capaz de desviar compras chinesas de produtos brasileiros (soja, milho, carnes, etanol, algodão) para um nosso concorrente, os americanos. Onde está nisso o interesse nacional?”
Estados Unidos e China devem em breve anunciar um acordo comercial. Trump quer garantir acesso de produtores norte-americanos ao mercado chinês independentemente de preço.
Os produtores americanos de soja, milho, carnes, etanol e algodão, alguns dos quais disputam espaço diretamente com o agronegócio brasileiro, estão baseados em estados que são essenciais para a reeleição de Trump em novembro de 2020.
O banimento da carne bovina dos EUA do mercado chinês foi suspenso recentemente, depois de 14 anos, por causa da vaca louca.
Os rebanhos norte-americanos estão em alta e vendas garantidas para a China podem representar muitos votos para Trump em vários estados.
Gráfico elaborado pelo Farmnews a partir de dados oficiais do governo dos Estados Unidos
Apesar de a economia mundial patinar, Trump quer garantir para os seus acesso a um dos maiores mercados de alimentos do mundo, o chinês.
Na marra, se for necessário, e às custas de supostos “aliados” brasileiros.
Como os Estados Unidos submetem o Irã a um boicote econômico, o Brasil praticamente tem domínio daquele mercado para as exportações de milho e soja.
Desde que Michel Temer assumiu, depois do golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, uma série de medidas reduziu o poder de compra dos mais pobres no mercado interno brasileiro — dentre as quais o aumento do salário mínimo abaixo da inflação.
Em 2018, a renda média de 54 milhões de brasileiros — 60% dos trabalhadores — foi inferior a um salário mínimo.
A economia brasileira está hoje calcada nas exportações de produtos primários, especialmente da mineração e agrícolas.
Exportar comida, no entanto, pode acabar prejudicando os mais pobres, já que empurra para cima o preço dos alimentos no Brasil.
Esta é uma das explicações para a disparada do preço da carne.
A inflação da comida no Brasil já está próxima de 8% anuais.
Curiosamente, os governos do PT eram acusados de fazer uma política externa “ideológica”, ou seja, escolher parceiros comerciais alinhados ideologicamente.
Bolsonaro, sugere Ricupero, não só colocou a ideologia acima do interesse do Brasil, mas está rasgando dinheiro: “Onde está o interesse nacional nisso?”, perguntou o diplomata sobre o apoio automático do mandatário brasileiro a Trump na briga com o Irã, sem qualquer contrapartida tangível.