Pepe Escobar: Império do Caos Guerra Híbrida faz hora extra

Por Pepe Escobar in Bangkok Special to Consortium News - 24/03/2019



Data de publicação em Tlaxcala: 27/03/2019


Traduzido por  Coletivo de tradutores Vila Mandinga



Vivemos a Era da Ansiedade? A Era da Estupidez? A Era da Guerra Híbrida? Todas as anteriores?
Conforme o popularismo/golpismo de direita vai aprendendo a usar algoritmos, inteligência artificial (IA) e media convergence [port. mídia-convergência][1] 0 Empire of Chaos, em paralelo, vai desencadeando sua guerra híbrida e semiótica. 

Está de volta a Guerra Global ao Terror, GGaT [ing. Global War on Terror (GWOT)] de Dick Cheney, que já aparece em metástase, como tumor híbrido.

Mas a GGaT não seria GGaT sem um neoespantalho de Oeste Bravio. Entra em cena Hamza bin Laden, filho de Osama. No mesmo dia, o Departamento de Estado anunciou recompensa de $1 milhão pela cabeça de Hamza; e uma tal de “Comissão do Conselho de Segurança da ONU sobre sanções contra o Estado Islâmico e Al-Qaeda” nomeou Hamza futuro líder da al-Qaeda. 

Em janeiro de 2017, Hamza já havia sido declarado Terrorista Global por Nomeação Especial [ing. Specially Designated Global Terrorist] pelo Departamento de Estado – lado a lado com seu falecido pai, nos primeiros anos da década dos 2000s. A comunidade de inteligência do Departamento de Estado, na Av. Beltway em Washington “acredita” que Hamza more na região do “Afeganistão-Paquistão”.

Vejam bem: é a mesma gente que “acreditava” que o ex-líder dos Talibã, o Mulá Omar morasse em Quetta, Baluquistão, quando, de fato, vivia escondido em perfeita segurança ali perto, a apenas poucos quilômetros de distância de uma gigantesca base militar dos EUA em Zabul, Afeganistão. 

Considerando que a Frente al-Nusra, ou al-Qaeda na Síria, já foi definida para todas as finalidades práticas, como simples “rebeldes moderados”, do ponto de vista da comunidade de inteligência do Departamento de Estado na Av. Beltway, poder-se-ia inferir sem medo de errar que o neoespantalho Hamza também fosse “moderado”. Não. É declarado ainda mais perigoso que o evanescido fake Califa Abu Baqr al-Baghdadi. Exemplo excelente de enrolação-metástase cultural.



Mostre-me o Grande Quadro
Pode-se argumentar com segurança: o Império do Caos está hoje absolutamente sem aliados; está é cercado de vassalos, fantoches e elites comprador 5ª Coluna, que professam variados graus de – muitas vezes relutante – obediência.

A política exterior do governo Trump pode ser analisada como uma espécie de cruza de The Sopranos com seriados pornográficos de TV de madrugada –, como se viu no episódio em que o cara-aquele, pau-pra-toda-obra [orig. Random Dude] nos laboratórios de mudança de regime da CIA-Departamento de Estado, foi nomeado presidente da Venezuela. O crítico da cultura Walter Benjamin, legendário, teria falado de “estetização da política” (fazer da política, arte), como disse dos nazistas. Só que, agora, na versão Looney Tunes. 

Para aumentar a confusão conceitual, apesar das incontáveis “oferta que você não pode recusar”, disparadas por psicopatas da laia de John Bolton e Mike Pompeo, surge agora essa pepita[traduzido no Blog do Alok]. Amir Moussavi, ex-diplomata iraniano, revelou que Trump em pessoa pediu para ser recebido em Teerã. Foi devidamente mandado passear. “Dois estados europeus, dois países árabes e um estado do Sudeste Asiático servem como mediadores” – disse ele. Segundo Moussavi, os pedidos partiram de Trump e de seu genro Jared “das Arábias” Kushner.

Haveria método nessa loucura? Tentativa de Grande Narrativa teria mais ou menos a seguinte cara: ISIS/Daech pode ser marginalizado – por enquanto; no momento, não têm utilidade alguma. Assim sendo, os EUA têm de combater o “mal maior”: Teerã. A GGaT foi ressuscitada e, apesar de Hamza bin Laden ter sido nomeado Neocalifa, a GGaT mudou-se para o Irã.

Se se combina tudo isso e os recentes arrufos entre Índia e Paquistão, vê-se emergir mensagem mais ampla. Nem o primeiro-ministro Imran Kahn, nem o Exército do Paquistão, nem a inteligência paquistanesa (ISI) têm qualquer interesse em atacar a Índia por causa da Caxemira. O Paquistão está ficando sem dinheiro e às vésperas de ser ajudado pelos EUA, via Arábia Saudita, com $20 bilhões e um empréstimo do FMI.

