Ataques a Dodge marcam início da campanha de Dallagnol à PGR. Por Luis Nassif
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É fácil entender os objetivos por trás da matéria “Os 500 dias de Raquel Dodge e o enterro da Lava Jato” publicada na última edição da revista Época.
Trata-se de mais um capítulo da parceria da mídia com a Lava Jato, visando interferir nas eleições internas para a Procuradoria Geral da República. Agora, como parte da estratégia montada com respaldo do Ministro da Justiça Sérgio Moro, visando emplacar Deltan Dallagnol na próxima lista tríplice.
Vamos a um histórico dessa parceria:
Exemplo 1 – a jogada para inviabilizar Raquel
No “Xadrez de como o MPF foi vítima da caça às bruxas da Lava Jato” há uma descrição detalhada da jogada.
Aproximavam-se as eleições para a lista tríplice da PGR. Raquel Dodge era uma das candidatas favoritas. O então PGR Rodrigo Janot armou com a mídia um autêntico fake news para atingir a adversária
Ela havia sido intermediária de uma proposta do Ministério Público Federal do Distrito Federal junto ao Conselho Superior do Ministério Público: a de que, na convocação de procuradores para as forças tarefas, fosse respeitado o limite de 10% do contingente de procuradores de cada regional. Era uma proposta razoável, que em hipótese alguma afetaria os trabalhos da Lava Jato.
A intenção era impedir as jogadas políticas de Janot. Como explicamos na ocasião:
Semanalmente, o Diário Oficial publica afastamentos de membros da equipe de Janot para viagens, preferencialmente pelo chamado Circuito Elizabeth Arden – Roma, Paris, Londres, Nova York. Não há nenhuma forma de controle nem de transparência. Nem de simples consulta ao Conselho Superior.
Além disso, Janot passou a se valer dos cargos de livre nomeação para montar sua base eleitoral, desviando cada vez mais procuradores de seus trabalhos finalísticos para funções burocráticas. Assim que entrou, designou procuradores para Secretário Executivo da Câmara – função que, antes, era de funcionários -, para Secretário Geral do CNMP e para uma inacreditável Secretaria Geral Adjunta do CNMP, em uma burocratização sem precedentes destinada a cooptar colegas para seu plano político.
Apenas a PGR tem 41 procuradores nomeados por Janot, do que se conhece publicamente, já que não há transparência sobre o total de nomeações.
Nenhuma das designações passou pelo CSMP.
A armação de Janot foi bisonha.
Havia uma reunião do CSMP. Estava marcada para as 9 da manhã. Janot adiou o início até às 10 para permitir a chegada da imprensa e de várias redes de televisão.
Havia alguns rituais que, no início, passaram despercebidos dos conselheiros, mas que, depois, fizeram sentido. A troco de quê estava reunida toda a imprensa de manhã para uma reunião do CSMP? Além disso, a assessoria de imprensa de Janot indicava para cada equipe de TV quem era Raquel Dodge, apontando para ela.
Na hora de definir a pauta, surpreendentemente Janot retirou outros casos complexos, manteve apenas aqueles de fácil deliberação e incluiu a representação de Raquel Dodge. Junto com ela, colocou em votação uma "questão prejudicial", com três camadas (chama-se de questão prejudicial aquela que, se aprovada, obriga ao arquivamento a representação a que se refere).
O caso foi rapidamente superado pelas explicações de Raquel Branquinho, procuradora do MPF do DF que desmontou os argumentos de Janot. O CSMP não endossou sua armação. Primeiro, porque dos 7 membros da Lava Jato, em Brasilia, 5 eram do MPF e 2 do MPFDF, portanto, muito abaixo do limite de 10% a ser fixado.
Por 7 x 2, o CSP rejeitou integralmente a "questão prejudicial" apresentada. E passou a votar a resolução de Raquel. Quando a votação estava em 7 x 1, Janot perdeu as estribeiras. Jogou para os jornalistas um discurso raivoso sobre os supostos prejuízos à Lava Jato, e pediu vista.
Entendendo que o fato Lava Jato seria utilizado contra o Conselho, e percebendo a jogada com a mídia, Raquel Dodge correu para explicar que o CSMP tinha iniciado os debates sobre o tema bem antes do CNMP, por isso não poderia ser acusado de atropelar. Explicou detidamente o mérito do caso em discussão.
Mas, na cobertura da mídia, só apareceram as acusações contra Dodge.
O Estadão foi definitivo: "Sabotagem contra a Lava Jato" (https://goo.gl/7LhRCO). E um subtítulo tão radical quanto uma sentença do Juiz Sérgio Moro: "Quem quiser identificar um foco de sabotagem contra a Lava Jato basta olhar para o Ministério Público Federal".
A mesma certeza férrea foi estampada por Merval Pereira, no artigo "Janot aborta golpe contra a Lava Jato" (https://goo.gl/qNfT66).
Fato 2 – o caso JBS, segundo manobra
A delação da JBS, feita de forma atabalhoada por Janot, com amplo respaldo da Globo, foi a segunda tentativa de segurar o poder nas mãos do grupo. A falta de técnica investigativa comprometeu os resultados. Janot terminou o mandato abrindo de forma irresponsável dezenas de representações e denúncias, a maioria das quais não se sustentava em pé.
Fato 3 – a tentativa de impedir a nomeação de Raquel
Terminadas as eleições, Raquel Dodge ficou em segundo lugar, atrás de Nicolao Dino, candidato de Janot.
A terceira manobra veio em seguida. Reportagem da revista Época, assinada pelo notório Diego Escostegui, sustentava que os procuradores da Lava Jato pediriam demissão, caso Raquel fosse nomeada PGR.
O título era: “Procuradores da Lava Jato ameaçam abandonar os cargos se Raquel Dodge assumir chefia do MPF”. Com um subtítulo revelador: “Janot tenta debelar as deserções”. Segundo a matéria, muitos procuradores teriam avisado que deixariam a operação caso ela fosse indicada. Mas foram demovidos pelo bravo Rodrigo Janot.
O tom da reportagem mostrava de forma indisfarçada a influência de Janot:
Informalmente, muitos procuradores já avisaram a Janot que pretendem sair logo. Ele tenta, agora, debelar essas deserções. O argumento é simples: os procuradores estariam caindo na armadilha de Temer de rachar a Lava Jato, manietando por dentro as investigações.
Fato 4 – o quarto golpe, o pré-lançamento de Dallagnol
Agora, há um movimento articulado pelo Ministro da Justiça Sérgio Moro, visando colocar Deltan Dallagnol na lista tríplice e, depois, forçar para sua nomeação para a PGR.
A reportagem da Época repete a fórmula. Há um conjunto de acusações, algumas consistentes. Mas o jogo mostra a que foi reduzido o bravo Ministério Público Federal, quando permitiu que a politização impregnasse seus trabalhos. E também não se disfarça a origem das fontes: o grupo da Lava Jato.
As concessões de Raquel ao novo regime, os elogios ao novo governo, são de arrepiar espíritos mais republicanos. Mas, por trás, está o jogo político miúdo, típico da velha política.
Deixaram-se de lado os princípios constitucionais, os objetivos maiores, e transformou-se em um ambiente de ampla partidarização, com jogadas políticas de todos os lados.
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