“Na resistência, na defesa, você também cria a ofensiva”, diz Ivan Valente ao DCM. Por Roberto De Martin
por Roberto De Martin - no DCM - 21 de novembro de 2018
O DCM conversou com o deputado federal Ivan Valente, do Psol de São Paulo, sobre a necessidade de “criar um movimento social e popular, com uma plataforma mínima que envolva não só partidos de oposição, mas também aqueles que não topam posições extremadas contra a liberdade, a democracia”.
Ivan Valente. Foto: Agência Brasil |
Valente sentou-se ao lado Alexandre Frota, que assistiu a uma sessão como convidado.
“Ele já viu que na Câmara a coisa é mais dura. Tem que ter argumento. Não basta falar para as câmeras e criticar os outros”, diz.
Confira a entrevista:
DCM – O senhor concorda com a opinião de que a nomeação de três ministros do DEM pode enfraquecer a candidatura do Rodrigo Maia, do DEM, para presidente da Câmara, uma vez que outros partidos da base aliada do Bolsonaro também querem o protagonismo?
Ivan Valente – É evidente que esses partidos devem ter expectativa de participar do governo Bolsonaro. Então, você dar mais poder ainda ao DEM, no caso de uma eleição Rodrigo Maia, com apoio da extrema-direita, sinaliza que esse é o partido predileto do novo presidente.
Por outro lado, é difícil chegar, neste momento, a uma conclusão mais definitiva. É cedo ainda. O que é estranho, realmente, é que ele diz que as escolhas são técnicas, mas três dos ministros são deputados do DEM, causando um desconforto grande no resto do chamado “centrão”: PP, PR e outros partidos, PRB, PTB, que hoje é menor, mas ainda tem força.
Agora, se isso vai ser o suficiente para impedir um acordo com o Maia, não sei, até porque o Rodrigo Maia é o mais apropriado para imprimir a agenda econômica ultraliberal, do Bolsonaro, porque ele tem enorme identidade com privatizações, reforma da Previdência etc.
Além disso, o Maia tem mais trânsito na Câmara do que esses nomes que apareceram. Estão falando do João Campos, do PRB de Goiás. Mas ele é um delegado de polícia, evangélico, ou seja, não tem tanto trânsito fora do seu campo de atuação, e deve ter compromissos corporativistas, por exemplo, com os policiais, que podem impedir o crescimento de uma candidatura.
Não dá, também, para saber se a direita vai tirar um novo nome da cartola, com melhor trânsito na Casa, um nome de um grande partido.
É difícil, portanto, chegar à conclusão de que “por ele ter nomeado três do DEM, então, Rodrigo Maia está fora”. Não é assim. Vai depender muito do que eles acham que será necessário para a governabilidade no Congresso Nacional.
E a nomeação de militares para ministérios ocupados, nos últimos anos, por civis?
O resto do “centrão” pode ficar bastante insatisfeito com a nomeação de generais para postos importantes. Ministérios grandes como Minas e Energia, Infraestrutura, que sempre estiveram nas mãos do PR, ficarão com quem?
Não me parece que o governo Bolsonaro tenha vontade de entregar essas pastas de novo para o PR, do Waldemar Costa Neto.
Por outro lado, esses partidos não vivem sem a máquina do estado, e também não se contentam com o segundo e terceiro escalões, porque não dá acesso às licitações. Entende?
Então, temos de ver o que vai acontecer nessa relação. É um pouco imprevisível, mas eu acho que o Maia continua sendo o candidato mais forte.
E a esquerda, não pensa em articular uma candidatura?
Sim. O Psol sempre lançou candidato.
Mas pensa em lançar com o PT?
Possivelmente. O PT pode ter a disposição de apoiar um nome simbólico, até do Psol. Não conversamos oficialmente, mas acho que eles teriam essa disposição. Da outra vez, quando lançamos a Erundina, já teve um grande apelo na base do PT. Vamos ver.
Mas quando o senhor fala “simbólico” quer dizer que não tem chance de eleição de nenhum deputado do campo progressista? É isso?
Não tem chance. Não tem, porque temos minoria na Câmara. Os aliados do Bolsonaro não vão entregar para a oposição a Presidência da Casa. O próprio “Centrão” não é coeso e vai lutar por espaço em várias frentes.
E uma aliança dos partidos de esquerda para médio e longo prazos?
Eu acho que a proposta de bloco, inicialmente levantada, não caminhou muito. Isto é, nem a tentativa de isolar o PT, nem a ideia de formar um bloco, deixando de fora outros partidos de oposição.
