Pepe Escobar: Decodificando Putin, o hipersônico, em dia solene

13/11/2018, Pepe Escobar, Asia Times

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

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O protocolo do Palácio Eliseu era implacável. Ninguém em Paris tinha licença para roubar os holofotes, que teriam de ficar grudados no anfitrião, presidente Emmanuel Macron, durante o 100º aniversário do Dia do Armistício, que marcou o fim da 1ª Guerra Mundial.

Afinal de contas, Macron investia ali todo o seu capital político, ao visitar vários campos de batalha da 1ª Guerra Mundial, sempre alertando contra a ascensão do nacionalismo e uma arrancada do popularismo de direita em todo o ocidente. Mas tomou o cuidado de só destacar, nos elogios, a palavra “patriotismo.”

Hoje ruge violenta batalha de ideias em toda a Europa, personificada no embate entre o globalista Macron e o ícone popularista Matteo Salvini, ministro italiano do Interior. Salvini abomina o sistema de Bruxelas. Macron avança em sua defesa de uma “Europa soberana”.

E para horror do establishment nos EUA, Macron propõe que se constitua um verdadeiro “exército europeu” capaz de fazer autodefesa autônoma, lado a lado com um “verdadeiro diálogo de segurança com a Rússia.”

Problema é que todos esses ideais de “autonomia estratégica” vêm abaixo, se você tem de partilhar o palco, ao vivo, com as indiscutíveis estrelas do show global: o presidente Donald  Trump e o presidente Vladimir Putin.

Assim sendo, a ótica em Paris não era exatamente a de alguma conferência de Yalta 2.0. Fizeram de tudo, para manter Trump e Putin separados. Cadeiras de lugares marcados na primeira fila, da esquerda para a direita ordenavam Trump, a chanceler Angela Merkel, Macron, sua esposa Brigitte e Putin. Nem Trump nem Putin, por diferentes razões, participaram do quadro publicitário “caminhada na chuva” de evocação da paz.

Nada os impediu de conversar. Sir Peter Cosgrove, governador geral da Austrália, confirmou que Trump e Putin, num almoço de trabalho, conversaram “animada e amigavelmente” por, no mínimo, meia hora.

Ninguém melhor que Putin em pessoa, para revelar, ainda que indiretamente, sobre o que realmente conversaram. Três temas são absolutamente chaves.


Sobre o exército europeu não OTAN proposto por Macron: “A Europa é (...) poderosa união econômica e é perfeitamente normal que deseje ser independente (...) e soberana no campo da defesa e da segurança.”

Sobre consequências desse exército: Seria “processo positivo” que “fortaleceria o mundo multipolar”. E como se fosse pouco, a posição da Rússia “está alinhada com a posição da França.”

Sobre relações com a Organização do Tratado do Atlântico Norte e Washington: “Nós não vamos nos retirar do Tratado INF (Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário). Os norte-americanos é que têm planos de sair.” Putin acrescentou que Moscou não agendou manobras militares em local próximo das fronteiras da OTAN, já pensando em acalmar uma situação já muito tensa. Mas a Rússia “não se opôs” aos exercícios da OTAN e espera pelo menos que haja diálogo em futuro próximo.


Entra em cena o Avangard


Amplos setores do Estado Profundo nos EUA insistem em não ver e não querer ver, mas Putin pode ter convencido Trump da necessidade de conversarem seriamente, em função de um vetor absolutamente crucial: o Avangard.

Avangard é veículo hipersônico capaz de voar em velocidades superiores a Mach 20 – 24,700km/h, ou quase 4mi/seg – e uma das armas extraordinárias que Putin anunciou em seu discurso histórico de 1º de março.

Avangard está na linha de montagem desde o verão de 2018, e deve tornar-se operacional nos Urais sul no final do ano que vem, ou início de 2019 (sic).[1]

Em futuro próximo, o Avangard pode ser disparado pelo impressionante míssil balístico intercontinental que alcança Washington em apenas 15 minutes, voando numa nuvem de plasma “como um meteorito” – mesmo que seja lançado de território da Rússia. A produção em série do míssil Sarmat começa em 2021.

Avangard simplesmente não pode ser interceptado por nenhum sistema hoje existente no planeta – e os EUA sabem disso. Aqui fala o general John Hyten, comandante do Comando Estratégico dos EUA: “Não temos qualquer defesa que bloqueie esse tipo de arma se for usada contra nós.”


Irã, como nova Sérvia?


Queria estar em Paris – minha casa na Europa – para acompanhar ao vivo esses enredos concêntricos relacionados à 1ª Guerra Mundial. Mas não foi menos fascinante acompanhá-los de Islamabad, onde estou agora, voltando da parte norte do Corredor Econômico China-Paquistão (CECP). O Império Britânico usou de 1,5 a 2 milhões de pessoas da Índia colonial para combater e morrer pelo império, naquela guerra. Não poucos eram do Punjab, de onde é hoje o Paquistão.

Quanto ao futuro, Trump com certeza sabe dos avanços hipersônicos da Rússia. Trump e Putin também falaram sobre a Síria, e pode ter tocado no Irã, embora nenhum dos presentes ao tal almoço de trabalho tenha vazado coisa alguma sobre o tema.

Assumindo que o diálogo continue no encontro do Grupo dos 20 em Buenos Aires no final de novembro, Putin talvez consiga meter na cabeça de Trump que, assim como a Sérvia catalisou uma cadeia de eventos que levaram as grandes potências, somo sonâmbulas, para a 1ª Guerra Mundial, pode agora acontecer de o Irã levar à possível terrível 3ª Guerra Mundial.

A obsessão da equipe de Trump com obrigar o Irã à completa submissão econômica é ideia sem futuro, mesmo para a União Europeia comandada por Macron-Merkel. Além do mais, a parceria estratégica Rússia-China simplesmente não permitirá que se joguem joguinhos infantiloides temerários contra um nodo crucial da integração eurasiana.


Putin nem precisará virar hipersônico. Trump compreenderá tudo perfeitamente.*******



[1] No orig. “is due to become operational in the southern Urals by the end of next year or early 2019”. Parece haver um engano [NTs].

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