Emir Sader: Bolsonaro é um meio, não um fim


Adriano Machado - Reuters
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por Emir Sader - no 247 - 02/01/2019

Uma jornalista argentina me disse, numa entrevista que me fazia, que não há risco de um fenômeno como o Bolsonaro por lá. É verdade, mas nem por isso as coisas se passam de maneira muito diferente por lá. Não precisam, porque o objetivo maior de impedir que um governo antineoliberal se instale por lá pode, por enquanto pelo menos, contar com Macri.

Na Argentina, com Macri, a guerra hibrida corre solta, a judicialização e a lawfare contra a Cristina só aumenta, conforme Macri se desgasta e ela se fortalece nas pesquisas. Claro que desejam fazer com ela o que fizeram com o Lula. Resta saber por que via tentarão e se conseguirão.

Porem o mais importante é não restringir a análise do que acontece no Brasil ao Bolsonaro. Nem foi ele quem ganhou as eleições. Foi o poderoso esquema composto pelo grande empresariado, pelos meios de comunicação, por igrejas evangélicas, colocado em pratica pelo aparato montado em torno do Bolsonaro. Ele foi o instrumento que restou ao bloco da direita para não perder o governo e manter o essencial para eles: o modelo neoliberal.

É preciso sempre recordar que essa vitória foi possível a partir de três fenômenos: a prisão, condenação e proibição da candidatura, sem nenhuma justificativa legal do Lula; o fracasso de encontrar um candidato anti-política, depois das tentativas com o Joaquim Barbosa e o Luciano Huck; e a desaparição politica do PSDB, pelo apoio ao golpe e ao governo Temer. Foi assim que o bloco da direita apelou para o Bolsonaro, como único candidato depositário de caudal importante de votos, desde as manifestações de 2015/2016, contando com transferência enorme de votos tucanos para a extrema direita.

Nada disso seria vitorioso não fosse a gigantesca e monstruosa operação de noticias falsas multiplicadas por milhões de robôs, naquela semana em que Haddad, pela primeira vez, superava a Bolsonaro, mediante a transferência dos votos do Lula para ele, pela centralidade da agenda social, até aquele momento da campanha.

E não nos esqueçamos nunca, em qualquer analise que se faça, de fenômeno do favoritismo do Lula, até o final da campanha, para triunfar sobre o Bolsonaro e todos os outros juntos, ganhando no primeiro turno. Fenômeno fundamental para entender por que a direita brasileira se jogou no colo de um candidato da extrema direita e especialmente despreparado, pessoal e politicamente, para dirigir o Brasil. Para evitar as analises impressionistas, de que o PT perdeu suas bases para os evangélicos, para a extrema direita, etc. Se subestima a forca do Lula ate' o final da campanha e a operação monstruosa que fabricou a rejeição do Haddad e projetou a candidatura do Bolsonaro.

Não há uma maioria no país com as ideias do candidato vencedor. Ele se engana, se achando todo poderoso. O primeiro sinal são as pesquisas em que 2/3 da população rejeita um dos carros-chefes dele e do seu garoto propaganda, o Moro, da liberação da compra e do porte de armamentos. Bolsonaro acha que o país é um país de extrema direita e nomeia imbecis para ministérios como os das relações exteriores, da educação, dos direitos humanos, da ciência e tecnologia, do meio ambiente, entre outros.

Quando o que espelha a relação de forças do bloco vitorioso é o tripé: militares (coturnos), equipe econômica (Chicago boys) e ministério da justiça (delegados de policia). Os nomes ligados ao candidato vencedor são os primeiros candidatos a ser substituídos, assim como a influencia dos seus filhos tende a ser cada vez mais limitada.

O apelo a um candidato de extrema direita é resultado da força da esquerda, do Lula e do PT que, ao contrario do PSDB, se manteve como o partido e o dirigente central no campo popular, pelo desempenho do seu candidato, pela popularidade mantida do Lula, pelos governadores eleitos e pela bancada parlamentar.

Gleisi acerta no alvo, quando diz que um governo sem projeto tem que fabricar e apelar para inimigos ilusórios: o socialismo, o marxismo, o vermelho na bandeira. E para isso apela para apoios igualmente irreais: Deus, as religiões, a suposta não ideologia. Bolsonaro pode ter sido um bom candidato para a direita, mas parece não ser um bom governante, sem capacidade para agregar, para coordenar, para falar para toda a sociedade.

Será um ano difícil, para o Brasil, para o povo e para o movimento popular. Só com tenacidade, capacidade de reflexão, de falar aos setores mais amplos da sociedade – para o que se tem que combater e superar os discursos com clichês – e de readequar as formas de ação e de organização às novas condições de luta, poderemos reverter, no final deste ano, o cenário político atual.



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