Rendição ou Luta? “Fica Bolsonaro” versus “Fora Bolsonaro”

em Tlaxcala: 03/06/2019


Mário Maestri
Érico Cardoso 


O imperialismo estadunidense segue na direção geral do governo. Os grandes proprietários prosseguem abraçando o programa golpista de institucionalização de nova ordem neocolonial para o país. Eles vislumbram redenção com a destruição da legislação trabalhista; com o esmagamento salarial dos trabalhadores; com o arrasamento do sistema de pensões público e privado; com mega-cortes na educação, saúde, segurança, etc. Sonham com neo-escravidão assalariada. Não vislumbram que, no novo mundo reformado e arrasado pelo grande capital, pequenos e médios empresários passarão – e já passam aos milhares – de orgulhosos caçadores à caça miúda.

O governo lumpen-bolsonariano afunda na crise econômica e social. O Mito faz pior que o governo Temer desastrado. O PIB já é negativo – 0,2% (IBGE). Indústria (-0,7%), Agropecuária (-0,5%), Exportações (-1,9%). As Indústrias Extrativas (-6,3%), de Construção (-2,0%) e de Transformação (-0,5%) puxaram a queda. À espera da liberação do crime ambiental, a mineração fecha com números próximos ao quarto trimestre da grande crise de 2008.

O desemprego é multitudinário. Mais de treze milhões de desempregados – com os subempregados, 28 milhões. Uns 55 milhões vivem abaixo da linha de pobreza (Financial Times, 29/5). Aprofundam-se a repressão e o encarceramento, em condições inacreditáveis. Dos 750 mil presos, mais de 1/3 não foram julgados. Quase todos pobres. (G1, 26/04). O custo de vida sobe, com inflação anual de 4,7%. A renda da população cai e o endividamento chega às classes médias altas. O apoio ao  governo se dissolve e volta a mobilização, forte, contra a destruição da educação pública e a canibalização do regime de pensões.

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No fim do carnaval

O terreno é cada vez mais árido. O fantasma da maré fascistóide que encurralaria o Congresso morreu ao findar o carnaval, sob os gritos desabusados de milhões de foliões: – “Bolsonaro vai te f…”. Acirram-se as fricções com o STF; com parlamentares conservadores do Centrão; com núcleos empresariais, sobretudo paulistas. O que é novo. O governador Dória avança “política industrial” para seu estado, grave heresia no credo liberal triunfante. Guedes fala em abrir a bolsa do FGTS, para relançar o consumo, em constrangedora contra-mão ao que prega.

A ala bolsonariana vinculada aos EUA preocupa-se com o esvaziamento do Mito, que crescerá com a aprovação da destruição do sistema previdenciário, comprometendo a reeleição em 2022. Generais e empresários descontentes com a submissão canina à política externa dos EUA e de Israel, estreitam laços com a China envolvida em dura guerra comercial com os estadunidenses. A soja e o frango e tudo mais “valem bem uma missa”!

Os senhores generais são definidos como o núcleo “racional” do governo, contra o núcleo “irracional”, este sim, fascista ou fascistizante, inimigo da civilização. Mourão apresenta-se como alternativa palatável, conquistando simpatias entre “esquerdistas”. A proposta de substituição do bolso-olavismo por um bloco de direita militarizado encontra apoio tácito em intelectuais de esquerda, comunicadores, parte da direção do PT e da CUT, que se reuniu com o vice.


Todavia, se prosperarem a reforma dura da previdência, o estrangulamento financeiro dos sindicatos, a radicalização da reforma trabalhista e todos os demais males, como defendem Bolsonaro e o general Mourão, no contexto do colaboracionismo da “esquerda”, o bolsonarismo ou movimentos congêneres terminarão tonificados. E conheceremos desmoralização geral da oposição que se negou a aceitar a luta, e da esquerda classista, com dificuldade em se diferenciar dos traidores.


Onde estão Queirós e os Bolsominions?