Ao mesmo tempo, acontecem dois ataques terroristas quase simultâneos, a partir do Paquistão – contra o Irã e contra a Índia, em meados de fevereiro. Ainda não apareceu a arma do crime, mas são ataques que, sim, podem ter sido manipulados por alguma agência estrangeira de inteligência. A questão de saber “Quem se Beneficia” depende de saber quem lucra muitíssimo se houver guerra entre Paquistão e Irã, e/ou entre Paquistão e Índia.

Resumo: escondendo-se nas sombras da negabilidade plausível – segundo a qual o que se vê da realidade são simples ‘percepções’ – o Império do Caos recorrerá ao caos da guerra híbrida mais absolutamente sem limites e sem noção, para evitar “perder” o centro continental da Eurásia.

Mostre-me quantos planos de guerra híbrida você conseguiu
O que se aplica ao coração da Eurásia, aplica-se também, claro, ao fundo do quintal.

O caso da Venezuela mostra que o cenário de “todas as opções estão sobre a mesa” foi, sim, abortado de fato pela Rússia, resumido em surpreendente briefing de Maria Zakharova, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, e depois detalhado pelo próprio ministro Sergey Lavrov.

Em reunião com os ministros de Relações Exteriores da China Wang Yi e da Índia Sushma Swaraj, num encontro crucial dos países RIC [ex-BRICS, depois de descartado o B de Brasil (NTs)] na China, Lavrov disse que “a Rússia não perde de vista e acompanha de perto as temerárias tentativas dos EUA para criarem pretextos artificiais para uma intervenção militar na Venezuela (…). Para implementar essas ameaças, [os EUA] estão introduzindo equipamento militar no país e treinando forças especiais.”

Lavrov explicou como Washington trabalha ativamente para comprar morteiros e sistemas portáteis de defesa antiaérea “num país do leste europeu, e os leva para mais perto da Venezuela em aviões de um governo que (...) obedece Washington de modo absoluto, no espaço pós-soviético.”

Até aqui, a tentativa de derrubar o governo [‘regime change’] da Venezuela já fracassou várias vezes, em diferentes tentativas. O Plano A – uma revolução colorida ‘clássica’ – fracassou miseravelmente, em parte porque os EUA não conseguiram reunir inteligência local que prestasse. O Plano B foi uma versão branda [soft] de imperialismo humanitário, que tentou ressuscitar a nefanda responsabilidade de proteger (R2P) testada na Líbia; também fracassou, especialmente quando se comprovou que era mentira o que os norte-americanos ‘noticiavam’, que o governo da Venezuela teria queimado caminhões carregados de ajuda humanitária na fronteira com a Colômbia, verdade revelada, vale anotar, pelo The New York Times, nada menos.

O Plano C serviu-se de técnica clássica de Guerra Híbrida: um ciberataque, acrescido de Nitro Zeusrevival, que desligou 80% do fornecimento de eletricidade no país.

Esse plano já fora revelado por WikiLeaks, via um memorandum de 2010 assinado por um depósito de lixo financiado pelos EUA em Belgrado, que ajudou a treinar o pau-para-toda-obra-aquele e autoproclamado “presidente”, quando ainda atendia pelo nome simples de Juan Guaidó. O memo vazado dizia que atacar a rede de energia da Venezuela teria “impacto definitivo” e “provavelmente galvanizaria a agitação de rua, de modo que nenhum grupo de oposição poderia sequer ter esperanças de conseguir.”

Pois nem isso deu certo.

Assim chegaram ao Plano D – que, na essência, consiste em tentar matar de fome a população venezuelana mediante novas e ainda mais violentas sanções letais. Nem Síria nem Irã, sob sanções violentíssimas, jamais colapsaram. Mesmo já tendo congregado várias elites comprador no grupo de Lima, os excepcionalistas talvez tenham de lidar com o fato de que aplicar a doutrina Monroepara conter a influência dos chineses sobre o jovem século 21 não é “mamão com açúcar”.

Plano E – o mais extremo – seria ação militar dos EUA, que Bolton não tira de sobre a mesa.
Mostre-me como chego ao próximo War Game
Tudo isso posto, a que nos levam essas várias vias para fazer da teoria do caos arma letal? Levam-nos a lugar algum, se não acompanharem a grana. Elites comprador locais têm de ser ricamente recompensadas, ou todos os planos empacam em pântano híbrido. É o que se vê acontecendo hoje no Brasil – e essa é a razão pela qual o caso mais sofisticado de guerra híbrida de toda a história continua, até aqui, bem-sucedido.

