Raio x no relatório do Coaf que cita Michele Bolsonaro e o foro privilegiado do marido. Por Joaquim de Carvalho
Publicado por Joaquim de Carvalho - no DCM - 28 de dezembro de 2018
Fabrício José Carlos de Queiroz é apresentado no item 81 do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do governo federal criado para combater a lavagem de dinheiro. As informações relativas a Queiroz ocupam sete das mais de 400 páginas do relatório (veja abaixo).
Bolsonaro no banco |
De acordo com o documento, que faz parte da investigação conduzida pelo Ministério Público Federal, Fabrício foi alvo de comunicação ao Coaf por operação suspeita em uma conta de pessoa jurídica que ele mantém no banco Itaú.
“Ele foi objeto de comunicação de operação suspeita referente à sua conta número 006980, agência CNPJ 7816 Personnalite Freguesia, no banco Itaú, na cidade do Rio de Janeiro. Ele movimentou nessa conta o total de R$ 1.286.838,00, entre 01/01/2016 e 31/01/2017, o que foi considerado suspeito”, informa o relatório.
Em seguida, são relacionados os enquadramentos legais que fizeram de Queiroz um correntista suspeito:
- Os pagamentos habituais a fornecedores e beneficiários que não apresentem ligação com a atividade ou ramo de negócio da pessoa jurídica.
- Movimentações em espécie realizadas por clientes cujas atividades possuam como característica a utilização de outros instrumentos de transferência de recursos, tais como cheques, cartões de débito e crédito.
- Movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira.
Na página 5 do relatório sobre Fabrício Queiroz, Michele Bolsonaro é citada e há uma referência indireta a Jair Bolsonaro e ao foro privilegiado.
Os técnicos do Coaf identificaram no período (um ano e um mês) a compensação de cheques no valor de R$ 41.930,00.
“Dentre eles (os cheques), consta como favorecidos (sic) a ex-secretária parlamentar e atual esposa de pessoa com foro por prerrogativa de função Michele de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro, no valor de R$ 24.000,00.”
Os técnicos não explicam por que fazem referência ao foro privilegiado sem dizer o nome do presidente eleito. Seria pela impossibilidade de aprofundar essa investigação sem autorização do Supremo Tribunal Federal?
Além da movimentação atípica de R$ 1,2 milhão entre 01/01/2016 a 31/01/2017, Queiroz foi alvo de outra comunicação de movimentação suspeita, entre 23/01/2017 e 15/03/2017.
Nesse período, ele sacou R$ 49 mil.
Diz o relatório:
“Segundo informado, neste período, a conta apresentou 10 transações de forma fracionada, totalizando R$ 49.000, configurando possível tentativa de burla aos controles estabelecidos pela Carta Circular 3461, de 24/07/2009.”
O alto número de saques diários, em valores fracionados, também foi decisivo para que Fabrício fosse considerado suspeito. Os técnicos lembraram que esse tipo de movimentação possibilita a “ocultação de origem/destino dos portadores”.
No dia 23 de janeiro, o assessor de Bolsonaro fez dois saques de R$ 5.000 na boca do caixa do Itaú da Assembleia legislativa, com uma diferença de apenas vinte minutos entre um e outro.
No dia seguinte, voltou ao mesmo posto de serviço, para fazer novamente dois saques de R$ 5.000, com diferença de oito minutos entre um e outro.
Entre 16 e 17 de fevereiro do ano passado, ele sacou R$ 19 mil da boca do caixa: três saques de R$ 5.000 e um de R$ 4.000.
No dia 15 de março, fez a mesma operação – dois saques de R$ 5.000.
Ao fazer retirada em espécie de valor abaixo de R$ 10 mil por operação, Queiroz não precisou preencher formulário para explicar a finalidade do saque.
É um indício de que estaria querendo esconder algo, mas, se foi por essa razão, ele não contou que o sistema identificaria a movimentação estranha.
E lançaria um aviso de suspeição, que necessariamente seria comunicada ao Coaf.
Ao sacar elevadas quantias em espécie, Fabrício Queiroz impossibilita o rastreamento.
Na outra ponta, recebendo o dinheiro, poderia estar um destinatário de atividade lícita, como restaurante ou farmácia frequentados por ele, mas também poderia ser alguém que fosse o verdadeiro dono do dinheiro.
O que o Coaf tem certeza é a de que a movimentação é incompatível com seu rendimento e patrimônio declarados.
No período que gerou a primeira comunicação ao Coaf, entraram na conta dele R$ 605.552,00 e saiu um pouco mais, totalizado os R$ 1.236.838,00.
A conta é de 1991 e ele foi cadastrado no banco como autônomo, sem participação em sociedade, com renda declarada de R$ 21.219,73 e patrimônio de R$ 700 mil.
Há depósitos de funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro em espécie, o que também chamou a atenção das autoridades.
Os servidores preferiram fazer o depósito em dinheiro, diretamente no caixa, em vez de realizarem transferências.
No período de um ano e um mês, foram depositados, em dinheiro, R$ 216.493,00, mais de um terço do que entrou na conta dele (não só tendo como origem os assessores de Flávio Bolsonaro), e foram sacados, em espécie, R$ 324.774,00.
Numa era em que se pode fazer pagamentos pela internet e através de cartões, quem preferiria andar com dinheiro para baixo e para cima?
Só mesmo quem não quer que se saiba a quem ele está entregando os valores que entraram na sua conta.
Não é preciso ser nenhum detetive para entender que Fabrício Queiroz tem muitas explicações a dar.
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