Atacado gratuitamente por Bolsonaro, repórter Chico Otávio denunciou Adriano, miliciano que empregou mãe e esposa em gabinete de Flávio

Por VIOMUNDO - 10/03/2019 - 23h25

Atacado gratuitamente por Bolsonaro, repórter Chico Otávio denunciou Adriano, miliciano que empregou mãe e esposa em gabinete de Flávio
Adriano, o cara; reprodução de video

No dia 7 de dezembro, um dia depois de o repórter Fabio Serapião, de O Estado de S. Paulo, ter revelado que Fabrício Queiroz tinha movimentado de forma atípica R$ 1,2 milhão entre 2016 e 2017, o ex-motorista tomou um chá de sumiço. A partir dali, surgiu a provocação do “cadê o Queiroz?” No dia 20 de dezembro, foi para São Paulo para internar-se no Hospital Albert Einstein, a fim de iniciar seu tratamento de câncer. Beleza. E onde Queiroz se escondeu nessas quase duas semanas, uma vez que a partir dali desapareceu de sua modesta casa, numa viela da Taquara, na Zona Oeste do Rio de Janeiro? Queiroz se abrigou numa casa na favela de Rio das Pedras, também na Zona Oeste. É a segunda maior favela da cidade e dominada da primeira à última rua pela milícia mais antiga do Rio de Janeiro. Lauro Jardim, em O Globo