As manifestações do dia 26/5, domingo, superaram o fiasco. Sem o executivo mostrando claramente a cara, a mobilização e o financiamento milionário – camisas, bandeiras, carros de som – foram assumidos por facções proprietárias, que impediram um fracasso maior. Os “descamisados” do Mito ficaram em casadescendo àsruas magras coortes de brancos adultos das classes médias e médio-altas, sobretudo. Apenas no RJ e SP as manifestações alcançaram alguma dimensão, ao juntarem-se aos habitués dominicais de Copacabana e da Paulista. Em centenas de cidades pequenas e médias, meia dúzia de bolsonaristas quase envergonhados seguiram atrás de uma faixa, quando o fizeram.

As manifestações do 26/5 foram tentativa de vitaminação do bolsonarismo contra os concorrentes internos. Não centraram seus ataques histéricos na educação pública, na previdência, no petismo, nos esquerdistas, como habitual. Priorizaram os ataques contra o STF, o general Mourão, o Congresso, etc. Assim, obtiveram alguma vitória ao mostrar que o bolsonarismo tem, ainda, base de sustentação própria, mesmo desmilinguida. Provaram, ao menos, ter mais gente que os senhores generais. Continuando a encenação, respondendo às ruas semi-vazias do 26/5, Bolsonaro, Maia, Toffoli propuseram pacto dos Três Poderes, tentando debelar a crise e avançar a liquidação do sistema previdenciário.

O predominante nesse início de mandato era a disputa entre os generais, que controlam o poder, e Bolsonaro e seus fiéis, que seguram a “caneta”, possuem restos de respaldo social e almejam a reeleição. Com a crise, facções do STF, o Congresso e o Senado passaram a exigir e defender suas fatias de poder. Agora, as ruas, sem serem convidadas, entram de sola, na arena política, fazendo estrago inesperado.

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Manifestação Nacional

As manifestações do 15/5, quarta-feira, contra os cortes na educação pública, transbordaram as bolsonaristas de 26/5, domingo. Foram multitudinárias no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza e espraiaram-se pelo país, com apenas maior e menor sucesso nas cidades grandes. Nas médias e pequenas, não raro, alcançaram indiscutível magnitude relativa. Foi a primeira forte e maciça resposta popular nacional ao segundo governo golpista, com forte participação da juventude.

As manifestações do 30/5, quinta-feira, chamadas pela UNE, aproximaram-se das do dia 15/5. Arrasaram em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza. Em Porto Alegre, manifestantes aguentaram, durante horas, sob chuva forte e frio, sem esmorecer. Incorporaram segmentos que não participaram da primeira manifestação, com destaque, talvez, para os secundaristas. A população agredida descobre o caminho e o gosto da rua. Retoma e supera a passada luta pelo “Fora Temer”, interrompida.

O sucesso das manifestações dos dias 15 e 30/5 mostram real disposição de combate anti-golpista. Se a luta pela educação foi de tal tamanho, imagine-se o de greve geral de todas as frações exploradas! Esse sucesso coloca problemas para as direções sindicais e petistas e seus puxadinhos. A elas, não interessa greve geral que balance o governo e lance luta dura contra o golpismo e suas maldades sem fim. Porém, a direção da CUT não pode se desacreditar ainda mais com movimento inferior aos dos estudantes e professores.

Tirar o povo da rua

As direções petistas e sindicais buscam, em forma explícita e implícita, acordo com o Centrão e com a facção “militar-racional” do golpismo. Propõem retirar a população da rua em favor das eleições municipais de 2020, em troca de reforma previdenciária mais “palatável” e cortes menos duros, o que já foi em parte obtido [em teoria] pelas manifestações estudantis – devolução de 1,5 bi. Pedem de pires na mão a suspensão da reforma sindical, com a volta ao desconto na folha de pagamento ou coisa parecida.
Estão nesse movimento PT, PSOL, PDT, PSB, REDE etc., abraçados a  movimentos de esquerda com vinculações ao Estado – cargos sindicais, parlamentares, etc. Todos reivindicam que siga o jogo político parlamentar, mesmo viciado, com suas sinecuras pessoais e partidárias. Esses setores se opõem ao “Fora Bolsonaro, Fora Mourão, Eleições Diretas e Limpas, já”. Temem, como o diabo a cruz, a radicalização da luta e novos ataques golpistas à burocracia política e sindical. Em verdade, eles têm ainda muito a perder.

