Nassif: Xadrez de Léo Pinheiro e do jogo político de Raquel Dodge
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Um dos pontos mais ostensivos da pantomima da Lava Jato, foi o aspecto claramente inquisitorial, de obrigar o pecador a abjurar de suas crenças e erros, e fazer profissão de fé pública na sua própria regeneração.
Em vários momentos, as sentenças mencionavam o “arrependimento” como peça central da regeneração, como prova de que o pecador finalmente viu a luz. Não se trata de processo de salvação das almas, mas do artigo 16 do Código Penal, que estipula:
Art. 16 – Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.
É o caso de Léo Pinheiro, na carta que enviou à Folha de São Paulo (aqui), na qual diz que não mentiu nem foi coagido a mentir, mas apenas seguiu as recomendações de sua consciência.
Diz ele
A minha opção pela colaboração premiada3 se deu em meados de 2016, quando estava em liberdade, e não preso pela operação Lava Jato. Assim, não optei pela delação por pressão das autoridades, mas sim como uma forma de passar a limpo erros que cometi ao longo da minha vida. Também afirmo categoricamente que nunca mudei ou criei versão e nunca fui ameaçado ou pressionado pela Polícia Federal ou Ministério Público Federal.
Nos próprios diálogos dos procuradores (aqui) está nítida a tática de decretar a prisão de Léo Pinheiro para que abra o bico – isto é, diga o que a Lava Jato quer que diga. Ou seja, ele estava em liberdade e ameaçado de ir para a prisão se não se acertasse com a Lava Jato. O nome que se dá a essa possibilidade é ameaça ou pressão.
Só quando aceitou mudar a versão é que a delação foi aceita e ele foi ouvido pela autoridade, o juiz Sérgio Moro. Ou seja, o desmentido não desmente nada.
De qualquer modo, o episódio Léo Pinheiro permite montar um roteiro claro, sobre a influência político-partidária na Procuradoria Geral da República, com Rodrigo Janot e, agora, com Raquel Dodge, e a maneira simples como as invesitgações da Lava Jato eram condicionadas.
Peça 1 – a delação de Léo Pinheiro incluía políticos tucanos
Nos diálogos, Deltan confirma o que dizíamos na época, de que Léo Pinheiro incluíra muitos tucanos na delação.
Peça 2 – a armação com a revista Veja
De repente, antes da delação ser homologada, sai a capa da revista Veja, com supostos anexos da delação, em uma falsa denúncia contra Dias Toffoli, Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Os próprios procuradores comentam que não tinham visto aquelas informações nos anexos da delação.
Era matéria falsa, que se auto destruía (aqui). A própria matéria desqualificava a acusação contra Toffoli, mas deixava pairando no ar a suspeita de que, se a delação fosse adiante, pegaria peixe graúdo. Tudo com o óbvio objetivo de melar a delação de Léo Pinheiro:
Tal como está, a narrativa de Léo Pinheiro deixa uma dúvida central: existe algum problema em um ministro do STF pedir um favor despretensioso a um empreiteiro da OAS? Há um impedimento moral, pois esse tipo de pedido abre brecha para situações altamente indesejadas, mas qual é o crime? Léo Pinheiro conta que a empresa de impermeabilização que indicou para o serviço é de Brasília e diz mais: que a correção da tal impermeabilização foi integralmente custeada pelo ministro Toffoli. Então, onde está o crime? A questão é que ninguém se propõe a fazer uma delação para contar frivolidades. Portanto, se Léo Pinheiro, depois de meses e meses de negociação, propôs um anexo em que menciona uma obra na casa do ministro Toffoli, isso é um sinal de que algo subterrâneo está para vir à luz no momento em que a delação for homologada e os detalhes começarem a aparecer.
Peça 3 – a armação atinge o alvo
Anna Carolina, a mais atilada dos procuradores – pelo que se depreende dos diálogos – mata a charada sobre a irrelevância da capa.
A partir daí, mela-se o acordo que dividiria o ônus da Lava Jato do PT com o PSDB, apesar dos lamentos de Deltan. Em parte, pela perda de confiança no que consideraram uma deslealdade do advogado de Léo – que, possivelmente, estava inocente nessa armação. Em parte, pelo receio da reação do STF, como se depreende na continuação do diálogo de Anna Carolina, respondendo a Deltan.