Diria que a posição mais sensata, neste momento, frente ao bolsonarismo e contra pautas ultraconservadoras, contra o retrocesso civilizatório, é criar um imenso campo de oposição, um movimento social e popular, com uma plataforma mínima que envolva não só partidos de oposição, mas também aqueles que não topam posições extremadas contra a liberdade, a democracia.
Creio que esse é o caminho para conseguirmos derrotar as propostas que retiram direitos dos trabalhadores, cerceiam as liberdades constitucionais etc. Essa é minha posição: construir um amplo campo de atuação baseado em uma plataforma comum, sem hegemonismos.
A plataforma seria os direitos humanos?
Também. Direitos civis, direitos humanos, direitos trabalhistas, direitos previdenciários, ou seja, direitos garantidos na Constituição brasileira, contra retrocessos, privatizações, entrega de patrimônio nacional. Tudo isso tem de fazer parte da plataforma.
O senhor não avalia que é o momento de construir um discurso que mostre à população, por exemplo, a importância dos direitos humanos para a segurança pública e para outras áreas? Combater a ideia tosca de que os direitos humanos existem para defender ‘bandido’?
Não é fácil a construção de um discurso diferente, porque, infelizmente, o senso comum é que predomina na questão da segurança pública. É a vingança, o “olho no olho, dente por dente”, ou seja, é um discurso que alimenta, um ganho eleitoral. Tem muita gente que vive disso, seja ele um policial, seja ele um locutor de rádio. Tem gente que tem medo que o medo acabe.
Porque, aí, eles perdem os votos. A construção dessa narrativa tem que ser feita em cima das ações práticas que esses setores de direita imprimem na segurança pública. Por exemplo, o balanço na intervenção federal no Rio, o que é? É negativo.
Achavam que os militares resolveriam o problema, e não resolveram. Ou então, dizem: “mais polícia, menos inteligência”, “mais encarceramento”.
Na prática, os números negativos é que vão mostrar o fracasso dessa política que exclui arbitrariamente os direitos humanos. Todo o esforço contra-hegemônico deve ser feito e construído, paulatinamente, sem a ilusão de que vamos reverter essa guerra, esse discurso, imediatamente.
Então o senhor acha que serão quatro anos de defesa, sem a construção de uma nova narrativa para contrapor a direita?
Não. Não acho. Na resistência, na defesa, você também cria a ofensiva. Não existe uma política só de resistência. Você resiste aos retrocessos e, ao mesmo tempo, acumula uma ofensiva em cima de derrotas do outro campo político, dessa política nociva ao interesse público.
Não tem possibilidade de construir uma “geringonça” brasileira, uma aliança entre os partidos de esquerda, como aconteceu de forma vitoriosa em Portugal?
Acho que é cedo para dizer, mas não seria uma má ideia caminhar para um grau de unidade enquanto o projeto conservador, digamos, passa por algum desgaste, antes de o novo presidente da República assumir.
Porque se eles se firmarem com um discurso mais extremista, baseado em alguns avanços na economia, vai ser muito ruim para o Brasil. Então, a esquerda tem que se atentar a isso, tem que ter consciência de seu papel histórico nesse momento.
E seria um fator muito positivo: uma unidade sem hegemonismos, bem direcionada, bem focada, dialogando com a sociedade, não só com o parlamento.
A questão do encarceramento em massa, por exemplo: como a esquerda conseguiria mostrar que mais vagas em presídios não se traduzem em menos criminalidade?
O Brasil é o terceiro país do mundo que mais encarcera. Está claro que isso é contraproducente. Mas todo discurso vencedor das últimas eleições, do Doria, do Bolsonaro, foi em cima de quê? “Lugar de bandido é na cadeia”, “mais tranca, menos saidinha”, porque esse é o senso comum, e é o que está prevalecendo.
Só a prática vai mostrar a realidade. O encarceramento vai continuar, vai crescer, inclusive, e o problema da violência não será resolvido. Só aí poderemos mostrar que essa política é inconsequente.
Vale chamar o STF para esse debate, já que o Supremo, quando a ministra Carmen Lúcia era presidenta, indicou que o caminho, em alguns casos, é o desencarceramento?
Acho que o Judiciário tem tido um papel muito pequeno nessa questão do encarceramento em massa. Deveria estar, há muito tempo, mais atuante. A crise dos presídios no ano passado poderia ter sido uma oportunidade. A Carmen Lúcia foi aos locais, mas impedida de entrar em alguns presídios, não fez nada.
O STF não tem coragem de fazer um enfrentamento do senso comum. Os ministros poderiam mostrar, claramente, que é preciso um outro tipo de política penitenciária, um outro tipo de atuação.
