Elio Gaspari : O valor do silêncio do general calado

Postado por Magno Martins 

A anarquia militar embaralha generais (da reserva) que falam e não mandam, quando quem manda não fala

Elio Gaspari – Folha de S.Paulo
eleição de Jair Bolsonaro propagou o vírus da anarquia militar. Aqui e ali ouve-se falar em "núcleo militar" influindo no governo e "desconforto" fora dele. Desde que o presidente disse ao ex-comandante do Exército que "o que nós já conversamos morrerá aqui", disseminou-se a curiosidade em torno do que conversaram.
O fato da vida é que para se impedir a eleição de um candidato do PT, com suas obras e suas pompas, levou-se ao Planalto um capitão de pouca disciplina que em 1988 baldeou-se para a atividade parlamentar.
Ele levou na vice um general de quatro estrelas (da reserva) que anos antes perdera o comando das tropas do Sul por ter feito um discurso político.
O general tal acha isso, o general qual acha aquilo. Falta registrar que todos os militares que ocupam cargos civis estão na reserva e comandam apenas poderosas mesas. Chefe militar acha, mas não fala.

Ninguém ouviu uma só palavra do general Enzo Peri, que comandou o Exército de 2007 a 2015. O mesmo se pode dizer de Gleuber Vieira, comandante de 1999 a 2003. Ambos tipificam o general calado. Não falavam antes de assumir o comando nem falaram depois.
O general calado é um enigma em si mesmo. Move-se dentro das normas da corporação. Manda, mas não fala, mesmo em épocas em que falam generais que não mandam ou, pelo menos, não mandam tanto quanto se pensa. Olhando-se para trás, é fácil ver o peso do general calado.
Castello Branco só falou em março de 1964, dias antes da deposição do presidente João Goulart. Emílio Médici foi o silêncio da orquestra e chegou à Presidência sem dizer uma palavra fora das reuniões de generais. Os irmãos Geisel, Orlando e Ernesto, nunca falaram.
O general Euler Bentes, que em 1978 foi candidato a presidente pelo MDB (o de Ulysses e Franco Montoro, não o que está aí), nunca falou enquanto esteve na ativa. Derrotado, retirou-se no seu "Sítio do Pica-Pau-Amarelo" e morreu em 2002. Seu curto necrológio foi publicado abaixo da notícia da morte de "Mocinha", a inesquecível porta-bandeira da Mangueira.
No ocaso da ditadura e da anarquia militar, havia alguns generais falantes, mas ninguém se lembra, por exemplo, de Ademar Costa Machado e de Jorge de Sá Pinho.
Estavam no Alto-Comando que barrou as bruxarias da anarquia e garantiu a eleição de Tancredo Neves (Pode ser verdadeira a história segundo a qual Tancredo pediu para conversar com Costa Machado, a quem queria colocar no governo. Ele pediu que se encaminhasse a solicitação ao Ministério do Exército.)
Para dançar um tango e para alimentar a anarquia, não basta um militar, mesmo que seja da reserva. É indispensável uma vivandeira paisana.
Durante a campanha eleitoral do ano passado, um general organizou uma reunião para ouvir uma palestra de paisano sobre obras de infraestrutura.
Na sessão de perguntas um oficial quis saber qual dos dois candidatos a presidente teria mais qualificações para tocar o assunto. O comandante da guarnição pediu que a pergunta fosse ignorada e que o oficial saísse da sala.

Ouvir o silêncio do general calado é tarefa impossível, mas uma coisa é certa: ouvir as falas dos generais da reserva em funções civis ou mesmo fora delas, como se falassem pelos quartéis, estimula a anarquia, embaralha os problemas e confunde a audiência.

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