Pepe Escobar: Para Xi, todas as estradas levam a Roma

Por Pepe Escobar - Asia Times - 22/03/2019

Data de publicação em Tlaxcala: 24/03/2019


Traduzido por  Coletivo de tradutores Vila Mandinga

Todos os caminhos (da seda) levam a Roma, agora que, nesse sábado, o presidente chinês Xi Jinping e o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte assinarão um memorandum de adesão da Itália às Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE).
"Os chineses compraram a Itália....Produziram milhões de cópias, todas melhores que o original": charge do cartunista italiano Vauro de 2011

Em seguida, Xi encarna uma versão magnânima de The Sicilian [O Siciliano] em visita ao porto de Palermo, com Pequim planejando investir na infraestrutura local.

A histeria come solta entre os atlanticistas – com a narrativa simplista focada no fato de que a Itália é estado-membro do G7, no coração do “mare nostrum” mediterrâneo, e praticamente coberto de bases da OTAN. Quer dizer, não pode vender-se em “autoliquidação” para a China.

Conte e diplomatas em Roma confirmaram que se trata de estrita cooperação econômica, e assinar memorando não é compromisso eterno. A Itália, de fato, já se alinhou informalmente com o esquema Cinturão e Estrada desde 2015 quando se apresentou como membro fundador do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, BAII (Asian Infrastructure Investment Bank, AIIB), que financia muitos e muitos projetos da ICE.

Grécia, Portugal e Malta, membros da União Europeia (UE) também assinaram acordos da ICE. Berlim e Paris não assinaram – pelo menos até agora. O mesmo em Londres, mas pós-Brexit que inevitavelmente acontecerá, porque o comércio com a China se tornará ainda mais importante para o Reino Unido.

Aqui, em inglês e italiano, lê-se o texto proposto para o memorandum, embora a versão final talvez seja ligeiramente mais diluída para aplacar os eurocratas na Comissão Europeia (CoE), os quais, semana passada, definiram a China como “rival sistêmico”.

O Corriere Della Sera de Milão publicou longa coluna, assinada pelo próprio Xi Jinping, citando até o legendário Alberto Moravia. Xi destaca a “confiança estratégica” [ing. strategic trustworthiness; it. “L’amicizia tra Italia e Cina si condensa in una forte fiducia”) entre China e Itália e promete “construir um novo estágio da Iniciativa Cinturão e Estrada em aspectos do mar, da terra, da aviação, do espaço e da cultura”. Assim, sim, está confirmado que não se trata só de geoeconomia, mas, crucialmente importante, também se trata de projeção de poder brando geopolítico (ing. geopolitical soft power).




Charge do Diário da China



Na esperança de imitar Singapura
Já expliquei como, em “Marco Polo a caminho da China – outra vez” (port. no Blog do Alok; e “Marco Polo is back in China again”, ing. em Asia Times), e como a UE luta para se posicionar numa frente comum quando negociar com seu principal parceiro comercial. O jogo geoeconômico em curso é essencialmente sobre a Rota Marítima da Seda – com a Itália posicionando-se como terminal privilegiado da ICE no sul da Europa.

O porto de Veneza já está sendo modernizado para um possível papel como terminal da ICE. Agora, a possibilidade abre-se para Gênova e para os portos ao norte, no Adriático, de Trieste e Ravenna a serem desenvolvidos pelas empresas COSCO[1] e China Communications Construction. O próprio Conte já definiu, on the record, Gênova e Trieste como “terminais para as Novas Rotas da Seda”.

COSCO está trabalhando sem folga. Opera o porto de Pireu, na Grécia, desde 2008 e detém 35% de Rotterdam e 20% de Antuérpia. E tem planos para construir um terminal em Hamburg. Na Batalha dos Superportos, como a defini, entre o norte e o sul da Europa, COSCO está apostando nas duas pontas.

Zeno D’Agostino, presidente da administração do porto de Trieste, até sonha com vir a ser a nova Singapura, beneficiando-se do investimento chinês, sem renunciar a presidir o porto sob novo status, como aconteceu no porto de Pireu. D’Agostino compreendeu perfeitamente como, para os chineses, Trieste é “a perfeita porta de entrada para a Europa.”

A história de Palermo é até mais interessante. Acontece de ser cidade natal do presidente da Itália Sergio Mattarella e, mais significativo, de Michele Geraci, o subsecretário de Estado para Desenvolvimento Econômico. Geraci foi professor de finanças na Universidade Zhejiang em Hangzhou de 2009 até 2018. Cinófilo, fluente em mandarim, tem sido o homem de ponta de Roma nas negociações com Pequim.

A China investir diretamente na economia da Sicília é excelente negócio, totalmente afinado com o interesse nacional italiano, em termos de expandir o papel de ponte estratégica entre o sul da Europa e o norte da África.

No front hipersensível das telecomunicações, única certeza é que não haverá qualquer referência a compartilhamento de dados, 5G e infraestrutura estratégica, no memorando Itália-China relacionado a ICE.

Mas isso não alterará o fato de que as duas empresas, Huawei e ZTE testam já há anos a possibilidade de instalar 5G na Itália. Huawei já patrocina dois centros de pesquisa na Itália, para “cidades inteligentes e seguras”. E a coluna  assinada por um dos presidentes rotativos da Huawei causou grande alvoroço, não só na Itália, mas em toda a UE: Guo Ping escreve que a causa da campanha de demonização hoje em andamento, é que o equipamento Huawei fecha todas as ‘portas dos fundos’ com que conta a Agência de Segurança Nacional dos EUA, para espionar tudo e todos.



 

Diário da China



Todos a bordo do trem ICE
Seguindo viagem, Xi visita a França semana que vem, com foco completamente diferente. O establishment em Paris ainda não decidiu o quão profundamente deseja relacionar-se com a ICE. Dentro da UE, França é a potência que mais tem limitado o investimento chinês. Assim, a estratégia de Xi, no encontro com o presidente Macron consistirá em dar destaque à cooperação nas questões do clima, governança global e operações de manutenção da paz.

Segundo dizem os jornais, Macron teria convidado também, para a mesma reunião, a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente CoE Jean-Claude Juncker.

Pequim sabe perfeitamente que a França estará na presidência do G7 esse ano, e é coparticipante crucial, ao lado da Alemanha, na modelagem das políticas para a UE policies, especialmente depois das cruciais eleições europeias em maio, que pode traduzir-se em sucesso estrondoso para partidos da extrema direita anti-Bruxelas.

Pequim está focado também em garantir uma cúpula tranquila China-UE em Bruxelas, dia 9 de abril, o que facilitará muito as coisas para a reunião de cúpula 16+1 (China plus nações da Europa Oriental e da Europa Central, na Croácia, dia 12 de abril. Fato inescapável, hoje, é que os 16+1 países – maioria dos quais fazem parte da UE – além de Grécia, Portugal, Malta e agora a Itália, já estão todos a bordo da ICE.

NTs

[1] Sobre COSCO Brasil, aqui.

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