'El Pepe': Na América Latina o socialismo está além da esquina

Mas a sua busca é permanente, diz José Mujica, no filme 'El Pepe', sobre sua vida, que começa a ser exibido no Brasil



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Achávamos que o socialismo estava ali, na esquina, ’’ comenta José Mujica, o ex-presidente uruguaio, em uma das chaves do documentário sobre sua vida, intitulado El Pepe, Uma vida suprema, do diretor sérvio Emir Kusturica. É uma referência às ilusões que permearam a ação armada do movimento dos Tupamaros contra a ditadura, no seu país, e do qual ele foi uma das lideranças.

El Pepe começou a ser mostrado no Brasil neste último fim de semana em salas lotadas e com espectadores comovidos, no fim da exibição. Alguns, disfarçando as lágrimas. Nele, Mujica lembra a ação contra as ditaduras militares que pintaram com ódio, sangue, horror e morte a famigerada Operação Condor, nos anos 70. Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, servís, foram docilmente chefiados pela CIA. 


Kusturica utiliza, além de imagens de arquivo dessa época, várias sequências do clássico de Costa Gavras, o filme Estado de Sítio, de 1972.

O socialismo, diz Mujica no documentário - dentre as muitas tiradas típicas do seu indestrutível senso de humor - parecia que estava logo ali. Devaneio a ser desfeito, teimosamente, pela realidade adversa sempre preparada para negar a utopia latinoamericana.

El Pepe estreou este ano em Veneza onde estiveram, como convidados ilustres, o próprio Pepe em companhia de Emir Kusturica, vencedor de duas palmas de ouro em Cannes e premiado pelo Conselho Internacional de Cinema e Televisão da Unesco, em setembro, justamente durante o festival italiano no pelo seu documentário mostrado fora de competição. 

Consta que foi Mujica quem escolheu o autor de Quando papai saiu em viagem de negócios e deUnderground, mentiras de guerra para filmar a sua trajetória de jovem guerrilheiro, de prisioneiro político durante 13 anos, presidente do seu país entre 2010 e 2015, e hoje aposentado do mandato de senador, aos 83 anos de idade.

Entende-se a escolha. Para a intensidade da grande aventura existencial e política do ex-presidente do Uruguai, unanimidade mundial de referência sempre presente nas lutas pelo socialismo, o cinema impetuoso de Kusturica  vem sob medida. Ambos são forças da natureza na política e no cinema. Ambos vão ao essencial com firmeza e sem berloques.

Uma das marcas do diretor sérvio, também músico profissional, é comentar as suas imagens com exuberantes trilhas musicais. Elas se impõem sem pudor. Neste doc, o batuque dos tambores folclóricos reforça os conceitos, a exortação e a ação política de Mujica. E com as notas pungentes do tango En esta tarde gris Kusturica inscreve a legenda da importância do sentimento amoroso. ‘’O amor é um refúgio na luta política’’, diz Mujica. Assim como daquilo que parece ser inalcançável.

Kusturica também vira as costas para os manuais que regulamentam o bom comportamento do cinema documentário e vai ao lugar comum sem receio. Olha com curiosidade El Pepe na sua vida austera, em casa, com a cachorrinha Manuela e fazendo a siesta. Na cerimônia do chimarrão. Ao volante do mitológico fusca azul. As considerações dele sobre sua plantação de crisântemos. Nas compras no açougue e o seu programa Juntos, uma versão do Minha Casa, Minha Vida brasileiro. 

Em companhia da mulher e parceira de toda a vida, Lucía Topolansky, também ela ex-membro do movimento dos Tupamaros e integrante do Movimento de Participação Popular e da Frente Ampla do Uruguai.

‘’A solidão dos anos da prisão me proporcionaram a possibilidade de aprofundar as idéias e de não me manter na sua superficialidade,’’ diz Mujica ao diretor. “Por isto, às vezes o Mal é bom.’’ Kusturica também mostra os encontros do ex-presidente com George Soros e, na Casa Branca com um Obama de repente, durante a conversa, como que contrafeito quando El Pepe lhe diz: ‘’... e falaremos todos, na América Latina, o espanhol e... o português...

El Pepe reproduz a irritação do ex-presidente uruguaio com a desestabilização da Ucrânia e a ação agressiva nesse processo da funcionária do Departamento de Estado, Victoria Nuland, que indignou o mundo. 

Uma das observações de Mujica que mais encoraja a plateia, neste momento sombrio que o Brasil atravessa atualmente, é esta: “Só perde a batalha quem a abandona.”E é dele a advertência apaixonada em nome do nosso continente: “Na América Latina não há soluções; há busca.’’


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