Em 2013, Edward Snowden e WikiLeaks revelaram como a Agência de Segurança Nacional dos EUA estava espionando a Petrobrás, gigante do petróleo brasileiro, e todo o governo de Dilma Rousseff, desde 2010. Em seguida, um complexo golpe judicial-business-político-financeiro-midiático ainda em andamento acabou por alcançar seus dois principais objetivos: em 2016, o impeachment de Rousseff; em 2018, meter Lula na cadeia.

Aqui entra a peça talvez mais impressionante do quebra-cabeças. A Petrobrás foi condenada a pagar $853 milhões ao Departamento de Justiça dos EUA, para evitar ser processada por crimes dos quais a empresa estava sendo acusada nos EUA. Foi quando se acertou uma negociata pela qual a multa seria transferida para um fundo brasileiro, onde permaneceria enquanto a Petrobrás continuasse a entregar ao governo dos EUA informação confidencial sobre seus negócios.

A guerra híbrida contra o Brasil, país-membro dos BRICS funcionou como um relógio. Sim, mas o mesmo golpe tentado contra a Rússia, potência nuclear, é jogo completamente diferente. Analistas norte-americanos, em mais um caso de enrolação-metástase cultural, chegaram até a acusar a Rússia de usar táticas de guerra híbrida – conceito que os EUA inventaram em contexto de contraterrorismo; aplicaram durante a ocupação do Iraque e, adiante, cuidaram de distribuir, como metástase, no espectro da revolução colorida; e conceito que aparece exposto, dentre outros artigos, num artigo do qual é coautor o ex-comandante do Pentágono James “Cachorro Louco” Mattis em 2005 quando ainda não passara de tenente-general.

Em recente conferência sobre a estratégia militar da Rússia, o Comandante do Estado-maior da Federação Russa general Valery Gerasimov destacou que as forças armadas russas devem aumentar o próprio potencial “clássico” e também o próprio potencial “assimétrico”.

Nos EUA, a fala do general foi interpretada como técnicas de guerra assimétrica para subversão e propaganda como teriam sido aplicadas na Ucrânia e também no já praticamente integralmente desmascarado Russia-gate. Para os estrategistas russos, são técnicas para “abordagem complexa” e de “guerra de nova geração”. 

A RAND Corporation de Santa Monica ainda é do tempo dos bons velhos cenários de guerra quente. Desde 1952 repetem jogos de guerra nos quais simulam guerras “Vermelhos contra Azuis” – e encenam situações em que as velhas “ameaças existenciais” usam estratégias assimétricas. 

O mais recente desses confrontos Vermelhos contra Azuis absolutamente não acabou bem. Um dos analistas da RAND, David Ochmanek, avaliou o resultado, em frase que ganhou fama. Para ele, com os azuis representando o atual real potencial militar dos EUA, e os vermelhos encarnando Rússia-China, em guerra convencional, “será como se os azuis entregassem a própria bunda, de bandeja”.

Nem assim o servidor em tempo integral do Império do Caos, general Joseph Dunford, comandante do Estado Maior das Forças Armadas dos EUA, deixou-se convencer. Em recente audiência na Comissão das Forças Armadas do Senado, Dunford repetiu que o Pentágono continuará a rejeitar qualquer estratégia que impeça “uso de armas nucleares em primeiro ataque”. Aspirante a Dr. Fantástico, Dunford parece acreditar realmente que os EUA podem iniciar uma guerra nuclear e sobreviver. 

A Era da Estupidez Híbrida chega-chegando à avenida.

NTs
[1] Mídia-convergência [ing. Media convergence, Terry Flew [Enciclopaedia Britannica, abertura do verbete, aqui traduzida]: A mídia-convergência é fenômeno que envolve a interconexão de tecnologias de informação e de comunicação, redes de computadores e conteúdo ‘jornalístico’. Trata-se aí de fazer convergir os “3Cs” – computação, comunicação e conteúdo –, consequência direta da digitalização do conteúdo ‘jornalístico’ e da popularização da Internet. Mídia-convergência transforma indústrias estabelecidas, serviços e práticas de trabalho, e permite que surjam formatos de conteúdo inteiramente novos. A mídia-convergência desmonta a indústria ‘jornalística’ há muito tempo estabelecida e os “silos” de conteúdo e, cada dia mais, distancia o conteúdo e os meios tradicionais, processo que torna cada dia mais difícil construir políticas efetivas de controle social sobre “os meios”. Adiante se discutem os cinco principais elementos convergentes na mídia-convergência: elementos tecnológicos, industriais, sociais, textuais e políticos [...].

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