Protestos pela educação podem levar à maior greve geral da história, diz oposição
Manifestações de estudantes, pais e professores aconteceram em todos os estados nesta quarta (15) / Reprodução-Twitter |
Parlamentares avaliam em que medida as manifestações de ruas fragilizam o governo Bolsonaro
Os protestos populares desta quarta-feira (15) em defesa da educação pública ecoaram nos bastidores da política em Brasília (DF). No Congresso Nacional, parlamentares de oposição avaliam que as manifestações de rua, que reuniram mais de um milhão de pessoas, afetam diretamente a capacidade de articulação da gestão Bolsonaro – que já amarga problemas como dificuldade de consolidação de uma base oficial de apoio na Câmara dos Deputados e denúncias de corrupção. Além disso, podem fazer da greve geral de 14 de junho, anunciada há duas semanas, uma paralisação sem precedentes na história do país.
Para o líder da bancada do PSOL na Casa, Ivan Valente (SP), ao colocar a educação no epicentro da política nacional, o movimento popular de crítica aos cortes orçamentários fortaleceu a maré da oposição no Poder Legislativo e, por isso, tende a ajudar a frear pautas de interesse do Planalto.
“Ficou claro ontem que mudou o eixo. Toda a grande mídia só cobria a reforma da Previdência. Todos os jornalistas, articulistas, analistas e a mídia do capital financeiro só falavam de uma coisa: reforma da Previdência. Ontem, o noticiário girou, ou seja, corte para educação virou a principal notícia do país. Isso significa que ele [Bolsonaro] pode perder o apoio de grandes setores de centro, e isso pode ter um impacto no adiamento da reforma da Previdência”, avalia o líder.
A declaração é uma referência aos atuais movimentos do grupo, chamado popularmente de “Centrão”, que aglutina partidos da direita liberal, junto ao governo Bolsonaro. Interessadas em cargos e liberação de emendas, as legendas do campo têm investido num jogo permanente de bastidor com o núcleo duro do governo em troca de apoio para a reforma, que tramita como Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, e para outras demandas de interesse da gestão.
Pressionados pelas suas bases eleitorais nos estados, deputados do centrão utilizam a insatisfação popular com o arrocho na educação como combustível para desgastar o governo e fermentar as barganhas junto ao Planalto. O campo conta com cerca de 200 parlamentares de diferentes partidos, entre eles DEM, PP, PR, PTB, PRB, PROS, Podemos e Solidariedade.
Com esse total de cadeiras na casa, o grupo é personagem importante para o governo no jogo em torno da PEC, que precisa de 308 votos favoráveis em dois turnos de votação para ser aprovada no plenário e é considera a medida mais impopular da gestão Bolsonaro.
Medidas Provisórias
Também entram no jogo de forças as dificuldades do Planalto para aprovar dez medidas provisórias (MPS) que caducam nos próximos dias ou semanas. Entre elas, o maior destaque é a MP 870, que instaurou a reforma administrativa de Bolsonaro e reduziu o número de ministérios. Com vencimento marcado para o próximo dia 3, ela não foi colocada esta semana em votação no plenário por falta de força do governo no Congresso e pelos movimentos contrários da oposição e do centrão.
Além disso, o texto original foi alterado no relatório aprovado na semana passada pela comissão que avalia a MP. As mudanças impuseram duas derrotas ao governo: o retorno da Funai para o Ministério da Justiça (MJ) e a retirada do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da alçada do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Caso a MP não seja votada e aprovada até o dia 3, a configuração administrativa do Poder Executivo federal deverá retornar ao escopo criado pelo governo Michel Temer (MDB), que tinha 29 ministérios. Bolsonaro reduziu o número para 20.
Nos bastidores do Congresso, parlamentares avaliam que as turbulências políticas desta semana, endossadas pelo desempenho apresentado pelo ministro da Educação em audiência na Câmara na quarta (15), fortalecem o cenário de oposição à MP porque mudam o ritmo da disputa. Por conta disso, podem levar a uma derrota final do governo no que se refere a esse item.
A MP 873, por exemplo, que fragiliza os sindicatos por determinar que a contribuição sindical seja feita por meio de boleto bancário encaminhado à residência do trabalhador ou à sede da instituição empregadora, também figura entre os calos da gestão Bolsonaro. Por ser uma MP, a medida precisa ser analisada por uma comissão mista especial, mas, apesar de ter sido publicada no início de março, ela ainda não teve a mesa do colegiado montada.
“É uma matéria de que ninguém quer ser porta-voz. Ninguém quer ser portador das más notícias. E, se ninguém quer ficar com a relatoria dessa matéria e com a presidência dessa comissão, é porque o governo não tem sequer articulação pra poder colocar uma comissão pra funcionar, então, esse já é um ponto que mostra a fragilidade do governo”, analisa o cientista político Leonel Cupertino, que acompanha de perto a operação dos parlamentares no Congresso.
A gestão Bolsonaro conta com o apoio oficial apenas do PSL, partido do presidente. Apesar de outras várias legendas serem identificadas ideologicamente com o governo em diferentes pautas, elas não firmaram apoio fixo ao Planalto nas votações de interesse da cúpula do Executivo, como é o caso de MDB, PSDB, DEM, PRB, PP, PR e Pros, por exemplo.
Caldeirão
Com a fragilidade de articulação política do Planalto diante dos diferentes parlamentares da Câmara, as críticas do centrão se intensificaram nas últimas semanas e ajudaram a fortalecer o trabalho da oposição no Legislativo. Somados à insatisfação das ruas, esses fatores compuseram um caldeirão que, na avaliação de alguns deputados, poderá trazer problemas de maior ordem para a gestão Bolsonaro.
“Isso impactou fortemente o país e o governo está tonto. Portanto, as manifestações foram o início de um processo que pode culminar com a maior greve geral da história do país no dia 14 de junho. Não nos assustemos se nas próximas não for puxado um movimento espontâneo de ‘fora, Bolsonaro’. Eles estão provocando os estudantes”, avalia o deputado José Guimarães (PT-CE), articulador político da oposição, acrescentando ainda que o governo falha ao criticar os protestos de rua.
“É o primeiro movimento de massas contra o governo, e isso apenas no quinto mês ainda não completo de gestão. São manifestações muitos expressivas. Portanto, é um momento difícil pro governo, e ele deve sair muito fragilizado dessa conjuntura”, projeta o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ).
Na quarta (15), durante agenda nos Estados Unidos, Bolsonaro classificou os manifestantes como “idiotas úteis” e “imbecis” e disse que eles estariam sendo usados “como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais no Brasil”.
O discurso, que trata as manifestações dentro de uma ótica de polarização ideológica entre o governo e as universidades ou a esquerda de modo geral, também é visto como um agravante da situação política da gestão do PSL.
“Nós não vamos cair nessa armadilha. O país tem que se levantar contra os cortes na educação e contra a PEC da Previdência”, contrapõe José Guimarães, pontuando ainda que o tema da educação é considerado sensível e que por isso os protestos tiveram caráter suprapartidário e transversal, abarcando diferentes grupos sociais.
Oposição
Para Leonel Cupertino, o cenário favorece a atuação da oposição. O cientista político pontua, porém, que o grupo ainda empaca em problemas relacionados a dissidências internas entre os diferentes partidos e lideranças.
“Mas a oposição olha pro fim do túnel e vê uma luz, que é justamente a capacidade de se reorganizar agora, nestes quatro anos, pra voltar senão completamente unida, mas voltar mais unida do que foi nas eleições anteriores porque tem um inimigo comum, que é o governo Bolsonaro”, analisa.
Edição: Daniel Giovanaz
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