MP gaúcho quer suspensão de agrotóxico que levou ao extermínio de abelhas

MORTAL

Proibido na Europa justamente por ser letal aos polinizadores, o fipronil obteve três novos registros junto ao governo Bolsonaro

Por Cida de Oliveira, da RBA - 15/08/2019

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Entre outubro passado e março deste ano foram mortas 400 milhões de abelhas em 32 municípios gaúchos


 A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre pediu nesta quarta-feira (14) que o governo do Rio Grande do Sul suspenda o fipronil do Cadastro Estadual de Registro de Agrotóxicos. O ofício enviado à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam) e às secretarias da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural e de Meio Ambiente e Infraestrutura é desdobramento do inquérito civil instaurado para apurar as causas do extermínio de abelhas no estado.
Entre outubro passado e março deste ano foram exterminadas 400 milhões em colmeias de 32 municípios gaúchos.  De acordo com o promotor de Justiça Alexandre Saltz, do Ministério Público do Rio Grande do Sul, “a necessidade é de prevenir novos danos ambientais irrecuperáveis derivados da aplicação do produto”.
Não bastasse a crueldade contra os insetos, o extermínio põe em risco a produção de alimentos. Segundo a organização Bee or not to Be?, idealizada pelo professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto Lionel Segui Gonçalves, as abelhas são os maiores polinizadores do planeta. Atuam diretamente na reprodução de mais de 85% das plantas com flores das matas, florestas e áreas verdes, conferindo importante equilíbrio aos ecossistemas. E de mais de 70% das culturas agrícolas, garantindo a ampliação da produtividade no campo e a melhoria na qualidade de frutos e sementes. Na busca por alimento, coletam também o pólen produzido pelo órgão masculino da flor e o carregam para a parte feminina. É nesse processo de polinização que a planta se reproduz.

Banido

O fipronil que está na mira do MP gaúcho foi banido da União Europeia em 2017. Pesquisas realizadas pela Universidade de Exeter, no Reino Unido, constataram que a substância matou milhares de abelhas na França entre 1994 e 1998. E que as mortes ocorreram logo que o produto foi lançado.
A devastação de colmeias inteiras de apicultores gaúchos, porém, não parece preocupar o Ministério da Agricultura do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Desde o início da gestão foi concedido registro – que permite a produção e venda – para mais 290 produtos. Desse total, dois são para a substância pura e outros dois para misturas com o acetamiprido, da classe dos neonicotinoides.
Das novas liberações, pelo menos 21 são nocivas às abelhas. São 12 da classe dos neonicotinoides, três da fenilpirazol e seis sulfoxaminas. “Os piores são o fipronil, do segunda classe, e o sulfoxaflor, da terceira, estes todos produzidos pela Dow Chemical. Aparentemente são mais perigosos que os neonicotinoides. Embora não haja mocinhos nessa película, é bom lembrar que alguns neonicotinoides estão liberados na União Europeia, enquanto os dois outros grupos estão proibidos. O fipronil está praticamente banido até nos Estados Unidos, onde é usado apenas em casos extremos”, avalia o professor e pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Marcos Pedlowski, que monitora as liberações de agrotóxicos.
Seja como for, a classe dos neonicotinoides está diretamente associada ao extermínio de abelhas em todo o mundo. Estudo financiado por 28 países da União Europeia concluiu que tais inseticidas representam grande risco para diferentes tipos de abelhas. Tanto que esses países proibiram o imidaclopride e a clotianidina, da Bayer, que comprou a Monsanto, e o tiametoxam, da Syngenta. Porém, coerente com a via de sentido contrário que escolheu para trafegar, o Brasil deu sinal verde também para seis pedidos para fabricar imidaclopride e dois para tiametoxam.

Com sequela

No último dia 6, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina (DEM-MS), a “musa do veneno”, juntou o diretor da Anvisa, Renato Porto, e a diretora do Ibama, Carolina Mariani, entre outros, para tentar explicar à imprensa as principais questões envolvendo os agrotóxicos no país.
Os gestores foram enfáticos na defesa da tese de que o Brasil aparece na 44ª posição em um ranking do Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) sobre uso de defensivos agrícolas. E não na primeira. Na perspectiva adotada pelo governo, o consumo foi de 4,31 quilos de agrotóxicos por hectare cultivado em 2016. E que entre os países europeus que utilizam mais defensivos que o Brasil aparecem a Holanda (9,38 kg/ha), Bélgica (6,89 kg/ha), Itália (6,66 kg/ha), Montenegro (6,43 kg/ha), Irlanda (5,78 kg/ha), Portugal (5,63 kg/ha), Suíça (5,07 kg/ha) e Eslovênia (4,86 kg/ha).
Uma tese contestada pela pesquisadora Larissa Mies Bombardi, do Departamento de Geografia da USP. Conforme explicou no final de junho à Agência Pública, quando se divide o consumo brasileiro de agrotóxico pela área plantada há diluição desse volume gigantesco. Isso porque é considerada área cultivada regiões como pastos, que são terras improdutivas. “Uma conta faz com que o Brasil fique lá embaixo no ranking”.
O esforço da equipe da musa do veneno veio da pressão dos próprios ruralistas diante da repercussão negativa de uma paródia apresentada no programa Zorra, na noite de 3 de agosto. Na esquete em formato de desenho animado, o ruralista pulveriza agrotóxico na goiaba em um sítio em que os agrotóxicos e os transgênicos alteraram profundamente a vida e a saúde das pessoas. A inconsequente – e prevista – farra dos agrotóxicos no governo Bolsonaro foi criticada em horário nobre, pouco depois da venda de imagem pop do agro.
Confira a crítica aos agrotóxicos em O Sítio do Pica Pau com Sequela: