Paulo Nogueira Batista Jr.: Turma da bufunfa continua sendo uma praga

Portal Vermelho - 01/023/2019

Em entrevista ao Jornal dos Economistas, que o Portal Vermelho transcreve na íntegra, o economista Paulo Nogueira Batista Jr. comenta a situação da economia brasileira no cenário da crise mundial. 

 
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Ele foi secretário especial para assuntos econômicos do Ministério do Planejamento, na gestão João Sayad, em 1985-86, e assessor para assuntos de dívida externa do ministro Dílson Funaro, em 1986-87. Foi chefe do Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional do Ibre da Fundação Getúlio Vargas - Rio, no final da década de 1980, entre outras funções.No século atual, assumiu duas posições de destaque em instituições internacionais. Foi diretor executivo no Fundo Monetário Internacional (FMI) pelo Brasil e mais dez países e, em seguida, vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado Banco dos Brics, função da qual foi demitido em outubro de 2017 por pressão de integrantes do governo Temer. Professor licenciado da Fundação Getúlio Vargas – São Paulo, Paulo Nogueira Batista Jr. está preparando um livro, que deve circular no segundo trimestre deste ano, tratando de temas como nacionalismo, economia brasileira e suas experiências no FMI, em Washington, e no Banco dos Brics, em Xangai.


P: Que consequências você prevê que o alinhamento automático com os EUA e outras guinadas na política externa do novo governo trarão para o comércio internacional brasileiro e investimentos internacionais no país e de empresas brasileiras no exterior?

R: Talvez seja cedo para falar em alinhamento automático com os EUA como opção consolidada. Setores do governo, inclusive o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, defendem a ideia  e de maneira bem tosca. O próprio presidente da República, infelizmente, flerta insistentemente, ou pelo menos simpatiza, com algum tipo de alinhamento. Chegou a oferecer uma base militar aos EUA, oferta insensata e gratuita, depois retirada. Parece haver resistências dentro do governo e, claro, em vários setores da sociedade.

De qualquer maneira, os efeitos de um alinhamento ou grande aproximação com os EUA sobre comércio e investimentos não são necessariamente automáticos ou imediatos. É claro que, se a política externa sinalizar hostilidade com relação à China, por exemplo, que é nossa principal parceira comercial desde 2009, haverá provavelmente impacto negativo sobre o comércio externo. Hostilizar a China seria, claro, totalmente irracional (como seria, também, alinhar-se à China, diga-se de passagem).

Também é bobagem se imiscuir em questões que não nos dizem respeito. É um erro, por exemplo, tomar partido de Israel no Oriente Médio, contrariando posições tradicionais e corretas – da política internacional brasileira. É ridículo imitar os EUA na questão da transferência da embaixada para Jerusalém. A decisão não foi tomada, pelo que sei, mas parece já ter certo efeito negativo no comércio com países árabes.

P: Como fica a relação do Brasil com os Brics, considerando que o país indicará o novo presidente do Banco dos Brics em 2020? A relação do Brasil com a China está estremecida? 

R: Os chineses são pragmáticos e vão continuar interessados na relação com o Brasil. O mesmo vale para o Brasil, apesar de alguns gestos impensados do atual presidente que, quando era pré-candidato à Presidência, resolveu, não se sabe bem com que finalidade, fazer uma visita a Taiwan. Não acredito que o governo Bolsonaro vá tirar o Brasil dos Brics, como às vezes se especula. 

A mesma especulação se fazia em relação a Temer, e não se confirmou. Claro que a presença brasileira nos Brics diminuiu em qualidade durante o medíocre governo Temer. Por exemplo, a qualidade da representação brasileira na diretoria não residente do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos Brics, caiu substancialmente com a substituição de diplomatas experientes por economistas amadores, por decisão do ministro Meirelles.

Veremos como atuará o governo Bolsonaro; espero que melhor. A indicação do novo presidente do Banco dos Brics, que assume em julho de 2020, é uma decisão importante. Terá grande impacto sobre o futuro do banco, que não está indo bem sob a presidência de um indiano. 

P: Os indicadores sinalizam que o Brasil lentamente saiu de uma recessão e inicia um processo de retomada do crescimento. Qual é a sua aposta de cenário para a economia brasileira no governo Bolsonaro?

R: A recuperação em curso ainda é hesitante e insuficiente. A economia cresce pouco, em especial a indústria. A geração de empregos, sobretudo formais, é muito insuficiente. Mas o quadro geral da macroeconomia brasileira não é de todo ruim. O setor externo está forte, com reservas internacionais elevadas. O regime de câmbio flutuante está funcionando relativamente bem. A inflação está controlada. Se o cenário externo não atrapalhar muito, a economia pode acelerar um pouco. Um grande desafio é levar adiante o ajuste fiscal sem derrubar o nível de atividade.

P: O novo governo sinaliza com a privatização de estatais e diminuição do Estado. Como você avalia esta opção?

R: Essa questão da privatização de estatais tem que ser avaliada, no seu mérito, caso a caso. Em diversos casos, pode fazer sentido. Mas há empresas estratégicas que precisam continuar com o Estado (Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa, BNDES, por exemplo).

Muitas vezes a privatização implica desnacionalização, e esse aspecto deve ser considerado com cuidado. Em alguns casos, a chamada privatização nem privatização é, pois implica a venda de estatais brasileiras a estatais estrangeiras. É importante abordar a questão com objetividade, sem mistificações e sem “a prioris” doutrinários.

P: Você considera a contrarreforma da Previdência realmente essencial para o destino do país, como as autoridades e grande imprensa insistem em ressaltar todos os dias?

R: O problema da Previdência é real, não só no Brasil, mas em muitos outros países. Ele decorre, como se sabe, de fatores estruturais de natureza democrática, do aumento da razão entre a população idosa e a população em idade de trabalhar. É um fenômeno de longo prazo, que resulta, por sua vez, da maior longevidade e da queda da taxa de natalidade.

No caso do Brasil e de outros países, o problema é agravado pela desaceleração persistente da economia e pela reduzida geração de empregos formais, que diminui o número de contribuintes ou seu ritmo de crescimento. Diminui, assim, ainda mais acentuadamente a razão entre os contribuintes da previdência e seus beneficiários. E, para piorar, a Previdência sofre com a evasão tributária, a inadimplência e repetidas anistias e refinanciamentos de dívidas relacionadas a contribuições previdenciárias. Sofre também com os privilégios de certas categorias.

A questão pode não ser essencial para o destino do país, mas é sem dúvida um ingrediente importante do problema fiscal e precisa ser enfrentada. Diversos estados do Brasil, por exemplo, estão estrangulados pelo peso das obrigações previdenciárias.

Há várias formas de enfrentar a questão; o importante é enfrentá-la com equidade, debatendo as alternativas de forma transparente com a sociedade. Na prática, vai ter que ser resolvido em etapas, e não de um só golpe, como parecia pretender o governo, ou a sua área econômica.

P: Paulo Guedes verbalizou a in- tenção de zerar o déficit fiscal ainda em 2019. É factível? Quais serão as consequências deste esforço?

R: Creio que ele se referiu ao déficit primário. Não é factível zerá-lo já em 2019. O ajuste requerido para zerar em 2019 teria provavelmente forte efeito adverso sobre a economia. Há também defasagens temporais entre as medidas de ajuste e seus efeitos nas contas. E  mais importante na prática – não acredito que seja politicamente viável passar as medidas necessárias em tão pouco tempo no Congresso. O ajuste e seus efeitos serão, inevitavelmente, mais espaçados no tempo.

P: Em contradição com as políticas usuais de governos neoliberais no Brasil, Guedes criticou o elevado gasto do país com os juros da dívida. Mas nomeou um executivo do Santander com sobrenome icônico para a presidência do Banco Central. Que comportamento devemos esperar do Copom na taxação da taxa Selic no novo governo? 

R: Talvez nada de muito diferente do que se viu no governo Temer. Espero que o novo presidente do BC seja um pouco mais ágil do que o rotineiro e paquidérmico Ilan Goldfajn. A recuperação da atividade e o ajuste das contas públicas seriam facilitados por uma diminuição da Selic. No caso das contas governamentais, a ajuda viria tanto diretamente, via menor peso da carga de juros, como indiretamente, via efeito da reativação sobre o chamado componente cíclico do déficit.

P: Qual é a sua opinião sobre a independência formal do Banco Central?

R: Não me parece boa ideia. O BC já desfruta de autonomia, na prática. A inexistência de mandatos fixos para o presidente e demais diretores do BC constitui um contrapeso, ainda que frágil, a um outro problema, esse mais real, na minha opinião: a excessiva influência dos bancos privados sobre o BC.

Sugiro aos parlamentares examinar a possibilidade de introduzir, caso não venham no projeto do Executivo, regras para a designação dos diretores do BC, assim como impedimentos após o exercício do cargo, a chamada quarentena. Seria bom acabar com essa porta giratória, por meio da qual o sujeito passa de um lado do balcão (mercado financeiro privado) para o outro (direção do BC) e vice-versa, sem grandes dificuldades e sem critérios adequados. Isso conduz à captura do regulador pelos regulados.

Eu sei que é muito difícil controlar a porta giratória. Ela ocorre também nos ministérios e nas agências de fiscalização. Pode abrir espaço também para influências externas ao país. Um exemplo recente: um assessor internacional do ministro Meirelles, Marcelo Estevam, muito ligado aos Estados Unidos e oriundo do escalão médio do FMI, depois de prestar serviços variados no governo, conseguiu um cargo melhor no Banco Mundial – certamente por seus méritos. Esse é um caso entre muitos.

Mesmos os países mais desenvolvidos e institucionalmente mais fortes lutam, nem sempre com sucesso, contra esse fenômeno da porta giratória no setor público. Mas, no caso do BC, já que o governo brasileiro quer formalizar a autonomia em relação ao poder público, abre-se a oportunidade para buscar também autonomia em relação a interesses financeiros privados, estabelecendo regras adequadas e bem pensadas.

P: Você acredita que este governo pode avançar em aspectos específicos, como a melhoria do ambiente de negócios via simplificação tributária e desmonte da indústria da burocracia?

R: Sim, sem dúvida. A complexidade do sistema tributário (inclusive das obrigações acessórias dos contribuintes) e a burocracia exagerada constituem entraves importantes para as empresas que operam no Brasil – as nacionais e as  liais de estrangeiras. São componentes importantes do chamado custo Brasil.

Faz-se um barulho tremendo sobre o Brasil ser uma economia fechada, com altas tarifas médias de importação. Não se menciona quase nunca que essas tarifas constituem uma compensação, muito insuficiente, para o chamado custo Brasil, que inclui, além dos fatores mencionados, de ciências graves de infraestrutura e logística, o nível (não só a complexidade) da carga tributária, o custo elevado do crédito e períodos recorrentes de apreciação exagerada do câmbio.

P: Paulo Guedes montou uma equipe com economistas neoliberais, alguns oriundos da Escola de Chicago. Que setores efetivamente comandam os rumos da economia brasileira? O sistema ¬ financeiro? O sistema financeiro e o agronegócio? A indústria está completamente fora do poder?

R: A indústria perdeu muito peso econômico e político nas décadas recentes, não há dúvida. Eu diria que o sistema financeiro e o agronegócio tornaram-se os setores dominantes, as frações hegemônicas do capitalismo brasileiro. A economia brasileira ficou mais simples e perdeu capacidade de desenvolvimento, infelizmente. Negativo, em especial, é o poder excessivo de um setor  financeiro oligopolizado que, fora os bancos públicos, não provê crédito de longo prazo e mais atrapalha do que contribui para o desenvolvimento da economia. A turma da bufunfa, como eu costumava dizer, continua sendo uma praga.

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