Como – e porquê – vamos virar uma Colômbia. Por Aline Piva
Já virou lugar comum: toda e qualquer discussão política, seja no almoço da família, seja com um desconhecido no elevador, até mesmo em campanhas políticas “institucionais”, invariavelmente termina com um “nós não queremos virar uma Venezuela”. O que o interlocutor quer dizer com isso, fica à cargo da imaginação. Claro, anos e anos de bombardeios diários de desinformação, de construção de uma opinião pública baseada em “achismos”, décadas de sucateamento do nosso sistema educacional, só poderiam levar a isso. Desconhecemos nossa história. Mas desconhecemos ainda mais profundamente a história dos nossos vizinhos na região.
Mas, a eleição de Bolsonaro torna fundamental que conheçamos a história de um outro país vizinho, a Colômbia. E porquê? Por quê há um risco real de seguirmos pelos mesmos rumos.
A Colômbia é um país marcado pela mais longa guerra civil do Hemisfério Ocidental. À diferença de outros conflitos dessa natureza, não se trata de um conflito étnico, mas sim de um conflito de reivindicação social, fruto da profunda desigualdade que caracteriza a sociedade colombiana. Na década de 90, o então presidente Andrés Pastrana decidiu que colocaria um fim ao conflito, e, sob o disfarce legalista da “guerra às drogas” firmou o que viria a ser a mais compreensiva estratégia intervencionista dos Estados Unidos na região: o Plan Colômbia. Hoje, quase duas décadas depois, a Colômbia conta com dezenas de milhares de mortos e desaparecidos, e cifras surpreendentes – que chegam aos milhões – de pessoas que foram forçadas a deixar suas casas. Só em 2018, mais de 226 líderes sociais foram assassinados no país.
Se o saldo para o povo colombiano não poderia ser pior, para os Estados Unidos a história já é outra: não só conseguiu influenciar taticamente os rumos do debate sobre segurança regional, como também assegurar a implementação de bases militares estrategicamente posicionadas.
Mais: hoje, militares colombianos treinados e financiados pelos Estados Unidos desempenham um papel importante no treinamento de outros militares na região. O que mais os Estados Unidos poderiam querer? Claro. Mais um mercado para sua indústria de guerra. A Colômbia é o quarto país das Américas que mais investe em gastos militares. E uma parte significativa desse dinheiro vai para quem? Estados Unidos. Aqui, vale lembrar que o serviço militar estadunidense é, hoje, o principal fator de ascensão da classe média – aquela, que votou em massa no Trump.
Pois bem. O Brasil é hoje o terceiro nessa lista de países americanos que mais gastam com os militares. O Brasil também é um dos países mais perigosos para defensores dos direitos humanos e sociais, e líder mundial em assassinatos de LGTB’s.
E em menos de três semanas, assume um presidente cujo chanceler de facto diz que “o céu é o limite” para as relações com os Estados Unidos; e cujo chanceler real, o filho, Eduardo Bolsonaro, sai de uma reunião na Casa Branca com um boné escrito “Trump 2020”.
O Plan Colômbia surgiu da incapacidade do Estado colombiano de garantir os privilégios históricos das elites do país – e da disposição dessa elite em abrir mão da soberania nacional em troca da manutenção desses mesmos privilégios. Foi assim com o golpe de 2016 no Brasil. Foi assim com as eleições de 2018.
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