Celso Amorim: ''Nunca houve uma subordinação tão vergonhosa aos EUA, nem na ditadura''
Celso Amorim, considerado o melhor chanceler do mundo nos governos Lula, exclusivo para a Web Rádio Carta Maior: ''Confesso minha perplexidade com a falta de reação dos militares''
Créditos da foto: Lula e Celso Amorim |
Temos que recriar a multipolaridade que foi um esteio geopolítico importante dos governos do PT
Esse escudo bem sucedido despertou, ao mesmo tempo --com despertará-- reações contrariadas
Será necessário, talvez, construir uma frente interna mais sólida para reagir quando a pressão se elevar
O papel da China -- antes não tão acentuado --, passa ter grande peso numa retomada, mas não exclusivo
Celso Amorim: A China terá que ser tratada como parceira estratégica e de longo prazo. E o empresariado sabe disso.
A China coloca seus interesses à frente, é verdade, mas todos praticam o seu 'American, First', exceto o Brasil atual.
Claro que a China tem interesse em comprar matéria-prima barata e vender industrializados.
Mas se eles querem investir aqui em infraestrutura, então terão que comprar também óleo de soja, e não só grão.
A reciprocidade industrial é possível: eles mesmos queriam isso na área tecnológica com a Embraer, agora, infelizmente, vendida.
Celso Amorim e Carlos Tibúrcio
Existe espaço para parcerias de maior complexidade tecnológica: os únicos satélites efetivos do Brasil nasceram em associação com os chineses.
Celso Amorim: O clima político nos BRICs mudou em boa parte pela relação atual,privilegiada e obsessiva, com os EUA
A Rota da Seda é importante como investimento em infraestrutura, mas o foco prioritário dos BRICs também era esse.
Houve uma quebra de confiança com o Brasil e embora a China seja pragmática, a moeda comum dos Brics, por exemplo, parece agora improvável.
O clima político nos BRICs mudou em boa parte pela relação atual, privilegiada e obsessiva, com os EUA.
Nunca houve uma subordinação tão vergonhosa e submissa aos EUA quanto agora. Nem no governo militar.
Celso Amorim: Um diplomata brasileiro na Europa me relatou o que ouve --Mas vocês prenderam o Mandela brasileiro?!"
Eu defendo a democracia no Brasil e não concebo uma democracia plena com Lula preso.
Isso me foi contado por um diplomata brasileiro na Europa que ouviu a seguinte pergunta: 'Mas vocês prenderam o Mandela de vocês?'
Tenho a esperança de que o Supremo venha a decidir pela nulidade do processo contra Lula, pelas irregularidades gritantes, agora comprovadas.
Lula está lendo, refletindo, tem enorme lucidez sobre o que é preciso fazer no Brasil e o eixo da soberania está muito presente nas suas preocupações.
Reverter quando as coisas avançam é muito difícil. Embraer, por exemplo. Nosso governo interrompeu as privatizações, mas não revertemos.
Celso Amorim:' Você ouvia falar em internacionalização da Amazônia sob Lula e Dilma? Não. Porque soberamente agíamos em sintonia com o interesse global'
A primeira soberania a ser conquistada é a das mentes: juízo crítico para não aceitar as receitas que vem de fora.
A lógica rentista, a dos investidores em Bolsa, não pensa o país a longo prazo. Querem ganhos imediatos apenas.
Soberania não é deliquência: isso que o Brasil está fazendo, por exemplo, desrespeitar acordos ambientais que nós mesmos ajudamos a construir.
A Amazônia é nossa, mas se o apartamento que é seu inunda, e prejudica outros, você não pode alegar soberania para não agir cooperativamente.
A floresta amazônica é um enorme sumidouro de carbono e isso a vincula a interesses globais que são também nossos, de todo o planeta.
Celso Amorim: 'Confesso minha perplexidade, já era para ter tido uma reação dos militares à total subalternidade do governo atual.
A cobiça internacional de mineradoras americanas, por exemplo, é antiga na Amazônia. Eu me lembro do Hermann Khan. Era o Bannon de extrema direita dos anos 70.
No governo Costa e Silva, Herman Khan e seu Hudson Institute, fez uma proposta de alagar a Amazônia para facilitar o transporte de minério. Foi repudiado.
Claro que não sou a favor de golpes, nem de esquerda, nem de direita e acho que as Forças Armadas não devem participar da política.
Então diante dessa submissão, quando você entrega seus recursos naturais à exploração estrangeira, caso da Petrobrás; quando abre mão de uma empresa de tecnologia de ponta como a Embraer, abre mão de uma política externa independente, fico um pouco perplexo . Porque acho que já deveria ter ocorrido uma reação (dos militares) .
Nunca houve esse alinhamento incondicional aos EUA: o Brasil reconheceu a independência conquistada pela guerrilha, em Angola, em plena guerra fria. Reconhecemos a China sem pedir licença; reconhecemos o escritório da OLP; os governos militares reconheceram Cuba, fizeram as 200 milhas que nos garantiram o pre-sal em aguas profundas -- isso foi no governo Médici!
Na ditadura militar tivemos coisas horríveis, a tortura, por exemplo. Mas o que se tem agora, essa submissão declarada, eu nunca vi. A política externa do Brasil nunca foi tão ruim quanto agora.
Insisto, sou contra a participação dos militares na política, mas Forças Armadas constitucionalmente também são guardiãs da legalidade.
E a legalidade se baseia também na soberania nacional que não pode ser contrariada. E aí é preciso fazer um julgamento sério porque isso está sendo contrariado (por essa omissão). Nós nunca adotamos esse papel de total subalternidade que se tem hoje.