Thomas Mann e o Brasil de hoje, por Urariano Mota
Por toda imprensa brasileira passou sem notícia o 6 de junho, dia do nascimento de Thomas Mann.
Por Urariano Mota - no GGN - 07/06/2019
Por Urariano Mota - no GGN - 07/06/2019
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Por toda imprensa brasileira passou sem notícia o 6 de junho, dia do nascimento de Thomas Mann. Para usar um jargão jornalístico, faltou “gancho”, ou seja, um motivo que justificasse a sua inclusão nos jornais. E no entanto, quando relacionamos o Brasil de hoje ao fascismo, motivos não faltam para lembrar Thomas Mann.
No livro A Gênese do Doutor Fausto, em que ele explica o seu grande romance Doutor Fausto, ao mesmo tempo em que recebemos lições de literatura, ganhamos a visão de um escritor maduro em combate contra Hitler no exílio. Da Gênese do Doutor Fausto, livro tão fundamental quanto o romance, grifamos:
“Lukács chegou a antecipar as relações entre a novela Morte em Veneza e o Fausto. Sua perspicácia está justamente em utilizar o conceito de ‘sinalizar’, de importância primordial em toda literatura e no conhecimento dela. Creio que esta é a única perspectiva correta: reconhecer o poeta, e também o filósofo, enquanto instrumento de sinalização, sismógrafo, intermediário da sensibilidade”.
E mais adiante, Thomas Mann copia do seu diário, que documenta o Doutor Fausto:
“Há cinco anos, quando a França caiu, Goebbels divulgou a notícia de minha morte. Ele não podia imaginar que seria diferente. Se eu tivesse levado a sério a falsa vitória de Hitler, se ela de fato me tivesse tocado o coração, realmente nada me restaria além de deixar de existir. Sobreviver significava vencer. Eu tinha lutado e, por ter sobrevivido, respondi aos detratores da humanidade com escárnio e maldição; portanto a vitória foi também pessoal”.
Creio que a relação de Thomas Mann com a resistência a um governo de caráter fascista vai clara. A relação ganha a sua realidade no Brasil dos apoiadores de Bolsonaro, que vão da burguesia aos pobres que reproduzem a ideologia de direita. É necessário e urgente que escritores, jornalistas, artistas de todo gênero, professores, músicos, realizem o que mais sabem fazer em todos os campos, sem quartel: uma grande resistência nos romances, nos livros, nas salas de aula, nos palcos, no cinema, nos shows, até nas redações dos jornais e de toda sorte de mídia mostrando o que representa o abismo deste governo brasileiro. Falemos do abismo e da sua superação. Está em jogo não só a sorte de toda a gente, mas o nosso papel de tribunos, educadores públicos, artistas dignos do seu povo. Não adianta disfarçar, fazer de conta que tudo continua bem. Pegar leve, como alguns falam. Para lembrar Sócrates, que assim respondeu aos discípulos que o aconselhavam a fugir para evitar o cumprimento de uma condenação injusta: “Não, amigos. Em que lugar a morte não me alcançará?”. O nosso lugar é aqui, já, agora.
Como pergunta Thomas Mann em seu diário: “E o que poderíamos fazer na vida além de dar o máximo de nós mesmos?” Aí está o gancho. Aí vai o motivo para a resistência nestes dias.
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