Guedes não terá as mesmas facilidades que os 'Chicago Boys' do Chile, diz especialista


Ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes
© Foto : Fernando Frazão/Agência Brasil

Eles foram os arquitetos das políticas econômicas implementadas no Chile pela ditadura de Augusto Pinochet. Os "Chicago Boys" vivem um ressurgimento com o novo governo do Brasil, que vê na doutrina neoliberal a salvação para sua economia asfixiada.
Dois anos após o golpe de Estado que derrubou o socialista Salvador Allende (1970-1973), economistas pós-graduados da Universidade de Chicago persuadiram Pinochet — um militar estatista — a aplicar suas "políticas de choque".
Depois de uma queda do PIB que em 1975 atingiu 12,9%, os discípulos do ultraliberal Milton Friedman aplicaram um "programa de recuperação", que privatizou 400 empresas, reduziu o sistema público e liberalizou quase totalmente a economia.
Em uma segunda etapa, as áreas da saúde, educação e previdência foram privatizadas.
Naqueles mesmos anos, a ditadura conduziu um feroz extermínio de opositores, que resultou em 3.200 mortes e desaparecimentos.
Sem sindicatos, parlamento ou imprensa de oposição, os "Chicago boys" conseguiram aplicar no Chile um modelo liberal que jamais havia sido implementado em outro país.
"São reformas inimagináveis em um contexto democrático pela profundidade que teve", declarou à AFP o jornalista Manuel Delano, um dos autores do livro 'A Herança dos Chicago Boys', de 1989.
O então juiz federal Sérgio Moro
FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM/ AGÊNCIA BRASIL/FOTOSPÚBLICAS
O professor visitante do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Vinicius Rodrigues Vieira também acredita que Guedes não terá as mesmas facilidades para implantar sua agenda econômica.
"O Chile, segundo autores de esquerda, foi um grande laboratório de desenvolvimento do neoliberalismo, e isso só teria sido possível porque se tratava de um regime autoritário. Em um regime democrático, você retirar e mexer em direitos, que para alguns são privilégios, você tem oposição de uma maneira muito mais veemente."
O professor da USP pontua que a chegada de Bolsonaro ao poder está no contexto do fim de governos de esquerda na América Latina, que agora aposta em governos menos "estadocêntricos".
"É a exaustão dos regimes de esquerda que dominaram o continente no final dos 1990 e ganharam força nos anos 2000 e se exasperaram com a queda da demanda de commodities."
"A probabilidade de realizarem no Chile, em 1973 e na democracia, reformas tão profundas quanto as feitas durante o regime militar, seria extremamente baixa. Mas hoje isso mudou", diz o economista de Chicago Rolf Lüders, ex-ministro da Economia da ditadura (1982-1893) e um dos pais das reformas chilenas.
"A queda do Muro de Berlim e a experiência positiva de muitos países, especialmente na Ásia, mas também na Europa, África e América Latina, incluindo o Chile, tornaram perfeitamente possível a existência de episódios econômicos liberalizantes na democracia", acrescenta este ‘Chicago boy'.
Milagre econômico
Relegadas por décadas, essas políticas ressurgiram após a chegada ao poder de Jair Bolsonaro e a nomeação de Paulo Guedes como ministro da Economia, ele mesmo formado em Chicago e com uma passagem pelo Chile na década de 1980.
O presidente do Chile, Sebastián Piñera, o líder da oposição venezuelana Juan Guaidó, o presidente da Colômbia, Ivan Duque e o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benitez, participam do concerto Venezuela Live Aid na fronteira entre Colômbia e Venezuela, na cidade de Cucuta.
© REUTERS / MARCELO SEGURA/PRESIDÊNCIA DO CHILE
Guedes anunciou que vai impulsionar um grande plano de privatização, reduzirá o tamanho do Estado —para aliviar a dívida pública — e aumentará a abertura comercial da maior economia do continente para replicar o que ele considera o "milagre econômico chileno".
Seu primeiro grande teste começou nesta quarta-feira, com a apresentação de uma reforma do sistema previdenciário.
"O Brasil tem 30 anos de expansão descontrolada de gastos públicos (…), este modelo corrompeu a política, fez subir os impostos, juros e fez a dívida crescer como uma bola de neve", declarou Guedes após a vitória de Bolsonaro em outubro.





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