E, depois:
Com isso, o PSDB foi salvo e não precisou prejudicar a ofensiva política contra Lula. E os espertíssimos integrantes da Lava Jato Paraná, que julgavam ter desvendado o maior caso de corrupção da história por seus próprios méritos, continuaram sem se desviar do caminho que lhes foi traçado por espertos muito mais profissionais, acantonados em Brasilia, manobrando o chicote e a cenoura e induzindo totalmente o caminho que a operação deveria percorrer.
A reação imediata do PGR Janot à capa da Veja, anunciando a interrupção das negociações com Léo, deixaram suas impressões digitais na armação.
Peça 4 – o fator Raquel Dodge
O MPF desistiu de vez da delação de Léo Pinheiro, mas a Polícia Federal aceitou, em uma desmoralização completa de todas as bandeiras do Ministério Público, desde a PEC 37. Como se recordam, a PEC 37 pretendia restringir os poderes de investigação do MPF. Ali foi selado o pacto com a Globo, para derrubar a PEC. Afinal, não tinha lógica impedir que mais poderes pudessem aprofundar as investigações sobre crimes de impacto. E era atribuição constitucional do Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial. Agora, ocorria o inverso, era a Polícia Federal exercendo o controle externo da atividade do MPF, impedindo que varresse parte da delação de Pinheiro para debaixo do tapete.
Antes, um pouco da biografia de Raquel.
Mesmo sem atuação política ostensiva, Raquel sempre foi considerada integrante do grupo tucano na PGR. Essas suspeitas nasceram de suas relações profissionais estreitas com dois procuradores envolvidos até a medula em jogadas com José Serra – alvo principal das delações de Léo Pinheiro.
São eles José Roberto Santoro e Marcelo Serra Azul. Juntos com Raquel Dodge, integraram a força tarefa criada pelo PGR Geraldo Brindeiro para desbaratar uma organização criminosa perigosa, comandada por Hildebrando Paschoal, o deputado da motosserra. Foi uma operação vitoriosa que levou à prisão de 80 pessoas (aqui) e ajudou a construir a reputação do grupo.
Logo depois, dois deles – Santoro, Serra Azul, mais tarde Mário Lúcio Avelar – se tornaram operadores tucanos barras-pesadas, se infiltrando em várias operações sob a coordenação de José Serra.
Tiveram participação direta na operação Lunus, armada para inviabilizar a candidatura de Roseana Sarney para a presidência. Foi feita uma armação no escritório de Roseana, onde foram apreendidos maços de dinheiro, com ampla cobertura de televisão. Estavam envolvidos na operação dois agentes de Serra, Santoro pelo MPF e Marcelo Itagiba, pela Polícia Federal (aqui). Depois do flagrante da TV, armou-se o cenário das notas empilhadas (recurso utilizado posteriormente no episódio dos “aloprados”), e a divulgação da foto foi atribuída a outro integrante do grupo, Mário Lúcio Avelar.
Nas investigações sobre o crime organizado no Espirito Santo, episódios que envolviam o governador Paulo Hartung, também aliado de Serra, foram tratados por Santoro (aqui).
No episódio de maior repercussão, Santoro tentou cooptar o bicheiro Carlinhos Cachoeira para ofensiva contra o PT. Na época, um PGR sério, Cláudio Fontelles, denunciou os três procuradores por essas ligações espúrias: Santoro, Serra Azul e Avelar, acusando-os de afrontar o princípio do Promotor Natural, e de violarem o dever de lealdade para com a Instituição (aqui).
Atualmente, Santoro é advogado do PSDB. E depende de sua antiga companheira, Raquel Dodge, aceitar ou não a delação de Léo Pinheiro.
A aceitação ou não em nada interferirá no julgamento de Lula, já que o ex-juiz Sérgio Moro se contentou com declarações feitas por Leo Pinheiro na condição de réu. Nem reduzirá os estragos provocados na economia, na política, no nível da política pública e na imagem do MPF. Apenas reforçará a extrema partidarização ocorrida em agentes do Estado que desrespeitaram as responsabilidades para com o país e sua própria corporação. E, principalmente, a maneira como foram condicionados a agir, trilhando as linhas de menor resistência, aqueles em que as porteiras estavam abertas. E todos os caminhos desobstruídos levavam ao PT. Foi simples assim.
E o mais duro, a constatação que entre Rodrigo Janot e Raquel Dodge não passa nem um fio de linha