E por que não fazem isso?
Porque o STF é frágil. Para não manchar a corrente do senso comum, não enfrentam. Levaram um tuíte ofensivo do Villas Boas um dia antes do julgamento do Lula e não reagiram. Por incrível que pareça, o mais conservador e antigo, Celso de Mello, foi o que deu a resposta mais forte.
A mesma coisa em relação às fake news. O STF viu os crimes de fake news nas eleições, a investigação contra o Bolsonaro, os disparos em massa no WhatsApp, e agiu pouco. Nossa Justiça é frágil.
O que o senhor acha da declaração do presidente do STF, Dias Toffoli, de que o Judiciário tem sido protagonista nos últimos anos, mas que “é o momento de se retrair e retomar a clássica divisão dos poderes”?
Veja, não existe espaço vazio em política. Ou o Executivo ocupa mais, ou o Legislativo ou o Judiciário. O Judiciário tem ocupado o protagonismo em algumas questões, mas não em relação às fake News nas eleições ou sobre o encarceramento. Nisso, ele é defensivo. O Legislativo tem que avançar, mas o cenário que se desenha após a eleição é mais conservador.
O que o senhor acha de promotores defenderem o Escola sem Partido, como em nota pública recente?
Que horror. Eu nem vi isso. Acho tão absurdo que existam procuradores defendendo uma porcaria dessas. Creio que no julgamento no STF, dia 28 (Supremo vai julgar a constitucionalidade do Escola sem Partido em Alagoas), o Escola sem Partido vai perder de lavada. Será decretada a inconstitucionalidade do projeto.
É um atraso esse tipo de projeto, um desvio de foco sobre a realidade política, educacional, do Brasil É tergiversar sobre os reais problemas da sociedade brasileira. Entendeu?
Essa ideologização tosca, patrocinada por grupelhos, por bolsonaristas, é inconstitucional. É algo elaborado para criar uma censura e uma autocensura em cima dos professores. É um ataque à liberdade de ensino, à liberdade de expressão.
Inclusive, eu diria o seguinte: já que os professores ganham cerca de 2 mil reais por mês para dar 40 horas semanais de aula, esse projeto pode ter o poder de desmobilizar ainda mais, vocacionalmente, aqueles que querem seguir a carreira do magistério.
Tem chance de ser aprovado?
Eles vão continuar com esse projeto, com essa história, porque essa pauta elegeu muita gente. Só que a vida real no Congresso é outra coisa. Esse projeto não tem pé nem cabeça. É inconstitucional. É muito mais um instrumento de luta política de setores evangélicos, reacionários, conservadores, para manter seu próprio eleitorado e realimentar suas redes sociais, do que propriamente uma proposta séria.
O senhor falou em redes sociais. Muitos candidatos, como Alexandre Frota e Kim Kataguiri, são fortes nesses meios, mas não conhecem a dinâmica da Câmara. Acha que eles conseguirão levar para o Congresso a atuação de peso que têm no facebook e twitter, por exemplo?
O Alexandre Frota sentou do meu lado ontem, na Comissão do Escola sem Partido.
Como? Ele nem deputado é ainda.
Mas ele pôde, porque estava como convidado. Não pode falar, mas pode ficar. Ele já viu que na Câmara a coisa é mais dura. Não é um discursinho que ele faz para a câmera dele. Ali tem contraponto, bate-boca, entendeu?
Tem que ter argumento. Não basta falar para as câmeras e criticar os outros. Terá a estridência natural da estreia desses caras, aqui, e depois eles vão ver que o parlamento é mais complexo do que falar nas redes sociais.
Será um “efeito Tiririca”? Que chegou com muito barulho e depois se apagou?
Mais ou menos. Só que é um Tiririca muito mais agressivo.
O Tiririca acertou? Pior que está não fica?
Ele errou. Ficou pior do que era.
E o que o senhor achou da indicação do seu colega de parlamento Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) para ministro da Saúde?
Não conheço bem a atuação em saúde dele. Acho que o Mandetta é um parlamentar médio. Uma dessas figuras de confiança do Bolsonaro. Não é um especialista em saúde, saúde pública. O governo novo não tem figuras de liderança. Não quero fazer uma crítica antecipada a ele, mas parece que é um médico sem especialização, sem a visão nacional de saúde pública.
E o “toma lá, dá cá” entre governo e Congresso, acabou, como o Bolsonaro prometeu?
Pelo contrário, vai voltar com toda a força daqui a pouco, quando o Bolsonaro precisar governar.
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