O repórter Chico Otávio, de O Globo, é o maior conhecedor dos bastidores do crime organizado no Rio de Janeiro.
Se algúem conhece detalhes de como agem as milícias formadas por policiais e ex-policiais cariocas, é ele.
Neste domingo, o presidente da República Jair Bolsonaro atacou Chico Otávio gratuitamente, ao reproduzir áudio de uma conversa telefônica da filha do jornalista, Constança Rezende, com um homem que se apresentou a ela como “jornalista francês”.
O presidente da República escreveu:
Constança Rezende, do “O Estado de SP” diz querer arruinar a vida de Flávio Bolsonaro e buscar o Impeachment do Presidente Jair Bolsonaro. Ela é filha de Chico Otavio, profissional do “O Globo”. Querem derrubar o Governo, com chantagens, desinformações e vazamentos.
Além de ser inominável um presidente provocar o linchamento digital de uma pessoa, o que Chico Otávio tem a ver com isso?
No dia 22 de janeiro deste ano, em parceria com os repórteres Vera Araújo e Arthur Leal, Chico Otávio denunciou a milícia do Rio das Pedras, suspeita de envolvimento no assassinato de Marielle Franco e de ligações com Fabrício Queiroz, laranja assumido da família Bolsonaro.
Num dos textos, Chico Otávio e os colegas traçam um perfil de Adriano Magalhães da Nóbrega, suposto líder da quadrilha que está foragido.
Adriano é aquele que empregou mãe e esposa no gabinete do senador Flávio Bolsonaro e mereceu não uma, mas duas homenagens de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro — inclusive a Medalha Tiradentes, a mais alta condecoração carioca, recebida quando Adriano estava preso, suspeito de homicídio.
Será que Jair Bolsonaro se antecipou a alguma bomba que Chico Otávio está preparando?
‘Caveira’ temido pela própria polícia fluminense
Ainda jovem, com 17 anos, Adriano Magalhães da Nóbrega nem sonhava em ser um dos homens mais temidos do Rio de Janeiro. Nem tampouco ser o chefe do Escritório do Crime, especializado em matar por encomenda.
Franzino, morador de uma comunidade no Sampaio, ele ficou frente a frente com policiais do Batalhão de Operações Policiais ( Bope ) numa operação na favela onde morava.
Não era bandido, apenas um adolescente curioso, que espiava a incursão da PM por trás de uma cortina. Dali em diante, ele fez sua escolha: queria ser um deles, um “caveira”.
Assim são chamados os integrantes da tropa de elite, cujo símbolo é uma caveira com um punhal cravado.
Obstinado, anos depois, em 1995, Adriano fez  o concurso para oficiais e ingressou como cadete na Academia de Polícia Militar D. João VI. Começava ali uma carreira militar de sucesso, se não fosse a ganância.
Depois dos três anos do curso inicial, não demorou muito para fazer o curso de operações especiais e passar entre os primeiros colocados no Bope. Rotina puxada, de treinamento intenso, que ficou conhecida nas telas do cinema no filme “ Tropa de Elite ”.
Foi no Bope que surgiu a fama de ser um dos mais qualificados que passaram pela fileira. Um colega de turma conta que, como instrutor, fazia a vida dos alunos um inferno.
Com outros professores, simulava situações de humilhação ao extremo dos alunos, vigiando-os 24 horas, sem deixá-los dormir.
— Fazia parte da rotina mantermos guarda na madrugada. Ele aparecia do nada na mata, sem fazer um barulho sequer. Parecia um fantasma. Se divertia com os sustos que dava — lembra um de seus alunos, que chegou a sofrer com as “pegadinhas” de Adriano.
Bastou pouco tempo na corporação para que o jovem magro virasse adquirisse músculos talhados, numa rotina de exercícios ao extremo e uma dieta à base de proteína e anabolizantes, o que lhe rendeu o apelido de Urso Polar.
Adriano chegou ao posto de capitão e ganhou a admiração, até hoje, por suas qualidades militares, como progredir em campos de difícil acesso, principalmente montanhosos e arenosos, carregando muitos quilos no corpo. Mas é a sua habilidade com armas que chama mais atenção. Ele é exímio atirador.
— Lembro de quando o Bope recebeu caixas com fuzis M16 desmontados. O urso polar foi o primeiro a abrir uma e, em minutos, montou a arma, sem ler manual, só na intuição. Ele é muito inteligente e, por isso, tão perigoso — relembrou um outro colega.
Mas foi a partir da aproximação com o mundo da contravenção que Adriano acabou perdendo o respeito dos colegas.
A admiração apenas por ser um soldado completo, porém, que usa suas habilidade para o mal. Passou a aplicar suas destrezas na segurança de bicheiros e na execução dos inimigos deles.
Para isso, arrastou consigo vários colegas de turma
Embora receba as “encomendas” de qualquer um que lhe pague bem, seu principal cliente sempre foi a contravenção, em especial um dos bicheiros considerados mais perigoso por não ser da velha guarda da cúpula do bicho.
As ligações perigosas com os bicheiros lhe renderam um conselho de justificação da Polícia Militar — procedimento investigatório para exclusão de oficiais.
Adriano foi demitido pela Secretaria de Segurança em 2014. O motivo: o envolvimento do então capitão e do tenente João André Ferreira Martins na segurança de José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal , conhecido contraventor da máfia dos caça-níqueis , assassinado em um centro espírita de Praça Seca, em Jacarepaguá, na noite de 16 de setembro de 2011.
A defesa do ex-oficial chegou a ingressar com vários recursos na Justiça para tentar a reintegração à Polícia Militar, mas não obteve êxito.
Os dois militares também tinham contra eles um mandado de prisão desde 2011, como consequência da Operação Tempestade no Deserto.
A operação desarticulou uma quadrilha suspeita de envolvimento em homicídios e outros crimes relacionados a uma disputa de poder pelo patrimônio do contraventor Waldomiro Paes Garcia, o Maninho .
Agora, além de ser o chefe da organização criminosa mais especializada em matar, o que faz com que a polícia fluminense tenha temor, inclusive evitando pronunciar seu nome,  Adriano também dirige o esquema da construção civil ilegal de Rio das Pedras e Muzema, na Zona Oeste.
O MP do Rio não tem dúvidas da participação dele, que nas interceptações também aparece com o codinome de “ Gordinho ”. O fato é que o ex-capitão do Bope, “capitão Adriano”, “Gordinho” ou “urso polar” está na mira da promotoria pela primeira vez, suspeito de dezenas de crimes.

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