O “Fora Bolsonaro-Morão” é consigna popular, impulsionada desrespeitosamente desde o Carnaval. Ele se apresentou em cartazes e consignas no 15 e 30/5 – no RS: “Bolsonaro, vai te f…, não vou trabalhar até morrer”! No 30/5, enorme faixa “Fora Bolsonaro!” encabeçou a histórica manifestação de Barbalha, no Ceará. A radicalização da luta  cria problemas, por exemplo, ao PSOL. Seus setores colaboracionistas seguirão abraçados ao “Fica Bolsonaro” enquanto os radicalizados serão arrastados para o “Fora Bolsonaro”. As duas facções conviverão dificilmente na mesma organização.

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Minhas queridas eleições

Reunião no dia 21 de maio, de lideranças de PT, PSOL, PCdoB, PDT, REDE, PSDB, etc., apontou para eventual frente eleitoral-parlamentar e definitivo abandono da luta contra o golpe, que algumas dessas organizações apoiaram. Em 26 de outubro de 2017, em Salinas, Minas Gerais, quando fervia a luta nas ruas contra o governo ditatorial cambaleante, Lula da Silva conclamou o “Fica Temer” ao propor que não era mais hora de lutar pela deposição do golpista, mas de preparar as eleições presidenciais de 2018. O resultado desastroso do desbunde colaboracionista, para o país e para ele, é conhecido.

Agora, desde a prisão, Lula da Silva lança o “Fica Bolsonaro”, propondo a necessidade de abandonar a luta que cresce pela deposição do governo golpista fragilizado. Em troca, propõe pauta “propositiva” para agora e para as eleições de 2020. Ou seja, atar cachorros famintos com linguiça! Aposta em uma saída negociada com o Centrão golpista e os generais “racionais” que obtenha, também, sua prisão domiciliar em futuro imediato e libertação, em futuro próximo.

Em sua entrevista a El País, de 27 de abril, Lula da Silva registrou sua total falta de confiança nos trabalhadores como dirigentes da emancipação do país. Em verdade, praticamente não se referiu ao mundo do trabalho. Reafirmou a crença em líderes iluminados, como destaque para ele, e propôs a retomada impossível do programa social-liberal petista, amigo do capital e com pequenas concessões para os trabalhadores, dos tempos de “vacas gordas”, que nos levou ao atual desastre.

Vendendo até a mãe

Lula da Silva, a direção e parlamentares do PT e da CUT se adaptam à vida sob o golpe, propondo conciliação ainda mais rebaixada do que a da Era Petista, quando disputavam com o PSDB, abraçados ao MDB e a outros monstrengos. A direita petista, com Haddad e os governadores à cabeça, sequer reconhece que houve golpe. Governadores petistas – Rui Costa (BA) e Camilo (CE) – realizam frentão com a direita golpista, antecipando-se nos ataques bolsonaristas contra os trabalhadores e os direitos sociais.

Esses governadores promovem, já, corte na educação; suspensão de reajustes salariais e concursos públicos; aumento da contribuição previdenciária; cobrança de mensalidades nas universidades públicas; repressão policial contra a juventude e a população carcerária. No caso de perda de força do assalto geral golpista, um governo nacional petista poderia realizar a mediação entre o último governo neoliberal de Dilma Rousseff e o ultraliberalismo militar-bolsonarista.

A luta por “Fora Bolsonaro, Fora Mourão, Eleições Gerais Limpas, já”, deve ser associada à reivindicação intransigente da liberdade de Lula da Silva, de José Dirceu e dos presos políticos do golpismo. Tudo no contexto de um amplo movimento de luta nas fábricas, escritórios, universidades, escolas, quartéis, ruas, para reconquistar e ampliar os direitos sociais e democráticos perdidos e as propriedades públicas alienadas, à preço de banana podre. Para avançar e jamais retroceder.

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Muito obrigado a Revista Espaço Acadêmico 
Fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2019/06/03/rendicao-ou-luta-fica-bolsonaro-versus-fora-bolsonaro/
Data de publicação do artigo original: 03/06/2019
URL deste artigo: http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=26184 

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