Razão da sobrevida de Bolsonaro irá se esgotar

(Foto: ADRIANO MACHADO - REUTERS)
Por Marcos Coimbra - no 247 - 11/10/2019

Aos olhos da quase totalidade da opinião pública internacional e da maioria da população brasileira, Bolsonaro não tem condições de presidir o Brasil. Pensa errado, faz errado, fala errado e acredita em coisas erradas, segundo o que pensam, fazem, falam e acreditam as pessoas normais.  

Por que ainda está no poder?   
Não é, com toda certeza, por respeito à regra de que a democracia padece quando as instituições estão em permanente convulsão, o que exige sejam poupadas de choques e mudanças a toda hora. Bolsonaro ficaria porque a instabilidade provocada por sua saída seria pior que suportá-lo.   
Invocar esse argumento, depois do que aconteceu com Dilma Rousseff, é pura hipocrisia. Não nos esqueçamos de que ela estava no início de um mandato recém conquistado nas urnas quando, sem qualquer fato relevante, seu governo foi bloqueado no Congresso e teve início um processo de impeachment mal ajambrado. Hoje, passados menos de três anos, as pesquisas mostram que apenas uma pequena minoria sequer consegue lembrar-se de qual era a acusação e qual prova havia contra ela.    
Entre Dilma e Lula, há algum paralelismo na fragilidade das acusações que sofreram. Para condená-los, quem, no povo, os considera culpados costuma utilizar-se de dois raciocínios. Por um lado, do esdrúxulo princípio da presunção da culpa: “não sei exatamente o que fizeram, mas fala-se tanto que alguma coisa devem ter feito”. De outro, da imagem de “conjunto da obra”: não é por essa ou aquela acusação concreta, mas por algumas suposições inespecíficas (por isso mesmo, de comprovação impossível), em que se misturam delitos imaginados com antipatias e picuinhas.   
E quanto a Bolsonaro, o conjunto de sua “obra” não é já suficiente? Nos  primeiros nove meses de governo, na avaliação de quem entende do assunto,  não apenas perpetrou dezenas de atos que justificariam a abertura de processos de impeachment, como deixou claro que continuará a praticá-los. Fora para os malucos que acreditam nele, o capitão é o pior tipo de culpado, o que insiste em seus crimes.
Outro argumento para fazer vista grossa à sua evidente inadequação ao cargo é a “legitimidade das urnas”. Ninguém discute que o respeito à manifestação dos eleitores é fundamental na democracia, o que significa aceitar o vencedor por mais deplorável que seja, mesmo depois que a maioria passa a querer vê-lo pelas costas.    
Não é, contudo, o que sempre acontece no Brasil. Voltando às analogias com Dilma, o questionamento da legitimidade de sua vitória em 2014, usando da tese de “estelionato eleitoral”, chega a ser cômico face às bandalheiras do bolsonarismo na eleição passada. A respeito da ex-presidente, o máximo que se consegue dizer é que fez “promessas falsas” durante a campanha, pecado venial em nossa cultura politica, cometido por dez entre dez candidatos ao Executivo.   
Bolsonaro foi muito pior: ganhou a eleição na trapaça, abusando de ferramentas imorais e ilegais, e enganando uma parcela do eleitorado com o bombardeio de mentiras pelo WhatsApp. Na sua campanha, as (muitas) promessas falsas são café pequeno. Fez tanta coisa irregular que só seus cúmplices acham que o resultado é legítimo.  
As pesquisas recentes também questionam a tese de que o bolsonarismo existe como expressão de um antipetismo amplo e disseminado em nossa sociedade, como se Bolsonaro fosse uma régua através da qual se mede a rejeição ao PT. A hipótese agrada a alguns que odeiam o partido (como os irmãos Marinho e seus funcionários), mas é falsa. As mesmas pesquisas mostram que o tamanho do antibolsonarismo já superou (de longe) o do antipetismo.   
Volta a pergunta: o que explica que Bolsonaro aí fique, apesar de tudo? Se não é por apreço à estabilidade institucional, se, em seu caso, a “legitimidade das urnas” é amplamente questionável, se exprime um sentimento minoritário e se, além disso, é um presidente de péssima qualidade, por que permanece no cargo?    
O que dá sobrevida a Bolsonaro não é a pequena minoria na sociedade que efetivamente gosta dele e o apoia, mas, por enquanto, a tolerância de alguns. Na opinião pública, dos que acham que é cedo para despachá-lo, e no empresariado, dos que lhe dão apoio pragmático, que persiste enquanto mantêm a expectativa de lucrar e cessará quando se convencerem de que não se concretizará.    
Sua turma de coração é pequena e diminui a cada dia: os radicais amalucados do bolsonarismo (alguns no Congresso), os lavajatistas no sistema de Justiça (mesmo desmoralizados pela vaza jato), alguns generais (quase todos aposentados), a velha elite da grande imprensa. Fora esses, os oportunistas de plantão, os primeiros que abandonam o navio.   
É pouco para quem quer durar muito. E quatro anos é tempo demais para que alguém como ele sobreviva. O fracasso administrativo do governo vai abreviar o período em que seremos obrigados a aguentá-lo.