Nassif: O Tiro de Guerra e os dobrados brasileiros

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Por Luis Nassif - no GGN - 14/11/2018

Desta vez vou perder o encontro anual dos atiradores de Poços de Caldas. São 49 anos da turma de 50. Ano que vem, cinquentenário. Na última rodada vieram os antigos sargentos, hoje coronéis da reserva, os que permaneceram na carreira.
É curioso esse espírito de tropa.
Fiz o Tiro em 1969, logo após o AI-5. Fui eleito presidente do Grêmio. O sargento Tigrão (falecido) queria que o grêmio fizesse seu jornalzinho. Contava pontos na cúpula. Mas como fazer um jornalzinho para as Forças Armadas em pleno AI-5?
Boicotei como pude, e o jornal não saiu.

Houve momentos de companheirismo e alguns momentos de sedição. Como o dia em que o Tigrão, no campo de treinamento, nos fez arrastar na terra sem a roupa do Tiro.
Saímos de lá e fomos direto ao Tenente Hélio, maior autoridade militar da cidade, mas que, ainda assim, não tinha ascendência sobre o Tiro.
Fomos vilmente dedados pelo Avestruz, um negro forte, homossexual, lutador de boxe, que vivia de vender salgadinhos para os atiradores. No dia seguinte, mal começa o Tiro, o Tigrão me convoca, na condição de presidente do Grêmio – e, pensava ele, seu representante perante os atiradores.
- Seu Nassif, ouvi uma coisa muito feia, uma insubordinação dos atiradores, indo se queixar ao Tenente Helio. O senhor soube disso.
- Soube sim senhor, sargento.
- Poderia me dizer quem estava lá?
- Sargento, a única pessoa que eu tenho certeza que estava lá era eu.
- Seu Nassif!, vociferou o Tigrão.
Mas não houve punições. O tosco Tigrão tinha noção clara sobre lealdades e deduragens.
O melhor exemplo do companheirismo no Tiro eu tive no final do ano. Naquele ano, fazia o Tiro em Poços e ia estudar em São João da Boa Vista. Lá, montamos grupos de música e de teatro. E uma das peças que montamos foi Liberdade, Liberdade, de Millor Fernandes e Flavio Rangel.
Havia um aluno de direito da cidade, estudante do São Francisco e integrante do CCC (Comando de Caça aos Comunistas). O serviço de informações do Exército foi até São João para pesquisar sobre a agitação daquele grupo perigoso, estudantes de 15 aos 22 anos. A diretora da escola, espertamente, tirou o corpo dos estudantes são joanenses e me apontou como o responsável. A razão era simples: como era de Poços, outro estado, estava fora do alcance do Segundo Exército.
A denúncia percorreu outros caminhos e chegou a Poços por duas vias. Uma, o Tenente Hélio; outra, o delegado Honório, ambos amigos de meu pai.
O Tiro de Guerra já havia terminado. Os sargentos, então, passaram a mandar recados por todos os atiradores que ainda apareciam por lá. Uns três ou quatro me encontraram na rua e passaram a seguinte mensagem:
- O sargento mandou dizer para você não aparecer em São João da Boa Vista, porque estão armando uma armadilha para você.
Em plena tempestade do AI-5 e da repressão, aqueles exemplos inesperados de solidariedade me fizeram entender o que é a solidariedade no ambiente militar.
Voltando à cena política, que os militares de hoje se espelhem nos seus antepassados da Guerra do Paraguai, em vez dos antepassados recentes da repressão.
Para vocês, o mais fundamental dos ritmos brasileiros, o que forneceu a base para toda a polifonia do choro e dos regionais: os dobrados. E, dentre eles, os dois mais lindos: A Canção do Exército (nós somos da pátria a guarda....) e o Cisne Branco, a canção da Marinha.
E outras mais, que vocês poderão colocar nos comentárioss.
No pé, o Dobrado das Raças do Brasil, de minha autoria, gravada pela Banda da Polícia Militar de São Paulo.

Áudio

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